domingo, 16 de dezembro de 2012
Por que os juros caíram?
Hoje, na FOLHA DE S. PAULO, Samuel Pessoa, discorre sobre a queda na taxa de juros.
Desde
agosto de 2011 a taxa básica de juros reduziu-se em 5,25 pontos percentuais. A
queda para valores próximos aos praticados nas demais economias representa o último
passo que falta para que a estabilização macroeconômica da economia, iniciada
com o Plano Real, em 1994, se complete.
A
questão que se apresenta é sabermos os motivos que motivaram essa queda e, a
partir desse diagnóstico, investigar se a queda será perene ou se será
revertida à frente. Minha avaliação é que a queda da taxa básica de juros desde
agosto de 2011, apesar de ser fato auspicioso e longamente esperado por todos,
é sintoma de perda de produtividade e dinamismo da economia.
Se
as condições que produziram a perda de dinamismo persistirem, a queda terá sido
perene. Caso contrário, poderá haver em algum momento forte ciclo de alta de
juros.
Intuitivamente
associamos juros básicos elevados às situações de risco e de desempenho ruim da
economia. O motivo é que durante muitas décadas a taxa de juros era instrumento
utilizado para estabilizar o setor externo da economia.
Explico-me:
o país tinha uma grande dívida externa e apresentava dificuldade para financiar
a rolagem dessa dívida. Os investidores previam que, por conta dessa
dificuldade, haveria uma forte desvalorização do câmbio, que faria com que sua
riqueza aplicada no Brasil, medida em dólar, se desvalorizasse muito.
Respondiam, portanto, tentando retirar sua riqueza do país.
Para
contrabalançar, os juros domésticos elevavam-se para compensar os investidores
pelo risco percebido de desvalorização e, portanto, "convencê-los" a
não transferir seus recursos para fora do país.
Ou
seja, mesmo em momentos em que a inflação não estava em elevação, os juros
podiam subir. Esse mecanismo foi claríssimo no primeiro mandato de FHC antes da
alteração do regime cambial, em razão dos diversos choques externos
experimentados pela economia. Minha avaliação é que, desde 2004, quando o
regime de política econômica implantado no segundo mandato de FHC consolidou-se
no primeiro mandato de Lula, a taxa de juros deixou de oscilar em razão dos
riscos percebidos de perda patrimonial e passou a responder aos excessos de
demanda sobre a oferta da economia.
Na
linguagem da profissão, diz-se que desde 2004 a taxa de juros passou a
responder aos fundamentos do mercado de bens e serviços.
Por
que motivo o juro real foi tão elevado entre 2004 e 2010? Minha resposta é que
esse foi um período em que a demanda agregada -a soma de consumo e
investimento- cresceu a taxas superiores à taxa de crescimento do produto,
gerando uma situação de permanente excesso de demanda que pressionava preços e
mantinha a inflação permanentemente elevada, o que requeria a subida dos juros
para esfriar a economia e combater a inflação.
Se é
verdade que esse foi um período de forte avanço do consumo (de 2004 a 2010 o
consumo cresceu 5,5% ao ano para uma expansão do produto de 4,3%), a alta do
investimento no mesmo período, de 8,7%, foi ainda maior. No período mais
recente, de 2010 até 2012, o avanço do consumo continuou sendo superior ao
crescimento do produto, mas expansão do investimento ficou abaixo: 4,6% ante
4,4% anuais.
Assim
o fraco crescimento do investimento, aquém do produto, contribuindo para reduzir
a demanda, explica a redução dos juros domésticos desde agosto de 2011.
Esse
processo de juros em baixa deve persistir por mais uns trimestres: a projeção
no Ibre-FGV é que o investimento continue crescendo aquém da produção ao menos
no quarto trimestre de 2014, quando deve registrar o sexto trimestre seguido
com crescimento negativo.
A
questão é: os juros subirão se e quando o investimento voltar a crescer
fortemente? Há duas possibilidades para que não ocorra a subida dos juros.
A
primeira é que, com o retorno do investimento, a poupança doméstica cresça na
mesma medida, de forma a não ser necessário recorrer à elevação da poupança
externa para financiar a elevação do investimento.
A
segunda é que a política econômica aceite uma elevação da absorção de poupança
externa e, consequentemente, uma valorização do câmbio, quando o investimento
retornar. Isso terá consequências não triviais para a indústria.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
De Obama@org para Dilma@gov.
