quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Recuperação de 2012: cuidado, frágil.


Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do Financial Times.  Este artigo foi publicado no Valor Econômico de hoje.

O que 2012 reserva para a economia mundial? Comecemos por examinar os combalidos países de alta renda. Há algum motivo para esperar recuperações saudáveis? Não exatamente. O desfecho na zona do euro poderá ser um desastre que se disseminará pelo mundo inteiro. Mesmo a recuperação dos Estados Unidos tende a ser frágil. A sombra lançada pelos fatos anteriores a 2007 se dissipa lentamente.

O consenso de dezembro entre as previsões é sombrio. As opiniões mais recentes sobre o possível crescimento neste ano estão muito abaixo dos prognósticos de um ano atrás. Isso é especialmente verdade no que se refere à zona do euro, cujas projeções apontam para um mergulho na recessão. As economias da Itália e da Espanha deverão sofrer contração, enquanto a da França e a da Alemanha produzirão um crescimento desprezível e o Reino Unido ficará na mesma situação. Apenas o Japão e os Estados Unidos deverão exibir algo que se aproxima de um crescimento econômico razoável este ano. No caso dos Estados Unidos, seu crescimento foi projetado em 2,1% em dezembro, superior ao 1,9% de novembro.

Ponhamos esse desempenho em contexto. No terceiro trimestre de 2011, o Canadá era o único membro do G-7 cujo PIB estava acima de seu pico do pré-crise. As economias dos Estados Unidos e Alemanha estavam ligeiramente acima de seus picos do pré-crise, enquanto a da França estava ligeiramente abaixo. Reino Unido, Japão e Itália estavam muito abaixo de seus picos do pré-crise. Recuperação? Que recuperação?

Mas a taxa de juros mais alta agora adotada pelos quatro bancos centrais mais importantes é a do Banco Central Europeu (BCE), de apenas 1%. As demonstrações de resultados desses bancos centrais também se expandiram drasticamente. Além disso, entre 2006 e 2013, a relação de dívida pública bruta sobre o PIB vai dar um salto de 56 pontos percentuais no Reino Unido, de 55 pontos no Japão, de 48 pontos nos EUA e de 33 pontos na França. Por que medidas tão drásticas apresentaram resultados tão modestos?

Sobre isso grassam discussões revestidas de uma boa dose de carga ideológica. O paradigma teórico dominante sustenta que uma crise financeira não pode acontecer e não deve preocupar, se de fato acontecer, pelo menos desde que não se permita que a base monetária em conceito amplo despenque. Segundo esse ponto de vista, as únicas coisas que atualmente sustentam as economias são os elementos de rigidez estrutural e as incertezas induzidas pela política econômica. Na minha opinião isso é uma história da carochinha baseada em teorias que reduzem o capitalismo a uma economia de escambo encoberta por um diáfano véu monetário.

Muito mais convincentes, para mim, são as opiniões que aceitam que as pessoas cometem erros relevantes. A grande divisão é entre aqueles - os austríacos - que sustentam que os erros são cometidos pelos governos, enquanto que a solução é deixar o distorcido edifício financeiro vir abaixo, e aqueles - os pós-keynesianos - que sustentam que uma economia moderna é intrinsecamente instável, enquanto que deixá-la vir abaixo nos levaria de volta à década de 1930. Faço parte, decididamente, deste último grupo.

Em sua obra-prima presciente de 1986, "Stabilizing an Unstable Economy" (""Estabilizando uma Economia Instável", editado no Brasil em 2010), o falecido Hyman Minsky formulou sua hipótese da instabilidade financeira. Janet Yellen, vice-presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), observou em 2009 que "com a turbulência reinante no universo financeiro, a obra de Minsky se tornou leitura obrigatória".

O que torna sua obra imprescindível é o fato de ela vincular as decisões de investimento, orientadas por um futuro intrinsecamente incerto, às demonstrações de resultados que as financiam e, portanto, ao sistema financeiro. Na opinião de Minsky, a alavancagem e, portanto, a fragilidade - são determinadas pelo ciclo econômico. Um longo período de tranquilidade eleva a fragilidade: as pessoas subestimam os perigos e superestimam as oportunidades. Minsky teria advertido de que a "grande moderação" contém os germes de sua própria destruição.

Os anos que antecederam 2007 assistiram a um extraordinário ciclo de crédito privado, notadamente nos Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, lastreado no aumento dos preços dos imóveis residenciais. O estouro dessas bolhas levou a uma explosão dos déficits públicos, em grande medida de forma automática, como previra Minsky. Esse foi um dos três mecanismos de política econômica que evitaram um mergulho numa grande depressão. Os outros foram as intervenções financeira e monetária. As economias ainda estão enfrentando dificuldades para chegar a um ajuste pós-colapso. Com as taxas de juros próximas a zero, os déficits públicos de soberanias idôneas para fins de crédito oferecem três formas de ajuda - exigir, desalavancar e elevar a qualidade dos ativos privados.

Em que medida a desalavancagem avançou? Nos Estados Unidos, avançou bastante. No terceiro trimestre de 2011, a relação da dívida bruta do setor financeiro sobre o PIB estava no nível registrado em 2001 e a relação dívida das famílias sobre o PIB estava no nível registrado em 2003. Além disso, observa o Goldman Sachs: "Acreditamos que o número de imóveis residenciais com obras iniciadas provavelmente já chegou ao seu nível mais baixo, enquanto os preços nominais desses imóveis deverão alcançar esse nível no decorrer de 2012." Os Estados Unidos estão agora preparados para a recuperação, embora limitada pelo prematuro aperto fiscal, pelo processo de desalavancagem em curso, pelos riscos por que passa a zona do euro e, talvez, pela alta dos preços do petróleo. A recuperação se sustentará sobre o que ainda é uma economia em desequilíbrio.

