segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Humanidade sustentável.


Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, na Columbia University. Ele é também assessor especial do secretário-geral da ONU para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Escreveu neste artigo especialmente para o Valor Econômico uma aula sobre sustentabilidade.


Desenvolvimento sustentável significa atingir um crescimento econômico que seja amplamente compartilhado e que proteja os recursos vitais do planeta. Nossa economia mundial atual não é sustentável - mais de um bilhão de pessoas deixadas para trás pelo progresso econômico e o ambiente terrestre sofrendo danos resultantes da atividade humana. Um desenvolvimento sustentável exige a mobilização de novas tecnologias norteadas pelo compartilhamento de valores sociais.


O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou que o desenvolvimento sustentável está no topo da agenda mundial. Adentramos um período perigoso, em que uma população enorme e crescente, associada a com rápido crescimento econômico, agora ameaça produzir um impacto catastrófico no clima da Terra, na biodiversidade e no suprimento de água potável. Antropoceno é como os cientistas denominam esse novo período - em que os seres humanos tornaram-se os principais causadores de mutações físicas e biológicas na Terra.


O Painel de Sustentabilidade Mundial (PSM) do secretário-geral da ONU publicou um novo relatório que delineia um referencial para o desenvolvimento sustentável. O PSM corretamente observa que o desenvolvimento sustentável tem três vertentes: erradicar a pobreza extrema, garantir que a prosperidade seja compartilhada por todos, - mulheres, jovens e minorias -, e proteger o meio ambiente natural. Esses objetivos podem ser denominados pilares econômico, social e ambiental do desenvolvimento sustentável.


O PSM exortou os líderes mundiais a adotarem um novo conjunto de Metas de Desenvolvimento Sustentável (MDS) que ajudarão a moldar as políticas e ações mundiais após 2015, ano alvo das Metas de Desenvolvimento do Milénio (MDM). Considerando que o foco das Metas do Milênio é reduzir a pobreza extrema, as MDS deverão contrar-se nos três pilares do desenvolvimento sustentável: erradicar a pobreza extrema, compartilhar os benefícios do desenvolvimento econômico entre toda a sociedade e proteger a Terra.


Uma coisa, é claro, é definir as metas sustentáveis e outra alcançá-las. O problema pode ser percebido examinando um desafio crucial: as mudanças climáticas. Hoje, há sete bilhões de pessoas no planeta, e cada uma é responsável, em média, pela liberação um pouco superior a quatro toneladas de dióxido de carbono na atmosfera por ano. Esse CO2 é emitido quando queimamos carvão, petróleo e gás para produzir eletricidade, conduzir carros ou aquecer nossas casas. Ao todo, os seres humanos lançam cerca de 30 bilhões de toneladas de CO2 por ano na atmosfera, o suficiente para mudar acentuadamente o clima em poucas décadas.


Em 2050, provavelmente haverá mais de nove bilhões de pessoas na Terra. Se essas pessoas forem mais ricas do que as pessoas atualmente são (e, portanto, consumirem mais energia), o total mundial de emissões poderá dobrar ou mesmo triplicar. Esse é o grande dilema: precisamos emitir menos CO2, mas estamos, mundialmente, a caminho de poluir muito mais.


Precisamos nos preocupar com esse cenário porque a permanência em um caminho de crescentes emissões em escala mundial produzirá, certamente, estragos e sofrimento para bilhões de pessoas que serão atingidas por ondas de secas e calor, furacões e muito mais. Já experimentamos o início desse sofrimento nos últimos anos, com uma série de fomes devastadoras, inundações e outros desastres relacionados ao clima.


Então, como poderão as pessoas no mundo - especialmente os pobres - beneficiar-se de mais eletricidade e mais acesso a transportes modernos, mas de uma forma que salve o planeta em vez de destruí-lo? A verdade é que não poderão - a menos que melhoremos as tecnologias que usamos.


Precisamos usar energia com muito mais sabedoria, e ao mesmo tempo precisamos abandonar os combustíveis fósseis e adotar fontes de energia que emitem pouco carbono. Essas melhorias são possíveis e economicamente realistas.


Considere, por exemplo, a ineficiência energética de um automóvel. Nós atualmente movimentamos uma máquina que pesa entre 1 mil e 2 mil quilos para transportar uma ou duas pessoas, cada um pesando talvez 75 quilos. E fazemos isso usando um motor a combustão interna que aproveita apenas uma pequena parte da energia liberada pela queima da gasolina. A maior parte da energia é perdida na forma de calor.


Poderíamos, portanto, conseguir uma grande redução nas emissões de CO2 por meio da adoção de veículos pequenos e leves dotados de motores elétricos de alta eficiência alimentados por baterias carregadas a partir de uma fonte de energia de baixo carbono, como a energia solar. Ainda melhor: adotar veículos elétricos, em vez de continuar usando os atuais, nos permitiria aproveitar os mais avançados recursos de tecnologia da informação para tornar tais veículos inteligentes - suficientemente inteligentes para até mesmo possibilitar que se movimentem sozinhos usando sistemas avançados de processamento de dados e de posicionamento.


Os benefícios das tecnologias de informação e de comunicação podem ser observados em todas as áreas da atividade humana: melhor agricultura utilizando GPS e microdosagem de fertilizantes; fabricação de precisão; edifícios que sabem como consumir menos energia, e, claro, o poder transformador da internet. Recursos de banda larga móvel já estão conectando até mesmo as aldeias mais distantes na zona rural da África e da Índia, reduzindo assim significativamente a necessidade de viagens.


Movimentações bancárias são agora feitas por telefone, assim como uma diversidade crescente de diagnósticos médicos. Livros eletrônicos são transmitidos diretamente para dispositivos portáteis sem necessidade de livrarias, deslocamentos pessoais ou da celulose e do papel nos livros físicos. A educação também baseia-se cada vez mais na internet e em breve permitirá que alunos em toda parte recebam educação de primeira qualidade a um custo marginal quase zero para a inclusão de mais um aluno.