Elio Gaspari, esta semana, na FOLHA DE S. PAULO.
De Obama@org para Dilma@gov
COMPANHEIRA
DILMA,
Permita-me
esse tratamento, apesar de estar atravessada na minha memória aquele dia de
caça aos ovos de Páscoa nos jardins da Casa Branca em que a senhora veio aqui
me dar aula de economia. Resta-lhe o crédito das minhas filhas terem adorado
seu palácio, que o Ronald Reagan achou parecido com sede de empresa de seguros
do Texas.
Decidi
escrever-lhe porque há tempo suspeito que a senhora cometeu o mesmo erro que eu.
Dispondo de três nomes para o Ministério da Fazenda, nomeei os três. Pus o
Timothy Geithner no Tesouro, o Paul Volcker num conselho e o Larry Summers numa
assessoria.
(Imagine o que esse gênio de Harvard mandou pedir: um carro,
presença em eventos e convites para jogar golfe comigo.) Deu tudo errado.
Summers e Volcker foram-se embora e, se Deus me ajudar, troco o Geithner no ano
que vem.
Esses
jornalistas que sabem tudo dizem que eu quase capotei na curva por causa desse
erro. Não foi assim. O Geithner garantiu-me um norte: a busca obsessiva pela
confiança do empresariado. Sem isso, o país teria ido à breca. Sinceramente,
sua turma está espancando essa gente. Aí, como cá, o sujeito tem uma sala no
palácio e pensa que manda. Eu não sei o que a senhora quer fazer com as
concessionárias de energia e de portos, mas sei que conseguiram produzir uma
enorme confusão.
Lá
pelo final de 2009, durante a discussão da política nacional de saúde, caiu-me
a ficha. Meu problema não estava na economia, mas naquilo que vocês chamam de
Casa Civil. A máquina da Presidência simplesmente não funcionava. Livrei-me de
dois.
Sei
que a senhora não tem sorte nesse tipo de escolha. Agora sua chefe da Casa
Civil é candidata ao governo de um Estado. Essa é a receita da encrenca. Os êxitos
caem por gravidade no colo do presidente, mas os fracassos dão-lhe a impressão
que vão para a conta dos outros. É engano, companheira. Os fracassos grudam na
gente com mais força que os sucessos. Enquanto estamos no palácio, todos nos
dizem que isso não acontece.
Quando vamos para rua pedir votos, vemos o tamanho
do erro.
Redesenhe
seu palácio, fuja dessas salas de eventos, vá para a rua, siga seus instintos,
enquadre os ministros candidatos a governos. Sua tarefa é muito mais fácil que
a minha. Se aqui houvesse uma oposição como a que há aí, eu passaria metade do
meu tempo jogando basquete ou paparicando a Michelle. Antes que eu me esqueça,
não perca tempo com a "The Economist". Desde 1848, quando foi
fundada, ela ensina ao mundo que não há salvação fora da ortodoxia liberal. Que
ninguém me ouça: a Inglaterra provou esse remédio e cada dia se parece mais com
a Holanda.
Finalmente,
um palpite, sem qualquer vestígio de torcida: admita que seu rival em 2014 será
o juiz Barbosa. Quando eu lancei minha candidatura, o Vernon Jordan, respeitado
líder negro, apoiava minha rival. A certa altura trocou de posição a
explicou-se: "É duro disputar
contra um movimento".
Lula,
"o cara", representou um movimento.
Michelle,
Malya e Sasha mandam-lhe um abraço. Marian, minha sogra, de quem talvez a
senhora se lembre, acompanha-as, mas fala todo dia nesse juiz Barbosa.
Do
companheiro Barack.
A "The Economist" de Delfim Netto.
Delfim Netto, recentemente na FOLHA DE S. PAULO.
Leio semanalmente "The Economist"
desde 1952, quando "filava" os exemplares recebidos pelo grande
professor W. L. Stevens, a quem o Brasil deve a introdução da estatística
fisheriana. Sempre admirei a clareza, a relativa imparcialidade e o tom
doutoral e provocador da revista.
Ela se considera, convictamente, a
portadora de uma ciência econômica universal, independente da história e da
geografia. Dela extraí (com lógica invejável) as receitas de política econômica
que levarão ao bem-estar social do mundo, com, talvez, um viés de maior
conforto ao capital e às finanças.
Criada em 1843 por James Wilson -sogro do
gigante Walter Bagehot, a quem entregou a sua editoria-, tinha por objetivo
fundamental defender a liberdade de comércio então em discussão na Inglaterra.