Mas a fragilidade da zona do euro é maior. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê a redução de 1,4% do PIB do déficit público estrutural da zona do euro entre 2011 e 2012, comparativamente à de apenas 0,2% prognosticada para o PIB nos Estados Unidos.

Mas o grande perigo para as economias mais fracas da zona do euro é que os setores público e privado tentarão cortar despesas simultaneamente. Essa é a receita certa para colapsos profundos e prolongados. As soberanias não idôneas para fins de crédito estão enredadas no esforço provavelmente fadado ao fracasso de fortalecer sua posição fiscal na ausência de um setor privado e de fatores de compensação externos adequados. Para esses países uma recessão da zona do euro como um todo será uma calamidade: ela impedirá que realizem o ajuste externo de que necessitam. Contra esse pano de fundo, a oferta do BCE de financiamento barato de três anos a bancos que poderão reemprestar para soberanias combalidas é pouco mais do que um paliativo - inteligente, mas inadequado.

Os países de alta renda vêm realizando uma série de experimentos fascinantes. Um foi com a desregulamentação do setor financeiro e com o crescimento puxado pelo mercado de imóveis residenciais. Fracassou. Outro foi com uma reação fortemente intervencionista à crise financeira de 2008. Funcionou, mais ou menos. Outro ainda é com a desalavancagem do pós-crise e uma volta a configurações fiscais e monetárias mais normais. Ainda não se chegou a uma conclusão sobre esse esforço. Na zona do euro, no entanto, essa mudança para a austeridade fiscal corre paralelamente a um experimento ainda maior: a construção de uma união monetária em torno de um núcleo estruturalmente mercantilista entre países dotados de solidariedade fiscal desprezível, sistemas bancários frágeis, economias pouco flexíveis e graus divergentes de competitividade. Boa sorte em 2012. Todos precisarão. 

Ano novo, velhos hábitos.


Roberto DaMatta, hoje no GLOBO e sua visão sobre o ano novo. 

Chega o Ano Novo, mas os nossos grandes problemas estão nos velhos hábitos situados naquela zona malandra centrada entre o estado (essa milionária máquina gerencial pública com suas regras opostas ao bom-senso) e a sociedade. Nós, os cidadãos comuns que não recebemos milionários auxílios-residência, não temos licença-prêmio ou atrasados a receber e nem fomos eleitos para algum cargo público com o propósito de usá-lo para virarmos nobres e, melhor que isso, ficarmos fora do alcance da lei. Nós, os comuns, não temos emprego - temos impostos e trabalho!

Entramos o Ano Novo com o Poder Judiciário em crise. Quem julga os juízes numa terra onde tudo tem lei, mas os "bandidos" (eis uma categoria cada vez mais ampla) continuam leves, livres e soltos? A Lei da Ficha Limpa foi adiada e bloqueada, o mensalão pode ser devidamente engavetado. Há, pasmem, uma lei da palmada! E o Poder Executivo faz sinal de faxina e chama falcatruas de malfeitos, enquanto a foto de Daniel, filhinho do senador ficha-suja Jader Barbalho - empossado com o ritual que aristocratiza os eleitos - fazendo o antigo sinal que nos chama de otários, é o melhor símbolo deste 2011 que findou.

Entrementes, o capitalismo vai mal. Mas a nossa economia cresce e ultrapassamos o Reino Unido. Aqui há clareza. Sabemos quem vai mal ou bem. O diabólico mercado pune os bandidos e dá um pontapé chapliniano na bunda dos hiperespeculadores. Quando não promove cadeia e uma nova consciência social nos Estados Unidos. Hoje, sabemos que o maior inimigo do capitalismo não é a classe operária, mas os gênios de Wall Street e do Silicon Valley que inventam bolhas de dinheiro fácil e superprogramas de comunicação enquanto seus usuários não têm nada pra dizer.

Mas, como compensação positiva, entramos o ano com uma intolerância maior para a bem estabelecida desigualdade dos poderosos (localizados no estado) e a igualdade devida a cada um de nós como cidadãos efetivamente republicanos. Desse aspecto, ninguém mais do que imprensa tem atuado com eficiência e equilíbrio. Pois é ela quem tem mostrado como é importante, numa sociedade igualitária, separar o que deve ter limites do mandonismo ilimitado.

Aqui, destaca-se a discussão implícita, mas em curso, do que é, de fato, servir ao governo. Não foram poucas as vezes que perguntamos aos responsáveis pela máquina pública se, afinal de contas, os mais "altos funcionários públicos" trabalham para si mesmos - como manda a ética do "corporativismo" brasileiro que, no fundo, é uma ação entre amigos com o consentimento legal do estado - ou se eles trabalham para o Brasil. Neste caso, é preciso tomar consciência que quando um sujeito vira ministro ele não tem mais vida privada quando se trata - obviamente - de consultorias e outros trabalhos que configuram conflito de interesse. Nesse ponto eu me pergunto se não precisamos de uma psicanálise coletiva.