No entanto, para migrar de onde estamos até o desenvolvimento sustentável não dependerá apenas de tecnologia. Isso envolverá também incentivos de mercado, regras governamentais e apoio público à pesquisa e desenvolvimento. Mas ainda mais fundamental do que políticas de governança será o desafio dos valores. Precisamos compreender nosso destino comum e abraçar o desenvolvimento sustentável como um compromisso comum de decência para todos os seres humanos, hoje e no futuro.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A privatização volta à agenda.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, hoje na FOLHA DE S. PAULO. 

O governo federal poderá agora enfrentar com maior eficiência os desafios para o setor de infraestrutura.

Não posso deixar de comentar na coluna de hoje a privatização de três grandes aeroportos brasileiros, realizada nesta semana. Tive a sensação desse compromisso com o leitor quando me sentei diante do computador. Mas fiquei em dúvida sobre por onde começar minhas reflexões.

A tentação de escolher, como linha central desta coluna, a cobrança de coerência por parte do PT -por ter demonizado, por mais de uma década, esse instrumento de parceria entre setor público e privado- foi muito grande a princípio.

Eu teria toda a legitimidade para fazê-lo, pois durante muitos anos sofri com acusações gratuitas por ter sido o executor -como presidente do BNDES- de um grande número de privatizações de empresas estatais no governo FHC.

Mas abandonei esse caminho, por ter certeza de que o cidadão fará essa cobrança, de forma natural e autônoma, e não precisa ser lembrado por mim de tudo o que aconteceu.

Um segundo caminho seria o de usar minha experiência nas privatizações, como a da Vale e, principalmente, a das 12 subsidiárias da Telebrás, para analisar os detalhes mais importantes do leilão.

Poderia discutir a questão do incrível ágio pago pelos consórcios, ou a participação dos fundos de pensão de empresas estatais em um único consórcio -no caso da privatização da Telebrás, para aumentar a concorrência, eles participaram em consórcios diferentes.

Outro ponto que chamou a atenção da mídia, a participação da Infraero no capital das empresas que vão gerir os aeroportos, e que foi apresentado como uma grande mudança em relação aos padrões anteriores poderia também ser por mim comentado.

Mas também decidi não trilhar esse caminho. Para mim, essas questões ficam menores diante do ganho para a sociedade brasileira que foi a volta das privatizações à agenda de governo, como instrumento legítimo de ação na modernização e na ampliação da infraestrutura do país.

Durante mais de 16 anos, o PT e seus aliados de esquerda demonizaram a associação entre setor público e setor privado para a exploração de serviços públicos.

Todas as ações nesse sentido sempre foram catalogadas como contrárias aos interesses da sociedade. Com esse discurso, convenceram grandes parcelas da opinião pública de que havia um lado "demoníaco" nas privatizações e, certamente, atrasaram a experiência brasileira na direção da integração entre setor público e privado.

Um dos exemplos mais claros desse custo é o período de mais de oito anos em que não evoluímos -como sociedade- na busca da melhor relação entre as agências reguladoras e os concessionários de serviços públicos.

O modelo de privatizações desenvolvido no Brasil -e já testado de forma consistente- parte de uma leitura realista dos objetivos e responsabilidades do setor privado e do setor público em uma sociedade como a nossa.

O setor público, apesar das limitações conhecidas na sua eficiência operacional por questões legais e políticas, tem legitimidade para defender os direitos do cidadão na sua relação com os concessionários de serviços públicos.

Já as empresas concessionárias trazem para essa parceria sua agilidade e racionalidade operacional que a busca pela maximização de seus lucros gera na condução de seus negócios, mas, nessa forma de agir, não necessariamente levam em consideração os interesses e direitos de todos os consumidores de seus serviços.

A parceria definida no Brasil, entre Estado e concessionária, via agências reguladoras -embora com defeitos e riscos-, chegou a um equilíbrio bastante eficiente entre esses objetivos muitas vezes conflitantes.

Com a volta desse instrumento de ação pública, o governo federal poderá agora enfrentar com maior eficiência e chances de êxito os enormes desafios que os próximos anos trarão para o setor de infraestrutura.

Mais aeroportos, estradas federais como a Rio-Vitória, terminais portuários e outros projetos estão esperando para seguir o caminho aberto nesta semana.

Papai chegou!


Moisés Naím, hoje na FOLHA DE S. PAULO e uma análise irônica da situação internacional. 

Uma vez no poder, os populistas precisam manipular os recursos do Estado a seu bel-prazer
Papá -Papai- é Hipólito Mejía, e ele quer ser presidente da República Dominicana. "Papai chegou" é seu slogan de campanha. E sua promessa aos eleitores é que Papai lhes dará o que eles não têm e nunca tiveram. As eleições são em maio, e Mejía, que já foi presidente (2000-2004), tem a possibilidade de ser reeleito, apesar de, durante seu mandato, o país ter sofrido uma das piores crises econômicas. Nada disso interessa muito ao resto do mundo. Mas a campanha de Mejía e seu slogan refletem tendências mundiais.

*O populismo. Buscar votos com presentes e prometer coisas que sabem que não poderão cumprir são práticas antigas. Uma vez no poder, os populistas precisam manipular os recursos do Estado a seu bel-prazer e por isso não toleram freios nem contrapesos e depreciam legisladores, juízes, imprensa e opositores. Vale notar que, apesar de o populismo florescer nos países pobres, também se dá bem em democracias avançadas. Exemplo: o discurso de Sarah Palin ou dos pré-candidatos republicanos dos EUA. Os casos recentes da Hungria, da África do Sul e da Tailândia exemplificam o quão global esse fenômeno se tornou.

*O machismo. Hipólito Mejía é "Papá" e Silvio Berlusconi era "Papi", e suas sessões de bunga-bunga já são legendárias. Vladimir Putin cultiva a imagem do macho alfa, que, apesar dos protestos contra ele, está disposto a salvar o país nas eleições de 4 de março. As fotos de Putin como caçador de ursos, judoca, motociclista, piloto de caça ou com o peito nu já foram mais exibidas que a múmia de Lênin.

Hugo Chávez não fica atrás.

Uma vez disse que "faltava homem" para Condoleezza Rice e pediu que um de seus ministros se oferecesse para "fazer um favor" a ela.