Fala, em seu benefício, que nos últimos 169 anos não mudou. Com altos e baixos,
sobreviveu bravamente até tornar-se -não é possível ignorar este fato- a mais
importante revista econômica internacional. Isso está longe, entretanto, de
garantir a validade dos seus conceitos.
Se há uma virtude escassa na excelente
"The Economist" é a humildade: ter ao menos uma pequena dúvida.
Recusou, desde a sua origem, a lição do grande economista Ferdinando Galiani
(1728-1787), que ensinou ser muito perigoso extrair conclusões políticas de
abstrações universais!
O deselegante e injusto ataque "ad
hominem" ao ilustre ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, partiu
de duas premissas falsas:
1ª) O Brasil não estava
"bombando" no início de 2011. O PIB caíra 0,3% em 2009 e, por puro
efeito estatístico, aumentara 7,5% em 2010. O crescimento médio de 2009/10 foi
de 3,6%, o mesmo número medíocre que vimos obtendo nos últimos 20 anos;
2ª) O ministro não errou sozinho quando
sugeriu que o crescimento do terceiro sobre o segundo trimestre estaria entre
1,1% e 1,3%. Analistas financeiros no Brasil e no mundo, inclusive o "The
Economist" (por seu instituto), acreditavam na mesma coisa.
O resultado apurado pelo IBGE (sobre o qual
não paira qualquer dúvida de credibilidade) foi mesmo uma surpresa (0,6%). Isso
nos deixa com um problema. Se os inúmeros estímulos postos em prática
produzirem um crescimento de 0,8% do quarto sobre o terceiro trimestre, o PIB
de 2012 será da ordem de 1%, um crescimento "per capita" nulo.
O baixo crescimento tem pouca coisa a ver
com as políticas monetária, fiscal e cambial. Tem mais a ver com uma redução
dos investimentos gerada por uma desconfiança exagerada entre o setor privado e
o governo. Fez muito bem a presidente Dilma quando rejeitou a impertinente
sugestão da revista.
domingo, 2 de dezembro de 2012
Joelmir Beting.
JOÃO BATISTA NATALI e sua homenagem ao tradutor do economês sem trair a ECONOMIA.
Perguntaram certa vez a Joelmir Beting por
qual razão ele preferia escrever para as donas de casa, e não para os
empresários. Sua reação: "Não escrevo para a dona de casa. Eu escrevo é
para a empregada dela".
Mesmo que não tenha sido bem assim, a
resposta exemplifica a imensa novidade que Beting introduziu no jornalismo
econômico. Inventou uma nova forma de explicar coisas complexas, com bom humor
e boas metáforas, recheadas de erudição a caipirismos.
Sua coluna diária foi lançada pela Folha
em 1970 e, a partir de 1991, passou a ser publicada por "O Estado de S.
Paulo" e "O Globo".
Sua ascensão no jornalismo se deu em fins
de 1968, quando o AI-5 impôs um silêncio à vida político-partidária. O
jornalismo procurou outros temas, e a economia ganhou espaço.
Beting sabia cautelosamente relatar os
conflitos entre setores empresariais e o então "czar" da economia, o
poderoso ministro Delfim Netto. Os tecnocratas de Brasília passaram a falar um
idioma desconhecido, o "economês" e o colunista virou um tradutor que
não levava a sério o jargão.
Joelmir Beting foi um homem ordeiro,
metódico. Nasceu em Tambaú, interior de São Paulo. Descendia de alemães
imigrados em meados do século 19. Seu pai, boia-fria, arrastava os filhos para
o trabalho de colher limão e jabuticaba.
Chegou à capital paulista em 1955. Passou
no vestibular em ciências sociais, na USP.
Mantinha-se como professor primário.
Entrou na Folha em 1966, como o
encarregado de introduzir textos que atraíssem o leitor aos classificados de
automóveis. Dois anos depois, virou editor do caderno de economia.
A coluna diária trouxe a ele imediata
notabilidade. Na década de 1980, com inflação crescente, o enfoque de Beting
passou a ser a proteção do poder aquisitivo. Duas frases criadas por ele:
"Inflação é quando a mão fica maior que o bolso"; "Derrubar a
inflação a golpe de recessão é como matar a vaca para acabar com o
carrapato".
