domingo, 28 de novembro de 2021

Gustavo Franco: O Orçamento público e a democracia.

Gustavo Franco*, O Estado de S.Paulo

28 de novembro de 2021 | 04h00

O Orçamento é o coração da democracia. 

Na verdade, pensando bem, acho que é o estômago, ou o fígado.

É onde desejos e possibilidades se encontram, e onde se decide a diferença entre eles, que passa a se chamar “dívida pública”, a fórmula universal de tributação dos ausentes, nossos filhos e netos. 

O Orçamento é onde se fabricam as linguiças, de que falava o chanceler Otto Bismark a propósito do Legislativo¹.

Democracias adultas possuem processos orçamentários maduros, nos quais os senhores parlamentares, e seus respectivos partidos, discutem prioridades nacionais e competem por recursos escassos de forma transparente. 

Nas democracias adolescentes os políticos não competem por recursos escassos, pois preferem colaborar para negar a existência de escassez de recursos fiscais e, de preferência, no escurinho. É o nosso negacionismo fiscal, doença tropical em crônica mutação, driblando vários tipos de tratamento.

O orçamento deveria ser o locus do combate ao negacionismo e do debate sobre “de-onde-vem” e “para-onde-vai” o dinheiro público.

É razoável que os senhores parlamentares, e os partidos, queiram elevar sua influência sobre o Orçamento, que costumava vir pronto do Executivo, e é compreensível que o façam de um jeito meio paroquial. É assim em qualquer parlamento do mundo, todos os eleitos sempre prometem trazer dinheiro para suas comunidades. 

Há muitos vícios no nosso processo orçamentário, mas temos preferido deixar o assunto de lado para concentrar energias em outros grandes subtemas da política fiscal: as reformas previdenciária, administrativa e tributária e, mais recentemente, o teto de gastos. 

Em retrospecto, talvez tenha sido um grande erro assumir que o orçamento era apenas um rito, uma espécie de plano de contas que não tinha importância maior, em si.

O orçamento público é o ponto de contato entre a cidadania e os Poderes que mandam no dinheiro público. É como se fosse um farol iluminando a intervenção do Estado no domínio econômico, ou o funcionamento da fábrica de linguiças.

Havendo clareza sobre “de-onde-vem” e “para-onde-vai” o dinheiro público, o debate sobre as reformas de teor fiscal teria ficado, talvez, muito mais fácil e transparente. A conversa obre a economia teria ficado mais adulta. 

1 - Há muitas versões, uma delas é dorme-se melhor quando não se sabe como se fazem linguiças e política (Franco & Giambiagi, Antologia da Maldade (Rio, Editora Zahar, 2015, p.43)

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS 


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Ata do Comitê de Política Monetária - Copom 242ª Reunião - 26-27 outubro, 2021.

https://www.bcb.gov.br/publicacoes/atascopom

A) Atualização da conjuntura econômica e do cenário básico do Copom1

1. No cenário externo, o ambiente tem se tornado menos favorável, refletindo a persistência do processo inflacionário e a consequente reação dos bancos centrais. O próximo ano deve ser caracterizado por menor crescimento, com a reversão dos impulsos fiscais e avanço nos processos de normalização da política monetária. Para as economias emergentes, essa combinação implica um cenário mais desafiador.

2. Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentemente divulgados da produção industrial e do comércio apresentaram resultados negativos e abaixo do esperado. Por outro lado, os segmentos do setor de serviços mais atingidos pela pandemia continuam em trajetória de recuperação robusta. O Comitê manteve a expectativa de uma retomada da atividade no segundo semestre, ainda que menos intensa e mais concentrada no setor de serviços. Essa reavaliação reflete o impacto das limitações na oferta de insumos em determinadas cadeias produtivas, que devem perdurar até o próximo ano.

3. Para 2022, se por um lado a elevação dos prêmios de risco e o aperto das condições financeiras atuam desestimulando a atividade econômica, por outro, o Copom avalia que o crescimento tende a ser beneficiado por três fatores: a continuação da recuperação do mercado de trabalho e do setor de serviços; o desempenho de setores menos ligados ao ciclo de negócios, como agropecuária e indústria extrativa; e os resquícios do processo de normalização da economia conforme a crise sanitária arrefece.