*A reeleição. O poder vicia, e a democracia é um antídoto para evitar que os governantes se eternizem. Mesmo assim, alguns presidentes democraticamente eleitos se dispõem a tudo para não perder o poder. A paixão pela reeleição de Nicolas Sarkozy e Vladimir Putin é universal. Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa modificaram as regras para poder continuar no poder. Na Europa, na África e na Ásia há cada vez mais exemplos disso.

* Reelegendo os maus. Daniel Ortega acaba de ser eleito pela terceira vez, mesmo que, para consegui-lo, não tenha hesitado em violar a Constituição. Em sua posse, Ortega foi apadrinhado por Hugo Chávez e pelo iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Nos três casos, as estatísticas dos organismos internacionais mostram que, durante seus mandatos, seus países regrediram. E os três foram reeleitos. Berlusconi também. De novo, não é um fenômeno latino-americano.

* Mamãe chegou! Uma mulher pode frustrar os planos de Mejía, que liderava as pesquisas. Isso até a atual primeira-dama, Margarita Cedeño, decidir lançar-se como candidata à vice-presidência. Agora Danilo Medina, candidato do governo e rival de Mejía, passou ao primeiro lugar, graças ao fato de que 25% dos que dizem que vão votar nele afirmarem que o farão "por Margarita". E essa é outra tendência mundial: há cada vez mais mulheres no poder. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

II Encontro Nacional dos Blogueiros de Economia.



Está chegando a hora para o mundo blogueiro de Economia.
Vamos participar?

A ficha de inscrição se encontra disponível no site:


Alexandre Schwartsman no VALOR.


Hoje, no VALOR ECONÔMICO, a análise sempre inteligente de Alexandre Schwartsman.

A política fiscal brasileira tem sido mais expansionista do que sugere o resultado primário das contas públicas (que não inclui gastos com juros), levando o Banco Central a superestimar o seu papel para segurar a demanda, avalia o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, sócio diretor da Schwartsman & Associados. Num cálculo que exclui as receitas obtidas pelo pagamento de dividendos e de concessões, o superávit primário de 2011 ficou em 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo do número oficial de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Ainda que tenha sido um desempenho melhor que o superávit de 1,1% do PIB de 2009 e de 2010 (também na série ajustada), os 2,5% do PIB ficaram consideravelmente abaixo dos 3,2% do PIB registrados entre 2003 e 2008, diz Schwartsman.

Além disso, afirma ele, uma mesma economia para pagar juros obtida com aumento de receitas e despesas é mais expansionista do que se for alcançada com arrecadação e despesas menores. Em 2012, os gastos devem crescer ainda mais, dado o impacto do aumento do salário mínimo sobre despesas previdenciárias e assistenciais e a decisão do governo de aumentar os investimentos.

"Em resumo, a política fiscal é mais expansionista do que costumava ser, mas isso não é capturado de modo correto pelo BC", diz Schwartsman. Para ele, os modelos da autoridade monetária continuam a se basear nos números não ajustados de superávit primário para medir a política fiscal, superestimando fortemente a contribuição da política fiscal para segurar a demanda. "O BC continua a tratar queijo parmesão como se fosse salada, mas a inflação não vai ser enganada por esse subterfúgio."

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O BC e as expectativas de inflação.


Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus), hoje no VALOR ECONÔMICO.   

O regime de metas de inflação sofreu alguns arranhões na sua credibilidade desde 2010. Para explicar isso, convém olhar as duas tabelas que acompanham este texto. A tabela I mostra o que aconteceu a cada ano t, com: a) a expectativa de inflação dos Top 5 de médio prazo (as instituições com melhor índice de acerto para o médio prazo, na pesquisa Focus), feita no começo de janeiro do ano anterior; b) a expectativa da mediana de mercado para o próprio ano; e c) a inflação de fato observada no final do ano.

A tabela I sugere, primeiro, que até 2007 o mercado trabalhava com o cenário de que o governo, dando continuidade à política de combate à inflação reafirmada no início do governo Lula e mantida, até então, com excelentes resultados, promoveria reduções posteriores da própria meta de inflação a partir de 2009, a ponto de o mercado acreditar na época que a inflação de 2008 seria inferior à meta daquele ano (no começo de 2007, o mercado achava que a inflação de 2008 seria 3,5 %!). E, segundo, que desvios da inflação acima da meta eram vistos como temporários.

Isso começou a mudar durante 2010. Até o começo daquele ano, com meta de 4,5%, não se duvidava que o governo voltaria a alcançar a meta, mesmo que não no ano, pelo menos no ano seguinte. Já a tabela I indica que, em 2011, pela primeira vez, não apenas duvidou-se que a inflação estaria na meta naquele ano, como desde o começo do ano os Top 5 de médio prazo já sinalizavam que sequer a meta de 2012 seria alcançada.

A rigor, não haveria problemas se o BC explicasse por A + B que por alguma razão a meta no ano não seria cumprida, mas que no futuro a trajetória convergiria para 4,5%. Quando no começo de cada ano se insiste que a meta será alcançada e depois isso não ocorre, porém, os efeitos cumulativos sobre a capacidade de inspirar confiança são óbvios. Observe-se na tabela II que a comparação da inflação prevista para 2011 entre o cenário de mercado do Relatório Trimestral do BC e a previsão dos Top 5 (de médio prazo em 2010 e de curto prazo em 2011) mostra uma subestimação sistemática da inflação futura por parte do BC que vinha se arrastando desde 2010.

O fato é que tivemos inflação distante da meta por dois anos consecutivos em 2010 e 2011 e com expectativas descoladas da meta em 2011 e 2012. O nosso BC é muito melhor que o de nossos vizinhos heterodoxos e é difícil fazer política monetária em um mundo conturbado como o atual. Os fatos de 2011 sugerem, de qualquer forma, que a comunicação institucional do BC deve ser aprimorada. Ao mesmo tempo, a repetição de alguns desses problemas recomenda que o horizonte de referência da meta seja explicitamente estendido para um período de 24 meses à frente.