Rompeu com a reputação de próximo do regime
militar ao publicar, em 1984, "Igreja, Classe Trabalhadora e
Democracia", em parceria com d. Paulo Evaristo Arns e João Pedro Stédile.
Sua carreira sofreu uma reviravolta em
2003. Aceitou participar de uma campanha publicitária do banco Bradesco. Em
resposta, "O Globo" e "O Estado de S. Paulo" suspenderam a
publicação de sua coluna.
Beting prosseguiu no rádio e na TV. Sempre
afirmou ter uma rotina de 15 horas diárias de trabalho. Não teria feito a
metade do que fez sem a retaguarda de sua mulher, Lucila Beting, mãe de seus
dois filhos, o publicitário Gianfanco e o jornalista esportivo Mauro.
O grande legado de Joelmir Beting está em
dissociar o complicado da economia do complicado da linguagem. Ao encontrar
formas mais simples de dizer as coisas, sem trair a teoria econômica, mostrou
que o jargão é discriminatório, uma espécie de gíria inventada para assustar os
menos iniciados. Por exemplo, a empregada da dona de casa.
sábado, 1 de dezembro de 2012
Prêmio Jabuti 2012 - Miriam Leitão.
Merecido o prêmio Jabuti 2012 categoria não-ficção para MIRIAM LEITÃO pelo excelente SAGA BRASILEIRA: A LONGA LUTA DE UM POVO POR SUA MOEDA.
Uma aula de economia com o prazer de reviver um momento muito especial da minha vida.
Parabéns MIRIAM e que venham mais livros.
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Delfim sobre Dilma no "El País".
Antonio Delfim Netto comenta hoje na FOLHA DE S. PAULO recente entrevista da presidente Dilma ao jornal
espanhol "El País".
A entrevista deve ser um breviário para mitigar a desconfiança
que cerca seu governo por parte de importantes setores industriais e
financeiros.
Alguns não creem que ela, sem abandonar o
objetivo de desejar uma sociedade mais razoável onde se persegue a igualdade de
oportunidades, tenha mudado sua visão do mundo.
"Com os anos -disse a presidente-
comprovei o excesso de ingenuidade e romantismo e falta de compreensão da
realidade". No fundo sua grande "certeza" sobre a reconstrução
do mundo evoluiu para a "dúvida criadora" indispensável para
melhorá-lo.
Nos seus discursos na Espanha a presidente
defendeu a posição liberal (da esquerda americana) de Paul Krugman e outros
keynesianos, que o excesso de "austeridade" acabará levando todos os
países a uma espiral descendente e poderá destruir o euro, que classificou como
"uma das maiores conquistas da humanidade, mas um projeto ainda inacabado".
A presidente recusou-se, no fundo, a
aceitar a ideia dos conservadores (da direita americana e dos alemães), que o
problema é o "tamanho do Estado" e, também as velhas posições
monetaristas e o novo "monetarismo de mercado", que não acreditam na
capacidade do investimento público de estimular o crescimento.
Um magnífico artigo de cinco excelentes
economistas (Almunia, M. e outros -"From Great Depression to Great Credit
Crisis", "Economic Policy", vol. 25, 2010) usando história e
econometria, comprova a existência -em condições fáticas adequadas- do poder do
multiplicador keynesiano.
A posição brasileira revela-se, portanto,
tecnicamente bem ancorada e mais antenada com a realidade do que a dos
"austerianos", que se recusaram a entender que o que pode ser
verdadeiro para um país isoladamente -ajustar as suas finanças
("austeridade"), sustentar sua taxa de inflação com política
monetária adequada e controlar o seu deficit em conta-corrente (com a
desvalorização cambial)- não tem o menor risco de dar certo quando se aplica a
um conjunto de países interconectados pelo câmbio fixo.
A solução é que os países credores
concordem em ampliar a sua demanda interna, aumentar a sua taxa de inflação e
eliminar o seu saldo em conta-corrente. Aqui também as considerações brasileiras
foram corretas.
O sucesso do euro (ou melhor, da Comunidade
Econômica Europeia) depende de um controle fiscal mais centralizado, de um
controle central das instituições financeiras e de uma união bancária,
exatamente o que fizemos no Brasil a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal.
domingo, 25 de novembro de 2012
Nossas universidades precisam falar inglês.
LEANDRO TESSLER, 50, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp e assessor para internacionalização da universidade, escreveu este artigo na FOLHA DE S. PAULO de hoje. Algum leitor discorda?