Na entrada de um Ano Novo, vale uma pausa para pensar se vamos continuar assistindo à riqueza de todos ser desperdiçada ou seguir para o bolso de nossa aristocracia governamental e dos seus apaniguados. Esses "altos funcionários" que tudo sabem, tudo decidem e - aí está a chave no negócio - tomam um copo de vinho com quem comanda essa incrível máquina de produzir dinheiro sem aparentemente dar prejuízos a ninguém porque é um aparelho isento de responsabilidade. Máquina montada por uma elite escravista que realizou uma brutal internalização do seu espírito hierárquico e patrimonialista em todo o sistema. Esse espírito que até hoje nos isenta de culpa pelo que somos e pelo enorme descaso relativamente aos nossos próximos desiguais.

A igualdade cívica é um ideal. E, no entanto, a desigualdade é, no Brasil, não apenas um fato histórico capital, mas é também - apesar de alguns esforços - um valor. Temos altos funcionários e representantes do povo que são intocáveis. Suspenda-se por um momento a norma da hierarquia, instituindo uma corregedoria atuante em nível nacional, e temos uma crise no Judiciário que decorre da igualdade. Onde há igualdade, há conflito e, como consequência, ausência de bom-senso na sua resolução. O "engavetamento" e a "prescrição", esses gêmeos do nosso DNA legalístico forjado em Coimbra, conforme aprendi com José Murilo de Carvalho, são o modo (ou o "jeitinho") de mostrar quem fala mais alto.

Em 2011 voltamos a ser atrapalhados não apenas pela economia, onde perdas e danos sempre existem e são - eis o ponto - relativamente impessoais, mas pelo estado. Um estado que continua personalizado e aristocratizante, insensível à racionalidade num mundo claramente preocupado com a suficiência e com a sustentabilidade.

Registro, com um pesar indizível, a morte de Daniel Piza, que lia e admirava. Envio a todos os seus próximos um meu abraço solidário. Ninguém deve morrer aos 41 anos. Mas assim corre o mundo e agora cabe a cada um de nós honrar a sua busca, o seu amor aos livros, a sua inteligência e a sua honestidade.

Faroeste em Fortaleza: cidade fantasma.



A edição de dezembro da VIAGEM E TURISMO divulgou que Fortaleza é o destino de desejo número 1 do Brasil. Um estado que espera receber quase UM MILHÂO de turistas no período entre dezembro/2011 e fevereiro/2012, o que deve resultar numa renda de R$ 2,4 bilhões na cadeia de turismo, merece ter um Estado mais atento a determinadas demandas sociais.   

Ontem, lamentavelmente a cidade estava mais para um velho faroeste americano. Excelente a visão de Sinfrônio, hoje no Diário do Nordeste.  

Abaixo, matéria de capa na FOLHA DE S. PAULO de hoje, relatando a situação de medo em pleno verão turístico.  

Policiais militares e bombeiros do Ceará ignoraram a ordem da Justiça de voltar ao trabalho e cumpriram ontem o quinto dia de greve geral que deixou Fortaleza, em plena alta temporada turística, com ares de cidade fantasma.

Durante todo o dia, o medo tomou a capital cearense, apesar do reforço no policiamento feito por homens da Força Nacional de Segurança e do Exército desde a sexta.

No fim da noite, enquanto as negociações indicavam que a greve poderia acabar, os policias civis também decidiram parar.

Ontem, lojas em ruas de áreas nobres e do centro, incluindo o turístico Mercado Central, fecharam as portas.

Creches, escolas municipais e estaduais -em reposição de aulas após greve-, repartições municipais, postos de saúde, o Tribunal de Justiça e o fórum encerraram o expediente mais cedo.

Algumas agências da Caixa não abriram. Outras encurtaram em duas horas o horário de trabalho. Os Correios interromperam o serviço de entrega e os agentes de trânsito ameaçavam parar por falta de segurança.

A reação em cadeia foi provocada pelo temor de arrastões e assaltos que começaram a se alastrar -pelo boca a boca e pelas redes sociais- na noite de segunda-feira.

Ao meio-dia, as principais artérias e zonas comerciais estavam praticamente vazias.

Luiz Brito, 65, dono de uma loja no centro, resolveu fechar as portas às 9h. "Começou a gritaria: 'Lá vem o arrastão'. Fechei e esperei. Não sei se vou trabalhar amanhã [hoje], vamos ver as condições."

O Mercado Central, o principal centro de compras voltados para o turismo na capital de 2,5 milhões de habitantes, fechou, mas, segundo os próprios comerciantes, não houve registro de assaltos.

Jornais e rádios locais confirmavam o assalto de um supermercado no bairro de classe média do Montese, na noite de segunda, e de tentativas de assalto em zonas nobres, como Aldeota e Seis Bocas.

Com medo de tentativas de resgate de presos, policiais civis fecharam as delegacias e se recusaram a fazer boletins de ocorrência. Uma mulher atingida por um tiro de raspão na cabeça não pôde fazer o registro no 25º DP, segundo o inspetor Lourival Lima. "A delegacia estava fechada por receio da segurança", disse.

O clima de tensão também afetou a praia do Futuro, a principal da cidade, cheia na terça ensolarada de férias.

Pouco antes do meio-dia, garçons orientavam os clientes a encerrar contas e reproduziam rumores de arrastão.