Faz mais sentido o BC agir a cada reunião para tentar que 24 meses depois a inflação esteja na meta - dando tempo para um ajustamento suave a eventuais choques - do que ficar repetindo em janeiro promessas que em dezembro acabam se frustrando. Comunicação é o nome do jogo. A propósito: a expectativa de inflação da mediana dos Top 5 de médio prazo para o ano que vem (2013) está subindo e já está em 5,3%. Os Top 5 podem errar? Sim, mas nos últimos tempos acertaram bastante. O BC deveria prestar atenção nos sinais que eles estão emitindo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Ásia do sucesso à crise de 1997.


Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.Em 2001 foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Hoje, no VALOR ECONÔMICO.

Leio na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns severamente críticos, a respeito de politicas industriais, de comércio exterior e de competitividade, sobretudo as que envolvem a promoção de "campeões nacionais". Os alvos das críticas são as medidas brasileiras de proteção à industria nacional e de estímulo à restruturação empresarial.

Entendi conveniente recorrer a um artigo que escrevi para a revista Praga em maio de 1998. Dizia então, que, ao investigar a razões do desenvolvimento asiático, os autores mais inclinados à análise histórica e institucional concentraram sua atenção nas seguintes questões: 1) a natureza e relevância das políticas industriais (e de constituição de grandes grupos nacionais), sempre amparadas no direcionamento do crédito e nas taxas de câmbio reais "competitivas"; 2) a importância dos acordos implícitos e das relações de "cooperação" e "reciprocidade" entre o Estado e grupos privados; 3) o papel da estabilidade macroeconômica, sempre buscada mediante a prudente gestão monetária e fiscal, característica dos países da região; 4) a forma da inserção internacional.
Os estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados nacionais, os sistemas empresariais e a "inserção internacional". Procuraram chamar a atenção para a especificidade da "organização capitalista" em que prevaleceram: 1) nexos "cooperativos" e de reciprocidade nas relações capital-trabalho; 2) negociações entre os grandes conglomerados e seus fornecedores; 3) íntima articulação entre os bancos e a grande empresa nacional e 4) "administração estratégica" do comércio exterior e do investimento estrangeiro.

Na visão dessa corrente teórica, tal arquitetura institucional não só assegurou excepcionais taxas de investimento e de acumulação de capital, como também ensejou programas de "graduação" tecnológica. Esse arranjo garantiu, assim, expressivos ganhos de produtividade e, consequentemente, consolidou a posição competitiva dos grandes grupos nacionais (sim, os "campeões", senhoras e senhores) diante dos rivais e concorrentes no mercado internacional.

A partir das reformas do final dos anos 70 do século passado, a China irrompeu no cenário asiático com uma receita um tanto modificada. O novo protagonista apoiou-se na combinação entre uma novidade, ou seja, a atração de investimentos diretos estrangeiros e, uma tradição, isto é, a forte intervenção do Estado na finança e no comércio exterior, com o propósito de sustentar uma agressiva estratégia exportadora e de crescimento acelerado. A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.

Não é difícil perceber que as estratégias chinesas de expansão acelerada, impulso exportador, rápida incorporação do progresso técnico e forte coordenação do Estado, foram inspiradas no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e competidores.

Os sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram relativamente "primitivos" e especializados no abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores "escolhidos" como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação da dívida.

Nos final dos anos 80, intensificaram-se as pressões externas para a liberalização cambial e financeira, o que levou às concessões que deflagraram a crise de 1997/1998. À exceção da China, os asiáticos, particularmente Coreia e Tailândia, aceitaram os termos da "desopressão" financeira: 1) a eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade dos agentes domésticos realizarem transações em moeda estrangeira que não decorriam de operações em conta corrente; 2) a liberação das taxas de juros, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados e 3) a desregulamentação bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar as atividades para além do financiamento das empresas produtivas.

A internacionalização financeira, em vez da maior eficiência na alocação de recursos, levou, isto sim, à valorização cambial, à especulação com ativos reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao sobreendividamento e, finalmente, à parada súbita e à fuga de capitais.

Depois da queda, os governos dos países asiáticos retomaram, em boa medida, o controle das políticas estratégicas. O governo coreano, por exemplo, resistiu às pressões estrangeiras para vender ou desmanchar os grandes conglomerados. Para justificar suas exigências os sabichões da mídia e do establishment americano falavam, então, de "crony capitalism", capitalismo de compadres. A expressão foi, mais tarde, tomada de empréstimo pelos críticos para caracterizar as relações incestuosas entre a política e a Grande Finança nos Estados Unidos. Um dos raros empréstimos seguros na farra do subprime.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Romney não está preocupado.


Paul Krugman, no The New York Times, aqui publicado pela FOLHA. 

Se você é norte-americano e está enfrentando um período de dificuldades, Mitt Romney tem uma mensagem a lhe transmitir: ele não se incomoda com o seu sofrimento.

No começo da semana, Romney declarou a um entrevistador da rede de notícias CNN que "não estou preocupado com os muito pobres. Temos uma rede de segurança para atendê-los". O entrevistador não conseguiu ocultar seu espanto.

Diante das críticas que a declaração causou, o candidato alegou que não tinha querido dizer o que pareceu ter dito, e que suas palavras haviam sido tiradas do contexto. Mas era evidente que ele quis dizer o que disse. E quanto mais você considerar o contexto da declaração, pior a situação fica para ele.

Primeiro, alguns dias antes Romney negou que os programas de assistência aos pobres que ele posteriormente mencionaria como motivo para não se preocupar estivessem ajudando de maneira significativa.

Em 22 de janeiro, ele declarou que os programas de rede de segurança --sim, foram suas palavras liberais-- tem "imensos custos fixos" e que, devido ao custo de uma imensa burocracia, "parte relativamente pequena do dinheiro necessário àqueles que realmente precisam de ajuda, aqueles que não têm como cuidar de si mesmos, chega realmente a eles".

A alegação, como boa parte do que Romney diz, é completamente falsa.

Os programas norte-americanos de assistência aos pobres não têm burocracia ou custos fixos excessivos, ao contrário, por exemplo, das companhias privadas de seguros.