Nosso
ensino superior está se internacionalizando. É uma via virtuosa: as
instituições se internacionalizam porque se qualificam e se qualificam porque
se internacionalizam.
Há um pequeno fluxo de estudantes de graduação europeus que
passam alguns anos da sua formação em nossas melhores universidades em
programas de duplo diploma.
Na pós-graduação, o Brasil é um destino importante para
estudantes de países vizinhos. O Brasil é extremamente atraente para eles: tem
um sistema universitário desenvolvido; oferece formação de primeira linha; ao
contrário do que ocorre na maioria dos países, não cobra taxas ou mensalidades
de nenhum estudante, brasileiro ou estrangeiro; há abundância de bolsas e
oportunidades de financiamento. Falamos uma língua facilmente acessível para
quem fala espanhol.
Mas os resultados atuais estão muito aquém do que poderiam ser.
O Brasil ainda tem um número pequeno de universidades entre as
500 melhores do mundo. O número de alunos estrangeiros no Brasil é bastante
reduzido. Há mais estudantes norte-americanos na Argentina do que no Brasil.
Isso se deve à preferência dos estudantes por um país que fala espanhol, mas
também pela disponibilidade de programas de graduação em inglês.
As universidades brasileiras deveriam considerar a possibilidade
de oferecer cursos superiores em inglês -de preferência até completos-
juntamente com o português.
Na idade média, quando as universidades foram criadas, as
pessoas cultas se comunicavam em latim. Graças ao latim, um estudioso de Oxford
ou de Bolonha no século 12 podia trocar ideias com alguém de Salamanca ou da
Sorbonne.
Com o passar do tempo, o latim caiu em desuso e o inglês tomou
conta do universo universitário. Atualmente não existe nenhuma conferência
internacional importante que não adote o inglês como língua franca. É
fundamental para o avanço do conhecimento que pesquisadores possam se comunicar
e se fazer entender diretamente.
Nós, brasileiros, historicamente temos resistido a introduzir o
inglês como língua de instrução nas nossas universidades.
Há quem afirme que ensinar em inglês seria renunciar à soberania
nacional, como se a nossa nacionalidade estivesse estritamente associada a
falar português. Não se tem notícia de que algum país não anglófono no qual há
ensino superior em inglês (como Portugal, berço da língua portuguesa) tenha
renunciado a sua nacionalidade por isso.
Outra posição recorrente é a do esforço: alguém realmente
interessado em estudar no Brasil deveria aprender a língua.
Em tese, isso está correto. Na prática, os estudantes preferem
dirigir-se a países onde as aulas são dadas em inglês. Eles sentem-se muito
mais seguros com a garantia de que a língua não será um problema para o
aproveitamento de sua estada.
Na verdade, se ensinássemos regularmente em inglês estaríamos
fazendo muito mais pela divulgação e expansão da cultura brasileira e da língua
portuguesa.
Uma última objeção é que isso elitizaria ainda mais as já
elitizadas universidades brasileiras. Isso talvez fosse correto se deixássemos
de ensinar em português. No entanto, a coexistência de cursos em inglês e
português ofereceria oportunidades para estudantes brasileiros conviverem com
estrangeiros e aperfeiçoarem sua proficiência em inglês.
Foi divulgado recentemente que no programa Ciência sem
Fronteiras foram concedidas duas vezes mais bolsas para Portugal e Espanha do
que para o Reino Unido, os Estados Unidos e a Austrália, onde se concentram as
melhores universidades do mundo.
Isso só pode ser explicado pela deficiência na formação dos
estudantes em inglês. É urgente mudar isso.
Os primeiros passos para uma internacionalização efetiva do
nosso ensino superior já foram dados. Falta sermos mais atraentes para
estudantes de todo o mundo, como somos atualmente para os estudantes
latino-americanos. Falta termos mais resultados de pesquisas publicados em
inglês. Publicações acadêmicas em inglês atingem a um público muito maior e têm
mais impacto sobre o desenvolvimento científico e cultural da humanidade.
O Brasil tem tudo para se tornar um centro importante mundial de
ensino superior. Precisamos saber aproveitar a oportunidade histórica.
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Dilma no Valor fala de economia.
Recentemente o VALOR
ECONÔMICO entrevistou a presidente Dilma. Vide abaixo comentários que
mostram um pouco do que pensa a presidente.
Valor: Seu governo também é pragmático?