4. A inflação ao consumidor segue elevada e tem se mostrado mais persistente que o antecipado. A alta dos preços está mais disseminada e abrange também componentes mais associados à inflação subjacente. A alta nos preços dos bens industriais ainda não arrefeceu e deve persistir no curto prazo, enquanto a inflação de serviços acelerou, refletindo a gradual normalização da atividade no setor, dinâmica que já era esperada. Além desses desenvolvimentos, desde a última reunião houve alta substancial dos preços internacionais de commodities energéticas, cujo impacto inflacionário é amplificado pela depreciação do real, sendo essa combinação o fator preponderante para a elevação das projeções de inflação do Comitê tanto para 2021 quanto para 2022.

5. As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2021, 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 9,0%, 4,4% e 3,3%, respectivamente.

6. No cenário básico, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de USD/BRL 5,602, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 9,5% para 2021, 4,1% para 2022 e 3,1% para 2023. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 8,75% a.a. neste ano e para 9,75% a.a. durante 2022, terminando o ano em 9,50% a.a., e reduz-se para 7,00% a.a. em 2023. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 17,1% para 2021, 5,2% para 2022 e 5,1% para 2023. Adota-se a hipótese de bandeiras tarifárias “escassez hídrica” em dezembro de 2021 e “vermelha patamar 2” em dezembro de 2022 e dezembro de 2023.

B) Riscos em torno do cenário básico para a inflação

7. O cenário básico do Copom para a inflação envolve fatores de risco em ambas as direções.

8. Por um lado, uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento recente nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo do cenário básico.

9. Por outro lado, novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país.

10. Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário básico.

C) Discussão sobre a condução da política monetária

11. As contas públicas têm tido desempenho melhor do que o esperado. Supondo a manutenção dos marcos fiscais vigentes, em particular o controle do crescimento dos gastos, as projeções do Copom preveem trajetória cadente da dívida pública como fração do produto. No entanto, surgiram, entre as reuniões do Comitê, questionamentos relevantes em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual, resultando em elevação dos prêmios de risco. Esses questionamentos também elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas.

12. O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para o crescimento sustentável da economia. Esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

13. O Copom passou à discussão da implementação da política monetária, considerando não somente o cenário básico como também o balanço de riscos para a inflação. De acordo com o cenário básico, que utiliza a trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e o câmbio seguindo a paridade do poder de compra, as projeções de inflação estão acima da meta para 2022 e ao redor da meta para 2023. O Comitê ponderou que a assimetria no balanço de riscos, resultante dos desenvolvimentos no cenário fiscal, implica elevação do risco altista para as projeções do seu cenário básico, e avalia que esse viés de alta é agora maior do que o anteriormente considerado. Como consequência, o Comitê concluiu que o grau apropriado de aperto monetário é significativamente mais contracionista do que o utilizado no cenário básico.

14. Diante desse resultado, o Copom avaliou o ritmo apropriado de elevação dos juros. Para tal, analisou a convergência da inflação para as metas utilizando simulações com diferentes trajetórias de política monetária, sob diferentes cenários alternativos. O Comitê observou que, neste período do ano, choques nos preços das commodities em reais já têm efeito direto na inflação de 2022, elevando a volatilidade dessas projeções. Apesar disso, o Comitê entende que um processo de desancorarem de expectativas pode gerar elevados custos econômicos de longo prazo, motivando o Copom a escolher uma trajetória de elevação de juros compatível com a convergência da inflação para a meta ainda em 2022.

15. O Comitê avaliou, inclusive, cenários com ritmos de ajuste maiores do que 1,50 ponto percentual. Prevaleceu, no entanto, a visão de que trajetórias de aperto da política monetária com passos de 1,50 ponto percentual, considerando taxas terminais diferentes, são consistentes, neste momento, com a convergência da inflação para a meta em 2022, mesmo considerando a atual assimetria no balanço de riscos.

D) Decisão de política monetária

16. Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,50 ponto percentual, para 7,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2022 e 2023. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

17. O Copom considera que, diante da deterioração no balanço de riscos e do aumento de suas projeções, esse ritmo de ajuste é o mais adequado para garantir a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante. Neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance ainda mais no território contracionista.

18. Para a próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária.

19. Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

Notas de rodapé


1 A menos de menção explícita em contrário, esta atualização leva em conta as mudanças ocorridas desde a reunião do Copom em setembro (241ª reunião).

2 Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

domingo, 31 de outubro de 2021

Salário mínimo em 2022 será R$ 1.200,00?

https://www.cnnbrasil.com.br/business/ajuste-em-inflacao-da-baixa-renda-para-2022-pode-elevar-salario-minimo-a-r-1-200/


salário mínimo de 2022 terá reajuste maior do que o previsto pelo governo com a revisão do INPC deste ano, de 8,4% para 9,1%.