Como documentou o Centro de Prioridades Orçamentárias e Políticas, de 90% a 99% do dinheiro destinado aos programas de rede de segurança chegam realmente aos beneficiários.

Mas, mesmo desconsiderada a desonestidade de sua alegação inicial, como pode um candidato primeiro declarar que os programas de rede social não ajudam e depois, dez dias mais tarde, dizer que eles cuidam tão bem dos pobres que não há motivo para preocupação quanto ao bem-estar destes?

Além disso, se considerarmos essa imensa mancada quanto ao funcionamento real dos programas de rede de segurança, como poderíamos confiar na declaração de Romney de que consertaria a rede de segurança caso ela precisasse de reparos, depois que ele afirmou não estar preocupado com a situação dos mais pobres?

A verdade quanto a isso é que a rede de segurança precisa de reparos.

Ela oferece grande ajuda aos pobres, mas ainda assim não o suficiente.

O programa federal de saúde Medicaid, por exemplo, oferece tratamentos essenciais a milhões de cidadãos desafortunados, especialmente crianças, mas muita gente passa sem assistência.

Entre os norte-americanos cuja renda anual fica abaixo dos US$ 25 mil, mais de um quarto --28,7%-- não contam com qualquer forma de seguro-saúde. E não, eles não podem compensar essa falta de cobertura recorrendo aos prontos-socorros.

Da mesma maneira, os programas de assistência alimentar ajudam muito, mas um em cada seis dos norte-americanos que vivem abaixo do limiar da pobreza sofre de "baixa segurança alimentar".

A definição para essa condição é a de que "o consumo de alimentos é reduzido em determinados períodos do ano porque os domicílios não dispõem de dinheiro ou outros recursos para comprar comida". Em outras palavras, essas pessoas passam fome.

Por isso, precisamos reforçar nossa rede de segurança. Mas Romney deseja, na realidade, enfraquecê-la ainda mais.

Especificamente, o candidato apoia o plano do deputado Paul Ryan para cortes drásticos nos gastos federais, e dois terços desses cortes aconteceriam em detrimento dos norte-americanos de baixa renda.

E, se Romney diferenciou sua postura da adotada por Ryan, foi no sentido de cortes ainda mais severos na assistência aos pobres: sua proposta para o Medicaid parece envolver redução de 40% nas verbas, ante a distribuição atual.

Assim, a posição de Romney parece ser a de que não precisamos nos preocupar com os pobres graças a programas que ele insiste, falsamente, não ajudarem os necessitados, e que de qualquer modo ele pretende destruir.

Ainda assim, acredito em Romney quando ele se declarara despreocupado quanto aos pobres.

O que não acredito é quando ele se declara igualmente despreocupado quanto aos ricos, que estão "se saindo bem", segundo ele. Afinal, se ele acredita realmente nisso, por que propõe lhes dar ainda mais dinheiro?

E estamos falando sobre muito dinheiro. De acordo com o Centro de Política Tributária, uma organização apartidária, o plano tributário de Romney na prática elevaria os impostos de muitos norte-americanos de renda mais baixa e reduziria acentuadamente os impostos dos mais ricos.

Mais de 80% da redução de impostos beneficiaria pessoas que ganham mais de US$ 200 mil ao ano; e cerca de metade se destinaria àqueles que ganham mais de US$ 1 milhão ao ano.

O benefício tributário médio para os membros do clube do milhão seria uma redução de US$ 145 mil em seus impostos anuais.

E essas grandes isenções criariam um enorme rombo no orçamento, elevando o deficit em US$ 180 bilhões ao ano --o que tornaria necessários os severos cortes nos programas de rede de segurança.

O que nos conduz de volta à despreocupação de Romney. Podemos afirmar, sobre o ex-governador de Massachusetts e presidente da Bain Capital, que ele está desbravando fronteiras na política norte-americana.

Até mesmo os políticos conservadores costumavam considerar necessário fingir preocupação com os pobres. Vocês se lembram do "conservadorismo compassivo"? Romney, porém, deixou de lado esse fingimento.

Se as coisas continuarem assim, logo teremos políticos que admitem aquilo que parece óbvio há muito tempo: eles tampouco se preocupam com a classe média, e não estão e nunca estiveram preocupados com a vida dos norte-americanos comuns.

Economia e Política em 2012.


Na Época deste semana o cientista político Alberto Carlos Almeida cita artigo publicado no http://www.nber.org/public_html/confer/2008/si2008/IASE/alston.pdf, onde fica bastante claro que a maior arma contra a corrupção é a existência de instituições que efetivamente a combatam.
Nesse caso, a Economia ajuda a melhorar o que sai da classe política. Em um ano eleitoral, que o tema seja realmente discutido em todos os horários, nobres ou não.      

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

É o câmbio, é o câmbio...


Antonio Delfim Netto, ontem no Valor Econômico. 

Há algumas semanas tive a oportunidade de afirmar nesta coluna que muitos economistas altamente qualificados manifestaram, no início dos anos 90 do século passado, dúvidas a respeito da possibilidade de uma moeda única poder funcionar na Comunidade Econômica Europeia.

Na antevéspera do lançamento do euro, 150 dos mais renomados e bem apetrechados economistas alemães assinaram um "manifesto" em que condenavam a precipitação de instituir o euro sem antes ter construído uma "área monetária ótima", acompanhada de uma forte coordenação das políticas fiscais entre os países e a construção de um Banco Central autônomo, que pudesse, de fato, exercer a sua função de "emprestador de última instância" nos momentos de crise. Essas, seguramente, pela própria natureza da economia de mercado, viriam a existir. Recebi um e-mail de um gentil leitor perguntando se poderia dar exemplos além dos economistas alemães.

Vou tentar atendê-lo revelando as opiniões de dois brilhantes monetaristas que em 1963 publicaram uma das obras-primas da literatura econômica do século XX, Milton Friedman e Anna Schwartz ("A Monetary History of the United States: 1867-1960"). Em entrevistas independentes, dadas, respectivamente, em junho de 1992 e setembro de 1993 para a magnífica revista do Federal Reserve Bank of Minneapolis, eles falaram sobre o assunto.