Nos hotéis, a orientação aos turistas era sair pouco e não levar objetos de valor. Operadores do cinco estrelas Marina Park e do hotel Mareiro informaram que não registraram cancelamento de reservas.

Segundo o Comando da 10ª Região Militar do Exército, 813 militares e 204 homens da Força Nacional de Segurança auxiliavam na segurança do Estado ontem. Era prevista a chegada de mais de cem militares.

Em nota, o governo do Ceará disse que a segurança estava sendo "garantida" pelos reforços e que "muitos boatos" estavam sendo propagados. Não divulgou, porém, o número de crimes registrados desde o início da greve.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Por que incentivar o setor automotivo?



Ainda é assim no Brasil: leio na FOLHA que o presidente da montadora chinesa JAC no Brasil, Sérgio Habib, afirmou que sem incentivo como a redução do IPI, o setor automotivo não vai crescer em 2012, ou só vai crescer de 2% a 3%.

Minha racionalidade não acredita que isso seja verdade. Não seria o caso desse "poderoso" setor investir mais em tecnologia e inovação?

A real questão de Belo Monte: ter ou não ter.


Nivalde J. de Castro é professor da UFRJ e coordenador do Gesel - Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ. Guilherme de A. Dantas é doutorando do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e pesquisador-sênior do Gesel-UFRJ.André Luis da Silva Leite é professor da UFFS (Campus Chapecó) e pesquisador-sênior do Gesel-UFRJ. Escreveram este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO de hoje. 


As questões ambientais vêm preocupando a sociedade brasileira. Quando o Ministério das Minas e Energia (MME) toma a decisão de construir a 3ª maior usina hidrelétrica do mundo, Belo Monte, é natural o surgimento de críticas sobre sua viabilidade ambiental e econômica. Por se tratar de uma obra estratégica, que afetará o bem estar futuro de milhões de brasileiros, a discussão deve se pautar em análises técnicas, econômicas e jurídicas, evitando uma avaliação sem a necessária racionalidade. A análise deve partir de três premissas básicas: 1) o Brasil precisa de energia elétrica em volumes crescentes para sustentar seu crescimento; 2) qualquer nova usina elétrica impacta o meio ambiente; e 3) os recursos energéticos são escassos e nem todos são renováveis.

O Brasil é a 6ª maior economia do mundo e apresenta perspectivas macroeconômicas muito positivas. Nessa trajetória de crescimento, a sociedade quer melhorar os padrões sociais e econômicos e superar as graves desigualdades existentes. Para tanto, será preciso aumentar a produção industrial e a oferta de serviços, exigindo, obrigatoriamente, maior consumo e geração de energia elétrica.

O Brasil tem uma matriz elétrica com 87% de energias renováveis, enquanto que a média mundial é de 19%. Essa posição do Brasil está assentada em 956 usinas hidrelétricas construídas ao longo do século XX que geram energia limpa e sustentável. Manter a matriz elétrica renovável será, cada vez mais, um diferencial internacional competitivo, econômico e ambiental. É com esse objetivo que a política energética do MME vem priorizando o aproveitamento do 3º maior potencial hídrico do mundo, de 160 mil MW, abaixo somente da Rússia e da China. A construção de Belo Monte faz parte dessa estratégia de manter a matriz elétrica brasileira entre as mais sustentáveis e competitivas do planeta.

A crítica central à Belo Monte é quanto aos impactos ambientais e sociais, e que seria possível atender a demanda elétrica de 6 mil MW/ano somente com energia eólica, biomassa e solar, deixando de usar o imenso potencial hídrico.

Todas as grandes hidrelétricas em construção, como Santo Antônio, Jirau, Teles Pires e mesmo Belo Monte, estão respeitando a Constituição de 1988 e a legislação ambiental. Nem poderia ser diferente, porque o Brasil é hoje uma democracia consolidada: quem se sente prejudicado ou entende que algo fora da Lei está sendo construído, recorre à Justiça, que, nesses casos, tem julgado e dado o nihil obstat para essas obras. A legislação obriga que esses empreendimentos apliquem mais de 10% do custo total das obras em ações que mitiguem os impactos na flora, fauna e invistam nos sistemas de saúde, educação, saneamento etc., buscando melhorar a qualidade de vida das populações de índios, ribeirinhos e citadinos afetados pelas usinas. Com essas ações, a legislação busca manter o equilíbrio ecológico, melhorar a qualidade de vida das populações afetadas usando recursos das receitas da venda de energia elétrica e, ao mesmo tempo, garante o aumento da oferta de eletricidade que o Brasil precisa para o seu desenvolvimento. Trata-se de uma legislação inteligente e eficiente que não foi usada no passado por falta de consciência social ambiental.

Particularmente em um aspecto a legislação ambiental brasileira é muito rigorosa. Trata-se da área inundada pela represa da usina, por representar uma perda irreversível no uso do solo. A solução tem sido a construção das usinas de fio d"água, com reservatórios mínimos, onde a eletricidade é gerada pela força do fluxo e volume das águas. Como resultante, estão sendo construídas usinas no Brasil com a menor relação entre capacidade instalada e área alagada.

Sobre o uso de outras fontes de energia renovável, uma primeira questão é que a hidreletricidade é a fonte mais barata do mundo. As novas usinas em construção irão vender energia a R$ 80 por MW em contratos de 30 anos, garantindo às gerações futuras eletricidade barata, limpa e sustentável. Os países desenvolvidos usaram ao máximo seu potencial hídrico, como é o caso da França, tendo que recorrer à energia nuclear, fonte que responde por 80% da eletricidade total produzida naquele país, mas com custo bem superior à hidreletricidade e risco ambiental não desprezível como o acidente de Fukushima mostrou.

