Para reflexão, abaixo a lúcida análise de Fernando Henrique sobre o atual momento político e econômico brasileiro, publicada no ESTADÃO de hoje.
Ainda é cedo, mas há fortes indícios de que o
PT perderá as próximas eleições. Em que estado com muitos eleitores seus
candidatos a governador se mostram competitivos? Talvez em um. No total os
petistas aparecem bem situados apenas em quatro estados, se tanto, três deles
com não muitos eleitores. Quanto aos aliados, especialmente o principal, o
PMDB, parece que andam em franca debandada em vários estados. Também, pudera,
como pedir fidelidade no apoio à reeleição quando, além do pouco embalo da chapa
presidencial, os candidatos da oposição e do próprio PMDB aos governos
estaduais aparecem bem à frente dos candidatos do PT?
As taxas de rejeição da presidenta estão nas
nuvens, não só em São Paulo, onde nem o céu é o limite. Também crescem nos
pequenos municípios do Norte e do Nordeste para onde, nas asas das Bolsas
Família, migraram os apoios do partido que nasceu com os trabalhadores urbanos.
As raízes deste quadro se abeberam em vários mananciais: o das dificuldades
econômicas, da tragédia das políticas energéticas (vale prêmio Nobel derrubar
ao mesmo tempo o valor de bolsa da Petrobras e as chances do etanol e ainda
encalacrar as empresas de energia elétrica), da confusão administrativa, do
pântano das corrupções e assim por diante. Culpa da presidenta? Não
necessariamente.
Há tempo, escrevi um artigo nesta coluna com o
título de “Herança Maldita”. Fazia ironia, obviamente, com o estigma que
petistas ilustres quiserem impingir a meu governo. No artigo indicava que a
origem das dificuldades não estava no atual governo, vinha de seu predecessor.
A cada oportunidade que tenho procuro separar a figura da presidenta, seu
comportamento passado e atual, digno de consideração, dos erros que,
eventualmente atribuo ora a ela, ora ao estilo petista de governar.
Mas, francamente, é demais não reconhecer que
há motivos reais, objetivos, para o mal-estar que envolve a atual política
brasileira sob hegemonia petista. Abro ao acaso os jornais desta semana: os
europeus advertem que a produtividade do país está estagnada; o humor do varejo
em São Paulo é o pior em três anos; a produção industrial e a confiança dos
industriais não param de cair; o FMI publica documento oficial assinalando que
nossa economia é das mais vulneráveis a uma mudança no cenário internacional e
ajusta mais uma vez para baixo a projeção de crescimento do PIB brasileiro em
2014, para 1,3% (seriam otimistas?); o boletim Focus, do BC, prevê um
crescimento ainda menor, de 0,9% (seriam os pessimistas?); o juro para a pessoa
física atinge seu maior patamar em três anos; a geração de empregos é a menor
para o mês de junho em 16 anos; para não falar na decisão do TCU de bloquear os
bens dos dirigentes da Petrobras ao responsabilizá-los por prejuízos causados
aos cofres públicos na compra da refinaria de Pasadena.
Espanta, portanto, que a remessa de análise
conjuntural feita por analistas de um banco a seus clientes haja provocado
reações tão inusitadas. O mercado não deve se intrometer na política,
protestaram governo e petistas. Talvez. Mas se intromete rotineiramente e
quando o vento está a favor os governos se deixam embalar por seu sopro. Então,
por que agora e por que de forma tão desproporcional ao fato, presidenta?
Não creio que seja por desconhecimento da
situação nem muito menos por ingenuidade. Trata-se de estratégia: o ataque é a
melhor defesa. E nisso Lula é mestre. Lá vêm aí de novo com as “zelites” (da
qual faz parte) contra o povo pobre. Até aí, táticas eleitorais. Mas me
preocupa a insistência em tapar o sol com a peneira. Talvez queiram esconder o
acúmulo de dificuldades que estão se avolumando para o próximo mandato:
inflação subindo, com tarifas públicas e preço da gasolina represados; contas
públicas que nem malabarismos fiscais conseguem ajustar; o BNDES com um duto
ligado ao Tesouro, numa espécie de orçamento paralelo, como no passado remoto;
as tarifas elétricas rebaixadas fora de hora e agora o Tesouro bancando os
custos da manobra populista, e assim por diante. Em algum momento o próximo
governo, mesmo se for o do PT, terá de pôr cobro a tanto desatino. Mas, creem
os governistas, enquanto der, vamos empurrando com a barriga.
Que fez o governo do PSDB quando as pesquisas
eleitorais de 2002 apontavam possível vitória do PT da época? Elevou os juros,
antes mesmo das eleições, reduzindo as próprias chances eleitorais. Sustentou
mundo afora, antes e depois das eleições, que não haveria perigo de
irresponsabilidades, pois as leis e a cultura do país haviam mudado. Pediu um
empréstimo ao FMI, com a prévia anuência pública de todos os candidatos a
presidente, inclusive e especificamente do candidato do PT. O dinheiro seria
desembolsado e utilizado pelo governo a ser eleito para acalmar os mercados,
que temiam um descontrole cambial e inflacionário e mesmo uma moratória com a
vitória de Lula. Aprovamos ainda uma lei para dar tempo e condições ao novo
governo de se inteirar da situação e se organizar antes mesmo de tomar posse.
Agora, na eventualidade de vitória
oposicionista (e, repito, é cedo para assegurá-la) que fazem os detentores do
poder? Previnem-se ameaçando: faremos o controle social da mídia; criaremos um
governo paralelo, com comissões populares sob a batuta da Casa Civil que dará
os rumos à sociedade; amedrontam bancos que apenas dizem o que todos sabem etc.
Sei que são mais palavras equívocas do que realidades impositivas. Mas denotam
um estado de espírito. Em lugar de se prepararem para “aceitar o outro”, como
em qualquer transição democrática decente, estigmatizam os adversários e
ameaçam com um futuro do qual os outros estarão excluídos.
Vejo fantasmas? Pode ser, mas é melhor cuidar
do que não lhes dar atenção. A democracia entre nós, já disseram melhor outros
personagens, é como uma planta tenra que tem que ser cuidada e regada com
exemplos, pensamentos, palavras e ações todos os dias. Cuidemos dela, pois.
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