À pergunta (junho de 1992): "Qual é a sua opinião sobre o projeto de uma moeda única na eurolândia?", Friedman respondeu: "Não creio que funcione na minha geração. Talvez na sua, mas não tenho qualquer certeza"... e acrescentou: "Seria altamente desejável que a Europa tivesse uma única moeda, da mesma forma que temos nos EUA. Mas para tê-la você precisa de uma área onde as pessoas e os bens movam-se livremente e na qual exista suficiente homogeneidade de interesses, para que não haja estresse político criado pelo desenvolvimento desigual das diferentes partes da área. Para ilustrar. Temos hoje (1992) uma região dos EUA ("Northeast in general"), em grave dificuldade. Se ela fosse um país separado dos EUA, com outra língua e com um suposto governo nacional próprio, seria fortemente tentada a realizar uma desvalorização cambial, o que não pode fazer... Além do mais, a eurolândia deveria ter um verdadeiro Banco Central com toda autoridade, o que implica fechar a Banque de France, a Banca d"Italia e o Deutsche Bundesbank... Os planos pretendem isso, mas é claro que entre pretender e fazer há uma imensa distância"...

No mesmo diapasão, temos Anna Schwartz. À pergunta (setembro de 1993) "Tem a história alguma lição a dar aos planejadores da união monetária da Europa?", ela respondeu: "Os planejadores da União Europeia deveriam estudar com muito cuidado as razões pelas quais o "gold standard"-, anterior à Primeira Guerra Mundial, foi um regime bem-sucedido; por que a Conferência Econômica de Gênova, de 1922, e a Conferência Econômica de Londres, de 1933, falharam; por que o "gold standard" entre as duas guerras entrou em colapso; por que o acordo de Bretton Woods não sobreviveu à inflação dos EUA; por que o Exchange Rates Mechanism (firmado ente os países europeus para coordenar suas taxas de câmbio) está nas "cordas" desde 1992. A lição do passado é que um regime monetário só é bem-sucedido quando países com os mesmos objetivos sofrem os mesmos choques. Os países-membros devem estar dispostos a ceder sua soberania a uma autoridade monetária transnacional. Num mundo de incertezas e choques não antecipados, os países têm prioridades nacionais, que não podem prescindir do uso de políticas monetárias domésticas e, portanto, resistem a assumir compromisso com um único objetivo: a estabilidade dos preços". E termina afirmando que "a história dos regimes monetários internacionais sugere que a união monetária europeia é a non starter"!

Vemos que Friedman e Schwartz (com alguma teoria e muita história) colocam o dedo na real dificuldade do euro: o desequilíbrio das taxas de câmbio nominalmente fixadas na moeda única, mas "virtualmente" flutuantes dentro da zona do euro, pelo dinamismo diferente da economia de cada um de seus membros.
Esse problema só desaparece quando temos uma federação de fato, como é o caso dos EUA, do Brasil e da Alemanha, onde um poder central redistribui para as regiões, que têm um déficit "virtual" em contas correntes, parte dos recursos tributários recolhidos nas outras, sem que aquelas tenham de reduzir seu crescimento ou endividar-se.

Nada disso é novidade. Aliás, foram as dificuldades cambiais dentro do "gold standard" que levaram à tentativa de mimetizar uma desvalorização cambial sem, de fato realizá-la. Um exemplo é o esquema primitivo de Keynes nos anos 30: uma tarifa "ad-valorem" sobre todas as importações e o uso dos seus recursos para subsidiar as exportações, que recebeu o nome de "desvalorização fiscal".

Quem tiver disposição para ver os "progressos" dessa ideia usando o modelo novo keynesiano de Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico (DSGE), não deve perder o artigo "Fiscal Devaluation", (NBER - Working Paper 17.662, de dezembro/ 2011), onde outros instrumentos para tentar realizá-la (aumento de impostos indiretos e redução das contribuições sociais) são sugeridos. Fé, coragem e bom apetite!

Desenvolvimento.


O Professor Antonio Delfim Netto, hoje na FOLHA DE S. PAULO.  

Desde Adam Smith, os economistas têm se dedicado a encontrar a fórmula que revelaria a condição "suficiente" para a realização do desenvolvimento econômico. Após o término da Segunda Guerra Mundial, o progresso tem sido lento e, de fato, ainda não sabemos se a fórmula existe e se seria de aplicação universal.

Mesmo com o aperfeiçoamento das estatísticas, a construção de infindáveis modelos -muita matemática e econometria (às vezes com uma pitada de história)-, depois de dois séculos e meio na busca do graal cuidadosamente escondido (ou talvez apenas sonhado!), temos resultados práticos pífios.

Talvez tenhamos encontrado algumas condições "necessárias", mas não muito mais do que Adam Smith já conhecia...

Trata-se do mais importante problema a ser esclarecido pela economia. Afinal, por que na longa caminhada desde o neolítico até a segunda metade do século 18 a produção per capita cresceu num ritmo extremamente baixo? Talvez uma armadilha malthusiana. E por que sofreu uma rápida transformação depois de 1750?

Porque, a partir daí, pelo menos uma economia, a britânica, foi capaz de capturar a energia dispersa em seu território (água, madeira e carvão), auto-organizar-se com instituições convenientes e dissipá-la na produção de itens e serviços consumidos por uma população crescente.

Há alguns anos, Gregory Clark ("A Farewell to Alms", 2007) propôs uma interessante hipótese que continua gerando uma enorme literatura. A causa eficiente do desenvolvimento da Inglaterra teria sido a emergência de uma classe média, com seus valores de prudência, poupança e disposição para o trabalho.

Clark reduz o foco do desenvolvimento da "qualidade das instituições" ou, pelo menos, sugere que diferentes "instituições" podem produzir o desenvolvimento econômico.

A hipótese de Clark é compatível com a pesquisa de Acemoglu et. Al (2005) quando afirma que os ganhos do comércio exterior apropriados pelas classes médias da Holanda e da Inglaterra foram a causa eficiente do seu desenvolvimento. A contraprova desse fato foi a estagnação de Portugal e Espanha, onde os mesmos efeitos foram apropriados por uma pequena elite.