O MME adota política de exploração de fontes renováveis, buscando criar sinergia operacional, mas priorizando a fonte em que temos mais experiência, maior abundância e menor custo: a hidreletricidade. São realizados leilões de energia eólica, estimulando a competição, fazendo os preços caírem de R$ 270 para R$ 100 por MW. A biomassa do bagaço da cana de açúcar tem um potencial estimado de 17 mil MW para 2020, equivalente à Binacional Itaipu. Leilões têm sido realizados sendo contratadas a R$ 150 por MW. A energia solar é ainda muito cara por não ter uma rota tecnológica consolidada e escala produtiva para ser competitiva. Em breve, o custo da energia solar deve cair, como ocorreu com a energia eólica, quando então serão realizados leilões de energia solar no Brasil.

Para garantir a segurança do suprimento de eletricidade frente a períodos de hidrologia crítica, como já ocorrido no passado, é necessário investir, marginalmente, em usinas termelétricas. O Brasil conta com grandes reservas de gás natural do pré-sal. Além disso, o gás natural é o menos poluidor entre todas as fontes derivadas do petróleo. Dessa forma, não se trata de excluir fontes de energia da matriz elétrica, mas somar as fontes e buscar uma complementaridade mais eficiente do ponto de vista elétrico, ambiental e econômico.

Diferentemente do resto do mundo, o Brasil é totalmente autossuficiente em recursos energéticos. Toda a energia elétrica que consumimos hoje e precisaremos para as próximas décadas está dentro de nossas fronteiras. Temos completa e absoluta segurança energética. Nesse sentido, o setor elétrico brasileiro apresenta um cenário de desenvolvimento muito promissor, onde cada fonte, em especial a hidreletricidade, contribuirá de forma direta para o almejado desenvolvimento econômico e social brasileiro.

Os balanços e as promessas de 2012.


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras no VALOR ECONÔMICO. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. 

Iniciada no segundo semestre de 2007 e acelerada no infausto episódio da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, a crise não dá sinais de arrefecer. Alguns analistas, como Krugman, Roubini, Michel Aglietta, Martin Wolf e Cláudio Borio avançaram na compreensão do fenômeno ao buscar sua gênese nas transformações ocorridas nas relações indissociáveis entre a esfera monetário-financeira e a chamada "economia real".

No ciclo de expansão recente, combinaram-se métodos inovadores de "alavancagem" financeira, valorização imobiliária, a migração da produção manufatureira, a ampliação das desigualdades, insignificante evolução dos rendimentos da população assalariada e dependente e a degradação dos sistemas progressivos de tributação. A lenta evolução dos rendimentos acumpliciou-se à vertiginosa expansão do crédito para impulsionar o consumo das famílias. Amparado na "extração de valor" ensejada pela escalada dos preços dos imóveis, o gasto dos consumidores alcançou elevadas participações na formação da demanda final em quase todos os países das regiões desenvolvidas. Enquanto isso, as empresas dos países consumistas cuidavam de intensificar a estratégia de separar em territórios distintos a formação de nova capacidade e a captura dos resultados.

No período de euforia, as grandes empresas deslocaram sua manufatura para as regiões em que prevaleciam baixos salários, câmbio desvalorizado e alta produtividade. Americanos e europeus correram para a Ásia e os alemães, mesmo frugais, saltaram para os vizinhos do Leste. Dessas praças, exportaram manufaturas baratas para os países e as regiões de origem. Embalados pela expansão dos gastos das famílias, realizaram lucros e acumularam caixa (em geral nos paraísos fiscais) além de cavar alentados déficits em conta corrente na pátria-mãe.

A queda do investimento na formação da demanda agregada dos países centrais foi mais do que compensada pela aceleração desse componente do gasto nos emergentes asiáticos. O balanço global registra a criação generalizada de capacidade produtiva excedente, particularmente nos setores de alta e média tecnologia afetados pela concorrência internacional.

Imagino que alguns olhares ainda reconheçam nessas transformações os movimentos da economia capitalista ou da economia monetária da produção, como Keynes a qualificava. Nela imperam o avanço da divisão do trabalho entre grandes, médias e pequenas empresas privadas, a ampliação das relações de assalariamento em suas várias formas, a dominância da moeda bancária produzida e reproduzida pela generalização das operações de débito-crédito e o impulso à expansão ilimitada dos mercados.

Essa economia pode ser concebida como grande painel de balanços inter-relacionados. Observados em suas interrelações, os balanços dos bancos, empresas e famílias, governos e setor externo registram, em cada momento, os resultados das decisões de financiamento e de gasto tomadas privadamente por cada um dos participantes do jogo do mercado. As decisões privadas de gasto apoiadas no crédito - o pagamento de salários e as compras entre as empresas - criam o fluxo de renda agregada da economia e, ao mesmo tempo, modificam a situação patrimonial dos protagonistas.

Na fase ascendente do ciclo, o fluxo de lucros e a poupança das famílias e do governo cuidam de garantir o serviço e estabilidade do valor das dívidas e dos custos financeiros. As poupanças decorrentes do novo fluxo de renda constituem o funding do sistema bancário e do mercado de capitais. Estes últimos, em sua função de intermediários, promovem a validação do crédito e da liquidez (criação de moeda) "adiantados" originariamente para viabilizar os gastos de investimento e de consumo.