Dilma: Acho que todo governo tem que ser
pragmático. Um governo não pode achar que tem um receituário e que ele vai
seguir esse receituário. Exemplo: eu vou fazer o ajuste mais austero do mundo e
vai dar certo. O que vai acontecer? Meu crescimento cai e, então, aumenta meu
déficit. Porque o denominador despenca, o PIB despenca e sobe a relação dívida
pública/PIB. É isso eles estão vivendo aqui na Europa. E nós sabemos o que é
porque nós já vivemos isso. A hora em que começa a crescer o seu Produto
Interno Bruto, seu ajuste vai ficar mais fácil.
Valor: E por que a economia brasileira
demora a reagir e crescer?
Dilma: Porque nós temos que
fazer um esforço na área da competitividade. Isso não é uma figura de retórica,
é real. Nós temos que diminuir o custo de capital, nós estamos tentando fazer
isso, temos que aumentar as fontes de financiamento de investimento de longo
prazo, não pode ser só o BNDES. Nós temos que ter um capital mais barato, vindo
do mercado de capitais. O Brasil vai ter que sofisticar, temos que ter
capitais, temos que ter produtos financeiros que viabilizem o investimento.
Valor: A questão macroeconômica é menos
relevante hoje?
Dilma: Não, e aquela história de que a gente
acabou os três pilares é absolutamente equivocada.
Valor: Mas o câmbio não está administrado?
Dilma: Não acho.
Valor: Não está nos R$ 2 a R$ 2,04 o dólar?
Dilma: Não acho, pela situação internacional
ele está até... Ele esta mantendo um patamar, às vezes ele sobe, aí o pessoal
fala "o Tombini vai fazer swap". Aí ele cai e o pessoal do mercado
fala "vai cair"...
Valor: A senhora diria que o tripé
superávit fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante também pode ser
administrado com pragmatismo?
Dilma: Não existe política que não seja pragmática. Me diz qual? Você vai
ser ortodoxo e vai ver onde vai dar com os burros n'água. Você já viu momentos
na história o povo ser muito ortodoxo? Nós estamos vendo agora, aqui. Já nos
EUA eles nunca são. O Fundo Monetário Internacional na nossa época [nos anos 80
e 90] era de uma rigidez absoluta. Aí resolveu agora fazer uma avaliação de
indicadores dos efeitos dos ajustes e percebeu o efeito negativo que têm sobre
o crescimento. O problema daqui [dos países da zona do euro] é que tem problema
político também. O euro não é uma obra completa. Você começa pela moeda, moeda
exige Estado e exige um emprestador de última instância e exige emissão de
título. Então, enquanto não teve crise eles seguraram. Agora tem que negociar e
como é que você negocia com 17 Parlamentos? Tem um problema político. É a
chamada "armadilha do consenso". E eu acho que tem uma especulação
muito forte contra o euro.
domingo, 18 de novembro de 2012
sábado, 17 de novembro de 2012
Análise da macroeconomia brasileira.
MARCELO
KFOURY MUINHOS, superintendente do Departamento Econômico do Citi Brasil e PhD em Economia por
Cornell (Estados Unidos) e LEONARDO PORTO DE ALMEIDA, economista
sênior do Citi Brasil e doutor em Teoria Econômica pela FEA/USP, escreveram especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.
O
PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre deste ano deverá ter
crescimento de 1% em relação aos três meses anteriores, caracterizando-se como
o primeiro trimestre em que a economia brasileira expandirá acima do seu
potencial, desde o início do governo de Dilma Rousseff em 2011.
Ainda
que haja dúvidas sobre a sustentabilidade desse crescimento nos próximos
trimestres, devido às prováveis influências positivas de alguns fatores
temporários, o correto diagnóstico de algumas evidências paradoxais contribui
para uma melhor avaliação do cenário prospectivo da economia brasileira.
1)
Primeiramente, é importante olhar com atenção para o fato de que a indústria de
transformação tem apresentado desempenho muito abaixo do restante da economia
desde 2011.
Para
nós, a crise nos países desenvolvidos (em especial na Europa) tem papel crucial
sobre o entendimento da pior performance da indústria em relação ao PIB,
agravado pelo fato de o mercado de trabalho brasileiro se encontrar
extremamente aquecido.
2)
Com relação ao mercado de trabalho, é surpreendente o fato deste se manter
extremamente aquecido mesmo diante de um crescimento do PIB abaixo das suas
potencialidades.