Infelizmente, não existe (e provavelmente nunca existirá) a receita que nos diga qual é a condição "suficiente" para garantir o desenvolvimento econômico.

Mas existem, sim, condições "necessárias" observadas na história e racionalizadas na economia, sem as quais ele não prosperará.

Para o Brasil, é muito bom saber que uma forte classe média é uma delas. 

A "Copomização" do debate do sistema bancário.


Roberto Luis Troster, consultor e doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban e da ABBC e professor da USP, Mackenzie e PUC-SP. Hoje no Valor Econômico. 

Dois temas dominam o mês de fevereiro: Carnaval e o lucro dos bancos. O primeiro é uma unanimidade e o outro uma polêmica que se acirra a cada ano que passa. Com a publicação dos balanços anuais, os resultados líquidos, superiores a R$ 60 bilhões em 2011, de um lado serão defendidos como consequência de uma gestão primorosa e de investimentos responsáveis e, de outro, atacados e classificados como exagerados e indecentes. É um debate de surdos.

A questão subjacente é a legitimidade dos lucros, que é a visão heterogênea que o público tem deles e está baseada em aspectos legais, éticos, concorrenciais e culturais, sendo o ponto chave se sua contribuição para a sociedade é compatível com as recompensas a seus acionistas e gestores. Um paralelo pode ser feito com a indústria do fumo, que gera empregos, impostos e divisas, mas, por outro lado, tem um custo social elevado por conta de seus efeitos danosos na saúde pública. A intermediação de recursos no Brasil é abrangente e sólida. Todavia, a oferta de crédito apresenta níveis de instabilidade e ineficiência incompatíveis com a sofisticação dos bancos.

As oscilações nos juros cobrados e nos volumes ofertados são elevadas. Em 2011, observaram-se taxas médias de crédito que variaram mais de 20% e a composição entre linhas de recursos apresentou diferenças de composição altas. A ineficiência no Brasil, medida pelas diferença entre taxas de captação e aplicação, em alguns casos, superou os 300%. De acordo com levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial (Davos), é a segunda pior do mundo, só o Zimbábue tem margens de crédito maiores que as tupiniquins.

As consequências são palpáveis. A inadimplência, mesmo com o recorde de desemprego baixo, é mais que o dobro da média mundial. A demanda de crédito está diminuindo, apesar dos avanços da bancarização. Ilustrando o ponto, pesquisa do IPEA mostra que o número de famílias sem nenhuma dívida aumentou e alcança a 56%; a mesma sondagem relatou que 36% das endividadas não teria como saldar suas obrigações. Levantamento do Sebrae apontou que 71% de pequenas e médias empresas não buscaram empréstimos bancários. É uma situação incompatível com a capacidade do sistema financeiro nacional em emprestar e melhorar o potencial de pessoas, de corporações e do país.

No governo Lula, houve alguns acertos pontuais como o crédito consignado e uma expansão considerável, mas também retrocessos como as margens da conta garantida e as do cheque especial, que aumentaram 30% e quase 20%, respectivamente. Em 2011, manteve-se a tendência e continuaram deteriorando-se com altas de 8% e 14%, respectivamente. Apesar da sofisticação, a relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB) é parecida com a da Bolívia, e, se as projeções estiverem corretas, só alcançará o mesmo nível do Chile, que tem um sistema financeiro menos sofisticado que o brasileiro, em mais de uma década. Os números de expansão do crédito, recentes e projetados, mostram recursos direcionados crescendo ao dobro da taxa real dos livres, gerando inquietações com relação ao futuro.

Nos debates sobre os lucros, é comum responsabilizar a cobiça dos bancos como causa das dificuldades. Mas os banqueiros brasileiros não são mais gananciosos que os de outros países e/ou dos demais empresários. A mesma tem influência em algumas situações muito específicas, mas não é o que explica a falta de legitimidade dos lucros dos bancos. Supondo que todos eles decidissem reduzir as tarifas e taxas bancárias cobradas em 15%, zerariam seus lucros, mas não resolveriam o imbróglio. Ficariam sem recursos para investir e o sistema continuaria a ser ineficiente, com as segundas taxas de juros mais altas do planeta, instabilidade na oferta de recursos e uma expansão de financiamentos distorcida.

A origem dos problemas é outra: está na "Copomização" do debate bancário, que está focado nas reuniões do Copom que determinam a Selic (uma taxa interbancária de um dia). As decisões são tomadas em um processo em grande estilo com comunicados, atas e relatórios que detalham seus fundamentos, boletins com as expectativas do mercado, modelos econométricos que dão suporte, encontros regulares com economistas, uma equipe qualificada que analisa minuciosamente todos os fatores que influenciam e acompanhado extensivamente pela imprensa. É uma taxa importante que deve baixar. Todavia, não é a única, nem é o que mais atrapalha o desenvolvimento do país. O ponto é a pouca atenção dada às demais, que são administradas com medidas - leia-se improvisos, mais retalhos na colcha que é o quadro institucional financeiro.

As distorções no tratamento da questão dos juros são gritantes. Enquanto a taxa Selic, centro das atenções, aumentou 0,25% em 2011 e foi manchete em cada alteração, a de crédito pessoal (excluído o consignado) se elevou 11,40% (quarenta e cinco vezes mais!), e não foi notícia. Há taxas médias para pessoa jurídica que são mais de dez vezes maiores que a Selic. Para pessoa física, mais de 15 e há também financiamentos para o tomador final que estão a mais de trinta. Não há diferença material relevante para esses tomadores de financiamentos se a Selic está a 9% ou 12%. Mesmo assim, a oferta de crédito continua sendo administrado com medidas, culpando-se os banqueiros e dando-se o foco das atenções ao Copom, "Copomizando" ainda mais o debate.

Falta ao país uma política bancária que trate do custo do crédito, da cunha tributária, da transparência, da proteção ao consumidor bancário, do direcionamento de recursos, do desempenho dos bancos públicos, da estabilidade da oferta, dos compulsórios, do processo de precificação, da concorrência, do financiamento de longo prazo, do microcrédito, da bancarização, do uso da tecnologia, do ônus regulatório, dos financiamentos de longo prazo, do papel de bancos menores, da liquidez, dos custos de observância, enfim, de todos os demais fatores e da taxa Selic. O setor não pode ficar refém do vaivém das circunstâncias, o momento pede uma modernização institucional.