O novo valor pode chegar a R$ 1.200, o que significa um aumento de R$ 31 sobre a previsão anterior que consta da Lei Orçamentária enviada ao Congresso Nacional, de R$ 1.169.

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El País: Microsoft destrona a Apple do posto de empresa mais valiosa do mundo.

https://brasil.elpais.com/economia/2021-10-29/microsoft-destrona-a-apple-do-posto-de-empresa-mais-valiosa-do-mundo.html

Jota: Os 10 principais motivos de processos na Justiça Trabalhista.


https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/justica-trabalhista-ranking-processos-29102021

Vargas Llosa: "Não queremos revolução socialista, nem ditadura militar."

https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,nao-queremos-revolucao-socialista-nem-ditadura-militar-diz-vargas-llosa,70003885283


A América Latina sempre povoou o pensamento do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Aos 85 anos, o ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2010 defende com veemência o liberalismo democrático, o que o coloca, muitas vezes, em pé de guerra contra governos extremistas, seja de esquerda ou de direita. “Não queremos a revolução socialista, nem as ditaduras militares para a América Latina”, disse ele ao Estadão, jornal do qual é colunista, em uma conversa realizada por Zoom. Ele estava em Madri, na Espanha, onde passou boa parte do período de isolamento provocado pela pandemia da covid.

Para Llosa, autor de clássicos como Conversa no Catedral e A Guerra do Fim do Mundo, a América Latina atravessa uma crise de renovação política que, muitas vezes, termina de uma forma que se tornou tradicional no continente: na instauração de um governo extremista. Ele cita seu país como exemplo negativo. “Apesar dos problemas que tínhamos, a economia funcionava bem, e agora está uma catástrofe. A ascensão de uma extrema esquerda ao poder fez com que houvesse uma fuga de capitais muito grande e há uma preocupante paralisação no país”, observa.

Gustavo Franco no Estadão: O teto dos gastos e o precipício.

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-teto-de-gastos-e-o-precipicio,70003885407


Gustavo H.B. Franco*, O Estado de S.Paulo

31 de outubro de 2021 | 05h00

Sempre se soube que o teto de gastos (conforme definido na Emenda Constitucional n.º 95 – EC95 de 2016) era uma solução imperfeita e temporária para o problema fiscal brasileiro, e que se destinava principalmente a ganhar tempo para reformas que pudessem consolidar o equilíbrio fiscal.

Era uma espécie de congelamento, pelo qual os gastos do governo, por 20 anos, permaneceriam onde estavam em 2016 e cresceriam nos anos a seguir apenas no ritmo da inflação. Era uma resposta emergencial ao furacão fiscal provocado por Dilma Rousseff

Durante alguns anos, o teto não restringiria coisa alguma, pois os gastos orçados iam demorar a chegar no teto, que funcionaria como um precipício, ou uma cerca eletrificada, dos quais não se podia chegar muito perto. 

O teto em si, esclareça-se, não fazia encolher um único e solitário real da despesa, nem afetava outras obrigações constitucionais.

O princípio era simples: o medo do precipício, ou do choque, criaria os incentivos para as reformas acontecerem. 

Mas quem falou que o Brasil tem medo de choques e precipícios?

Por um lado, em vez de temor, nossos homens públicos se embriagaram com a vertigem, ou com a proximidade do perigo, e, por outro, o “prazo de validade” foi abreviado por dois fatores: 

(i)    a reforma da Previdência atrasou, e acabou passando menor do que se previa; e 

(ii)    a pandemia trouxe muitas novas necessidades de gasto.

Em condições normais, pareceria mais adulto colocar a pandemia fora do teto, tratando-a como uma calamidade totalmente estranha à rotina orçamentária: como uma despesa extraordinária que se financia por dívida pública (para isso serve a dívida pública) e por receitas igualmente extraordinárias (como, por exemplo, as de privatização, destinadas a reduzir a dívida pública).

Mas não é tão simples, o panorama orçamentário brasileiro é desolador e o debate sobre o valor e o alcance dos auxílios emergenciais serve de exemplo dessa complexidade. O leitor pode se perguntar: onde está a fronteira entre as urgências criadas pela pandemia e as que já existiam?

Não há uma resposta técnica para essa pergunta. 

O próprio ex-presidente Michel Temer, em um artigo recente, ilustrou essa dificuldade ao levar “às últimas consequências” a sua definição de calamidade para nela enquadrar “o pauperismo brasileiro”. 

Se o próprio pai do teto quer colocar o Auxílio Brasil fora do teto, que dizer dos filhos? 

*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...