Enxergamos
que a maior concentração do crescimento no setor de serviços (devido à crise no
setor industrial) e suas características intrínsecas de ser intensivo em mão de
obra e, consequentemente, apresentar menor expansão da produtividade, seriam
algumas das possíveis explicações para este paradoxo.
3)
Contudo, mesmo diante de condições tão favoráveis no mercado de trabalho, como
explicar a evidência contraditória da taxa de inadimplência dos empréstimos
bancários ter atingido o patamar mais elevado desde dezembro de 2009?
Uma
possível explicação seria o aumento significativo da formalização do emprego
desde 2004, que permitiu que uma parcela relevante da população acessasse o
crédito bancário sem uma avaliação suficientemente satisfatória sobre as reais
condições de pagamento desta dívida.
4) E
como explicar que uma queda da taxa Selic (taxa básica de juros) em mais de 500
pontos pudesse ocasionar uma resposta tão fraca da atividade econômica depois
de mais de um ano?
Acerca
disso, a crise internacional e suas implicações ao setor industrial brasileiro,
a resistência à queda da taxa de inadimplência, a resposta mais tímida do BNDES
e da política fiscal em comparação ao afrouxamento monetário de 2009 apontam na
direção de que outros fatores têm restringido o impacto expansionista da atual
política monetária.
5)
Por fim, diante de um crescimento tão pouco representativo da economia, não
seria de se esperar que a inflação estivesse orbitando em patamares mais
próximos ou até mesmo abaixo do centro da meta de 4,5%?
Sobre
isso, o já mencionado aquecido mercado de trabalho, ao exercer pressões de alta
sobre os salários e consequentemente manter a inflação de serviços em torno de
8,5% -acima dos 5,5% verificados no IPCA-, parece exercer papel crucial no
entendimento deste paradoxo.
Como
qualquer outra conjectura, nossas explicações para as inconsistentes evidências
que vêm prejudicando a economia brasileira requerem maior comprovação.
Um
denominador comum, entretanto, parece balizar todos os paradoxos acima
relatados. Ele reside nos impactos que a crise internacional exerce sobre os
diversos fundamentos macroeconômicos.
Nesse
sentido, se estivermos certos de que a crise sobre os países desenvolvidos
deverá perdurar por mais alguns anos, tais paradoxos tenderão a se manter por
mais algum tempo.
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
PIB sonolento.
Editorial da FOLHA e uma análise da atual situação econômica brasileira.
Passada a letargia do primeiro semestre,
parece confirmar-se o prognóstico de lenta recuperação do PIB neste final de
ano, até o ritmo de 3,5% anualizados, que, espera-se, poderá se manter em 2013.
Os dados da indústria e das vendas no
varejo apontam melhora desde o terceiro trimestre, sobretudo no setor de
automóveis.
Seria um erro, porém, considerar o dinamismo
setorial um indicativo forte do restante da economia. Um fator importante para
o crescimento anda fraco: o crédito ao consumidor está estagnado, e a
capacidade de endividamento das famílias parece chegar ao fim.
Os estímulos ao consumo, úteis como medida
pontual para sustar a desaceleração, não têm, contudo, restaurado o
funcionamento da máquina produtiva. As evidências indicam que, agora, o gargalo
está na capacidade de produção.
Custos crescentes dificultam o investimento
privado. A inflação salarial de 10% ao ano, fruto de um mercado de trabalho
apertado, está bastante acima dos ganhos de produtividade e explica em parte o
decepcionante desempenho da indústria. A produção de bens de capital teve queda
de 12,4% de janeiro a setembro deste ano, na comparação com 2011.
Os indicadores de confiança empresarial até
têm melhorado, mas nada muito animador. Sem a retomada forte do investimento,
dificilmente o PIB superará, de forma sustentável, os 3,5% esperados.
A combinação de escassez de mão de obra e
consumo pressionado resulta em mais inflação. Não há perda de controle, mas um
crescimento do PIB de 2% ao ano (média de 2011 e 2012) e uma inflação de 6%
começam a compor o cenário mais temido: a economia patina, mas os preços sobem.
No curto prazo, a queda recente dos preços
agrícolas e a expectativa de redução nas tarifas de eletricidade permitem
projetar inflação na marca de 5,5% ao ano.
Não se pode descartar, porém, uma escalada
para cerca de 6,5%, teto da meta de inflação. Se isso ocorrer, com o PIB em
3,5%, o governo terá mais dificuldade para manter a economia em ordem.