Quando os motores reverteram, acionados pela queda nos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros associados ao consumo, escancarou-se um estoque de endividamento "excessivo" das famílias, calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos e à derrocada do valor das residências. Afogadas nas sobras de capacidade à escala global, as empresas cortaram ainda mais os gastos de capital. Aliviadas da carga de ativos podres graças à ação dos bancos centrais, as instituições financeiras acumularam reservas excedentes, mas hesitam em emprestar até mesmo às suas congêneres. Entre a queda das receitas, a ampliação automática das despesas e o socorro aos bancos moribundos, os déficits fiscais aumentaram, engordando as carteiras dos bancos com a dívida dos governos. Já os desequilíbrios em conta corrente dos balanços de pagamentos não andam nem desandam.

Nos últimos três anos, as famílias com equity negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos ensaiam políticas de austeridade fiscal.

Tais decisões são "racionais" do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do "peso" das dívidas cujo "valor" está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ocupe a sala de aula?


Hoje, após ter lido na FOLHA o artigo do Bresser-Pereira em que cita um texto de Dani Rodrik   publicado anteriormente no VALOR, o comentário despertou a minha curiosidade e consegui obter o artigo do Rodrik conforme abaixo. E algumas verdades econômicas, diga-se de passagem.   

No início de novembro, um grupo de estudantes abandonou um conhecido curso de Harvard de introdução à economia, "Ciências Econômicas 10", lecionado por meu colega Greg Mankiw. A reclamação: o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social.

Os estudantes fazem parte do crescente coro de protestos contra as ciências econômicas modernas da forma como são ensinadas nas principais instituições acadêmicas do mundo. As ciências econômicas sempre tiveram seus críticos, é claro, mas a crise financeira e suas sequelas lhes deram nova munição, que parece validar as antigas acusações contra as suposições pouco realistas da profissão, assim como sua reificação dos mercados e desprezo pelas preocupações sociais.

Mankiw, por sua vez, achou que os estudantes que protestavam estavam "mal informados". As ciências econômicas não têm ideologia, retorquiu. Citou John Maynard Keynes e destacou que as ciências econômicas são um método que ajuda as pessoas a pensar mais claramente e a alcançar respostas corretas, sem conclusões políticas predeterminadas.

A ciência econômica que precisamos é a do tipo da "sala de seminário" e não a do tipo "geral". Precisamos das ciências econômicas que reconheçam suas limitações e saibam que a mensagem apropriada depende do contexto.

De fato, embora possa entender-se o ceticismo de quem não esteve imerso em anos de estudos avançados de economia, os trabalhos feitos pelos alunos em um curso típico de doutorado em economia produzem uma variedade desconcertante de receitas políticas, dependendo do contexto específico. Algumas das estruturas que os economistas usam para analisar o mundo favorecem o livre mercado, enquanto outras não. Na verdade, boa parte das análises econômicas são voltadas a compreender como a intervenção dos governos pode melhorar o desempenho econômico. E motivações não econômicas e comportamentos socialmente cooperativos são cada vez mais parte dos assuntos estudados por economistas.

Como o grande economista internacional Carlos Diaz-Alejandro, já falecido, disse certa vez, "atualmente, qualquer estudante universitário esperto, se escolher suas suposições [...] cuidadosamente, pode produzir um modelo consistente, recomendando praticamente quaisquer medidas políticas às quais ele fosse favorável inicialmente". E isso foi na década de 70! Um economista aprendiz não precisa mais ser particularmente esperto para produzir conclusões de políticas não ortodoxas.

Ainda assim, os economistas precisam aguentar acusações de que não saem das raias ideológicas, porque eles mesmos são seus piores inimigos no que se refere a aplicar suas teorias no mundo real. Em vez de comunicar todo o arsenal de perspectivas que sua disciplina oferece, eles mostram confiança excessiva em soluções em particular - frequentemente aquelas que melhor se encaixam em suas próprias ideologias.

Vejamos a crise financeira mundial. A macroeconomia e as finanças não carecem das ferramentas necessárias para entender como a crise surgiu e se desenrolou. De fato, a literatura acadêmica está repleta de modelos de bolhas financeiras, informações assimétricas, distorções dos incentivos, crises autorrealizáveis e risco sistêmico. Nos anos que levaram à crise, no entanto, muitos economistas menosprezaram as lições desses modelos em favor dos que tratavam sobre a eficiência e o poder de autocorreção dos mercados, o que, na esfera das políticas, resultou em supervisão inadequada dos mercados financeiros pelos governos.

Em meu livro "O Paradoxo da Globalização", imagino o seguinte experimento. Consiste em que um jornalista ligue a um professor de economia e pergunte se um acordo de livre comércio com o país X ou Y seria uma boa ideia. Podemos ter quase certeza de que o economista, assim como a ampla maioria das pessoas na profissão, se mostrará empolgado em seu apoio ao livre comércio.

Em outra situação, o repórter não se identifica e diz ser um estudante no seminário universitário avançado do professor sobre teoria do comércio internacional. Ele faz a mesma pergunta: O livre comércio é bom? Duvido que a resposta será tão rápida e sucinta. Na verdade, é provável que o professor se sinta bloqueado com a pergunta. "O que você quer dizer com 'bom'?", ele perguntará. "E 'bom' para quem?"