Uma intermediação financeira eficiente e estável interessa ao país. O crédito é a ponte entre o presente e o futuro e necessita de uma política consistente que alinhe interesses privados com sociais, que proporcione mais lucros e mais legítimos para os bancos e mais desenvolvimento para o país. Não são objetivos incompatíveis, pelo contrário. É possível, há uma janela de oportunidade e o governo quer fazer acontecer. Cumpra-se!

Europa respira por aparelhos.


Martin Wolf, do Financial Times, hoje no Valor Econômico. 

As autoridades econômicas estão mais otimistas do que há dois meses. O principal motivo é a crença de que o Banco Central Europeu (BCE), sob a inteligente liderança de Mario Draghi, acabou com o risco de implosão financeira da região do euro. Como destacou Mark Carney, o respeitado presidente do Banco do Canadá e sucessor de Draghi no Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), no Fórum Econômico Mundial, em Davos: "Não haverá um evento no estilo do Lehman na Europa. Isso é importante."

Os prêmios dos swaps de crédito, contratos de derivativos para proteção contra calotes, dos bancos italianos e espanhóis caíram desde o lançamento das operações de refinanciamento de longo prazo de três anos do BCE, em dezembro. Também diminuiu a diferença entre o rendimento dos bônus alemães e o dos títulos de dívidas de alguns países mais vulneráveis.
Se isso significa que a crise da região do euro acabou? Absolutamente, não. O BCE salvou a região do euro de um ataque cardíaco. Seus membros, no entanto, deparam-se com uma longa convalescência pela frente, agravada pela insistência de que a inanição fiscal é o remédio certo para pacientes fragilizados.

A revisão para baixo das previsões de crescimento, na semana passada, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra os riscos. O FMI agora projeta recessão na região do euro neste ano, com declínio de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB) total. A previsão é de declínios acentuados no PIB da Itália e Espanha, com estagnação na França e Alemanha. Trata-se de um cenário terrível para países que procuram reduzir os déficits fiscais. As estimativas para outros países de alta renda estão longe de ser satisfatórias, mas a região do euro é a região mais perigosa da economia mundial: é apenas lá que vemos governos importantes - Itália e Espanha - ameaçados por uma perda de capacidade creditícia.

Como Donald Tsang, executivo-chefe de Hong Kong, ressaltou em Davos: "Nunca estive tão assustado como estou agora". Observadores mais atentos têm noção de que há pouco a separá-los de uma onda de inadimplência de bancos e governos dentro da região do euro, cujas repercussões mundiais seriam medonhas.

O BCE conseguiu diminuir o risco de um colapso imediato no setor bancário, mas o que os observadores bem informados desejam ver são sistemas de proteção contra a possibilidade de que, por exemplo, o desmoronamento da Grécia, incluindo sua saída da região do euro, provoque pânico em relação às perspectivas de países muito mais importantes. Em discurso corajoso em Berlim, na semana passada, Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, assumiu esse desejo como uma de suas três tarefas, juntamente com a aceleração do crescimento e a maior integração.

O que esses observadores querem ver é um compromisso de que os países vulneráveis da região do euro ganharão o tempo e o tratamento necessários para se recuperar. Naturalmente, também querem ver um comprometimento de recursos por parte da região do euro que deixe clara a determinação de seus países em assegurar esse resultado. Por que, verdadeiramente, deveríamos esperar que um país relativamente pobre como a China contribua para resgatar uma região do euro que mostrou pouca vontade ou capacidade de curar a si mesma?

Infelizmente, o problema não é apenas de vontade. É de falta de um diagnóstico correto. Esse é um problema que o BCE não pode corrigir. A Alemanha, como país credor, opõe-se a uma "união de transferências" e insiste que a disciplina fiscal é tudo. Está certa quanto ao primeiro ponto e errada quanto ao segundo.

Um processo de longo prazo de transferência de recursos para membros não competitivos seria um desastre, enfraquecendo os receptores e falindo os fornecedores. Mas a indisciplina fiscal não é tudo. Assim como não foi a causa dominante do colapso - que foi a concessão relaxada de empréstimos para captadores privados imprudentes -, a disciplina fiscal não é a cura.

Além disso, se o setor privado estiver com superávit estrutural financeiro para reduzir suas dívidas, as autoridades monetárias podem eliminar déficits fiscais estruturais se e somente se o país tiver um superávit estrutural em conta corrente. A Alemanha deveria entender isso porque é precisamente isso que está fazendo. Os países atingidos por crises financeiras quase sempre têm grandes superávits financeiros estruturais do setor privado. Para que esses países, de fato, eliminem os déficits fiscais estruturais, também precisarão ter superávits estruturais em conta corrente, assim como a Alemanha. No entanto, todos os países não podem ter esses superávits ao mesmo tempo, a não ser que a região do euro os tenha como um todo.

É impossível que países isoladamente sejam curados sem mudanças de contrapartida em outros lugares. Como disse Lagarde, em Berlim, "recorrer a cortes orçamentários generalizados, por todo o continente, apenas aumentará as pressões recessivas". O aperto fiscal deve ser seletivo. Ainda mais importante, o sinal de que o processo de ajuste está funcionando - tornando, portanto, desnecessárias as transferências fiscais de longo prazo que a Alemanha acertadamente detesta - seria uma demanda elevada no núcleo da região do euro, com a inflação bem acima da média do bloco, uma imagem invertida do que se via antes da crise.

O tom mais forte de otimismo em relação à região do euro que ouvi em Davos baseia-se no fato de que uma ruptura da união monetária traria resultados calamitosos. Pessoas desesperadas, no entanto, são capazes de atos desesperados. Os países-membros agora precisam do tempo necessário e da oportunidade para se ajustarem. Sistemas fortes de proteção dariam o tempo necessário, mas apenas mudanças na competitividade proporcionariam a oportunidade. Sem nenhum dos dois, a crise certamente vai voltar.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...