O professor, então, entrará em uma longa e cansativa exegese, que acabará culminando em uma declaração pesadamente evasiva: "Então, se a longa lista de condições que acabei de descrever for cumprida e supondo que podemos tributar os beneficiários para compensar os que saíram perdendo, um comércio mais livre tem o potencial para melhorar o bem-estar de todos." Se estivesse em dia inspirado, o professor poderia até acrescentar que o impacto do livre comércio no índice de crescimento da economia não seria claro e dependeria de um conjunto inteiramente diferente de requisitos.

A afirmação direta e incondicional sobre os benefícios do livre comércio agora foi transformada em uma declaração adornada com todos os tipos de "se" e "mas". Estranhamente, o conhecimento que o professor transmite de boa vontade e com grande orgulho a seus estudantes avançados é considerado impróprio (ou perigoso) para o público em geral.

O ensino das ciências econômicas no nível universitário sofre do mesmo problema. Em nosso empenho para mostrar as joias da coroa da profissão de forma imaculada - a eficiência do mercado, a mão invisível, a vantagem comparativa - nós pulamos as complicações e nuances do mundo real, tão conhecidas como são na disciplina. É como se os cursos de introdução à física presumissem um mundo sem gravidade, porque assim tudo ficaria muito mais simples.

Aplicadas apropriadamente, com uma dose saudável de senso comum, as ciências econômicas nos teriam preparado para a crise financeira e nos indicado a direção certa para consertar o que a causou. Mas a ciência econômica que precisamos é a do tipo da "sala de seminário" e não a do tipo "geral". Precisamos das ciências econômicas que reconheçam suas limitações e saibam que a mensagem apropriada depende do contexto.

Negligenciar a diversidade de orientações intelectuais dentro de sua disciplina não torna os economistas melhores analistas do mundo real. Nem os torna mais populares.

O poder dos economistas.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, especialmente na FOLHA DE S. PAULO de hoje. Publicado, apesar de divergir de alguns tópicos anotados pelo autor. Afinal, estamos em 2012 e este é um blog que busca publicar as diversas visões da Economia.  

Desde os anos 1970 os dirigentes das instituições financeiras e os economistas viram seu poder político crescer, mas o mundo também viu um imenso aumento da instabilidade financeira.

Enquanto financistas ganhavam milhões e milhões, o prestígio e o poder dos economistas aumentava. Enquanto estes, muitos transformados em financistas, aumentavam seus ganhos, as crises financeiras se multiplicavam, e a renda de cada país se concentrava nos 2% mais ricos.

Podemos buscar várias explicações para isso, mas creio que o fato histórico novo que teve papel determinante nessa mudança foi a decisão do presidente Nixon em 1971 de suspender a conversão do dólar em ouro ou, mais especificamente, a conversão das reservas em dólares dos outros países em ouro, se seus dirigentes o solicitassem.

A partir desse momento, o dinheiro perdeu referência com a economia real; a criação, o fluxo e a destruição de moeda passaram a ocorrer com grande facilidade; o endividamento do setor privado saiu de controle e, na falta de uma verdadeira âncora para a economia, as crises financeiras se tornaram, além de mais frequentes, também mais profundas.

O poder dos financistas e dos economistas aumentou porque eles passaram a ter um papel estratégico: seriam os gestores desse novo quadro monetário-financeiro -da "financeirização" da economia mundial. Mas, passados 40 anos, verificamos que fracassaram.

Os financistas, porque se preocuparam apenas em ganhar mais dinheiro para eles e para os rentistas. Os economistas, porque construíram uma teoria matemática -a teoria econômica neoclássica- que "demonstrava" que os mercados eram autorregulados, de forma que não havia por que gerir as economias nacionais e a economia mundial. Os dois, porque, ao desregularem os mercados financeiros, estavam "desgerindo" a economia.

Dani Rodrik informou em artigo recente (publicado no "Valor", 19.dez.2011) que um grupo de estudantes abandonou o curso de seu colega na Harvard University Greg Mankiw, protestando contra o fato de que "o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social".

Os alunos foram benignos com a teoria econômica ortodoxa: deviam ter acrescentado que ajuda também a aumentar a instabilidade financeira e causar baixo crescimento.

Rodrik defendeu o colega, argumentando com o seu "paradoxo da globalização": que nos cursos os economistas neoclássicos ensinam uma teoria econômica sofisticada, onde as falhas de mercado são devidamente salientadas, mas, na hora de proporem políticas, adotam um liberalismo econômico simplista. Ele está enganado.

Essa teoria econômica matemática que se ensina nas grandes universidades, baseada nos pressupostos do "homo economicus" e das expectativas racionais e no modelo do equilíbrio geral é essencialmente falsa, porque usa o método hipotético-dedutivo e porque adota como critério de verdade a coerência lógica, não a conformidade com a realidade.

Mas não é uma teoria falsa por engano; o é por arrogância matemática que lhes dá monopólio sobre o saber e porque interessa aos economistas ensinar que os sistemas econômicos são autorregulados, bastando para isso corrigir suas pequenas falhas.

Dessa forma eles usam a teoria econômica neoclássica para justificar "cientificamente" o neoliberalismo -uma ideologia reacionária que durante 30 anos (1979-2008) promoveu o atraso e a desigualdade em todos os países que a aceitaram. E, ao mesmo tempo, dizem aos cidadãos desses países que fiquem calados, já que não dominam o "conhecimento" matemático e preciso.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Dilma, ano 1.


Adequado editorial da FOLHA DE S. PAULO neste 1º dia de 2012. 

A administração se saiu bem em vários aspectos, mas falta arrojo para desatar nós que emperram a economia e elevar o padrão da educação.

Sucessora de um presidente que fez bom governo e deixou o cargo sob consagração popular, era natural que Dilma Rousseff pautasse sua estreia pela continuidade. Devia o cargo à indicação de Lula, de quem herdou até mesmo boa parte do ministério.

Um ano depois da posse, porém, é considerável o saldo de mudanças acumuladas. Prevalecendo-se da esmagadora maioria no Congresso (a oposição perfaz apenas 17,5% da Câmara) e da imensa soma de poderes à disposição do cargo, a presidente firmou autoridade própria.

Emancipou-se da sombra do antecessor, que tampouco pretendeu tutelá-la, assim como já repelira, em fins de seu segundo mandato, a tentação autoritária de aventurar-se por um terceiro. Alterações na conjuntura facilitaram essa transição.

O governo adotou uma política econômica mais restritiva no primeiro semestre, a fim de conter o surto inflacionário estimulado pela gastança de 2010, quando o país crescera 7,5%. O gasto público deve ter aumentado 3,5% em 2011, contra quase 9% no ano anterior.

Teve a agilidade de corrigir aquela política em meados do ano, passando a reduzir juros quando uma nova crise dentro da crise que afeta as nações desenvolvidas desde 2008, concentrada na Europa, já freava a economia mundial. O Brasil deve crescer cerca de 3% no ano que terminou ontem, ritmo razoável na conjuntura.

Fazenda e Banco Central atuam de forma mais harmônica que no passado, e a diretriz geral do governo se mostra mais pragmática e flexível, admitindo-se inflação de até 6,5%, estimada para 2011, em nome de manter taxas de crescimento compatíveis com as necessidades do país.

Uma saraivada de denúncias e indícios de conduta irregular derrubou seis dos sete ministros substituídos neste ano, num desenrolar que teve por inesperada consequência favorecer a presidente. Ao contrário do antecessor, Dilma Rousseff mostrou-se pouco complacente em face de "malfeitos" -conforme o eufemismo que celebrizou- atribuídos a auxiliares, os quais não teve problemas para dispensar, até porque pertenciam ao pesado legado alheio.

Embora deixasse intocada a origem do problema -partidos e oligarcas aliados do poder que desde sempre usam a máquina pública como fonte de vantagens e recursos-, a presidente granjeou fama de faxineira severa. Os escândalos deram moral ao Planalto para enquadrar uma base de apoio tão ampla quanto voraz.

Do ângulo administrativo, houve avanços num setor crítico, o dos gargalos na infraestrutura. Alguns dos principais aeroportos devem ser enfim concedidos à iniciativa privada, numa orientação a ser imitada noutras áreas carentes de investimento, como portos, ferrovias e rodovias. A construção das duas grandes usinas no rio Madeira segue em bom ritmo, e Belo Monte, no rio Xingu, outra obra necessária, deverá deslanchar.

No âmbito congressual, o governo prorrogou até 2015 a licença para dispor de 20% das receitas, obteve a flexibilização da Lei das Licitações e aprovou a regulamentação da emenda constitucional número 29, que dificulta a manipulação dos gastos estaduais destinados à saúde. Ameaças de rebelião parlamentar se esvaíram perante uma presidente apoiada por 48% da população e munida dos poderes de um mandato ainda fresco.

Um legítimo processo de negociação deverá redundar numa reforma do Código Florestal aceitável por ambientalistas e produtores. Entendimento semelhante permitiu a constituição da chamada Comissão da Verdade, com poderes para esclarecer o que resta elucidar sobre o confronto entre ditadura e guerrilha, especialmente nos anos críticos entre 1968 e 1974.

Em relação à política externa, uma discreta correção de rumos, aparentemente devida à deliberação presidencial, merece endosso. Aplica-se uma orientação mais universal no que se refere a direitos humanos e democracia, sem a seletividade oportunista que marcou a diplomacia do presidente Lula, além de expressa em linguagem menos estridente.

Se a administração se saiu bem nesses aspectos, decepcionou em outros.

Apesar da contenção tópica nas despesas correntes, nenhuma reforma estrutural nos grandes agregados do Orçamento, como dispêndios com previdência e funcionalismo, foi nem sequer esboçada. Somente com poupança pública será viável baixar o patamar de juros, incrementar o investimento e eventualmente reduzir a onerosa carga tributária.

O governo permanece atado ao manejo do cotidiano, tendência agravada pela inclinação centralizadora e detalhista da presidente. Seu comportamento pessoal sóbrio, parcimonioso nas manifestações, exigente com auxiliares e correligionários, não compensa a falta de planejamento de mais envergadura. Desatar os nós que ainda emperram o empreendimento econômico e elevar os padrões de educação pública, dois objetivos estratégicos, demandam muito mais arrojo do que sua gestão parece capaz.

Até março a presidente deve realizar reforma na equipe de governo, apta a conferir fisionomia própria à administração. Seria um sinal auspicioso caso convocasse nomes merecedores de respeito pela expressão e capacidade, reduzindo drasticamente o excessivo número de pastas e o demasiado peso da política fisiológica no governo.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...