A melhor forma de minimizar tal risco é
insistir em medidas que reduzam os custos e aumentem a produtividade. O governo
dá sinais de que atenta para esses imperativos, ao reduzir preços de energia e
desonerar a folha de pagamento em alguns setores, mas os resultados ainda
tardarão. O clima não melhorará tão cedo a ponto de despertar o espírito animal
dos empresários da hibernação.
domingo, 11 de novembro de 2012
Keynes, o retorno.
Exclusivamente para o colega de CAEN, atualmente estudando em Portugal, Alexandre Fermanian, a análise de LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, sobre as eleições americanas.
A reeleição de Obama, na
terça passada, deveu-se à radicalização conservadora de seu adversário, que
selou o apoio aos democratas de imigrantes, mulheres e jovens, mas sobretudo às
políticas sociais e à intervenção estatal para enfrentar a crise econômica,
devolvendo à pauta as ideias do economista J.M. Keynes.
Passadas as surpresas de 6/11,
parte dos comentaristas banaliza os resultados das eleições americanas. Assim,
a campanha de 2012 não teria mudado nada em Washington. Barack Obama permanece
na Casa Branca e o Congresso continua dividido como antes: maioria republicana
na Câmara e democrata no Senado. Uma manchete do site do "New York
Times" resumiu essa interpretação: "Obama obtém uma nítida vitória,
mas a balança do poder não mudou em Washington".
Todavia, outros artigos do
jornal nova-iorquino - e da mídia americana - alteram tal perspectiva.
Efetivamente, como nas grandes viradas políticas geradas por um forte
reposicionamento eleitoral, a vitória de Obama tem uma dupla dimensão: ela
provoca a debandada de seus adversários republicanos e reforça o Partido Democrata.
Para além da contagem dos votos
de uns e de outros no Congresso, um Partido Democrata renovado enfrenta agora
um Partido Republicano apoplético: a balança do poder mudou, sim, em
Washington. As longas e polêmicas primárias republicanas fragilizaram a
candidatura Romney.
Em campanha há seis anos, desde
as primárias para a eleição de 2008, o republicano teve primeiro que terçar
armas no seu próprio partido. Na sequência da radicalização inaugurada por
Sarah Palin em 2008, o sucesso de Rick Santorum entre os partidários do Tea
Party e das teses mais conservadoras, levou a campanha republicana muito para a
direita.
Romney teve de correr atrás dos
votos de Santorum, fazendo declarações que queimaram seu prestígio junto aos
republicanos mais liberais, aos latinos e aos trabalhadores das indústrias
socorridas pelo governo federal. Aproveitando essas derrapadas e as
controvérsias sobre o passado empresarial de Romney, os marqueteiros democratas
pegaram pesado, apresentando-o como um ricaço insensível aos pobres.
No meio do ano, um anúncio da
campanha de Obama na TV responsabilizava Romney pelo fechamento de fábricas e
entrevistava metalúrgicos desempregados que o chamavam de "vampiro".
Houve também uma radicalização
de Romney nos temas relativos à política externa e às suas ameaças diretas à
Rússia e à China. Sobretudo ficou patente sua hesitação na política interna e
sua inexperiência diplomática. Chamando Romney de "volúvel"
("ever-changing"), a revista conservadora britânica "The
Economist" declarou seu apoio à reeleição de Obama.
Perdendo o pé junto aos latinos
- que anteriormente pesavam menos no eleitorado e, em boa parte, votavam
republicano -, afastados do eleitorado feminino e dos jovens, os republicanos
saem das eleições enfraquecidos e desorientados. Para alguns comentaristas, a
viabilidade nacional do partido está agora posta em questão.
Tais circunstâncias
permitiram que Obama se situasse como um líder mais coerente na política
econômica e mais moderado no campo internacional. No discurso da vitória, em
Chicago, Obama sublinhou dois pontos que considerava como trunfos de seu
primeiro mandato: "a economia está se recuperando" e "uma década
de guerras está terminando", referindo-se à retirada das tropas americanas
do Afeganistão.
A força e o vigor do partido
democrata nascem do enraizamento da aliança social e política que levou Obama à
Casa Branca quatro anos atrás. Como notaram os editorialistas americanos, o
erro mais importante da direção republicana consistiu em considerar que Obama havia
sido eleito meio por acaso. Para esses dirigentes, o início da Grande Recessão
e o estrondo de setembro de 2008, com a bancarrota do Lehman Brothers, teriam
baqueado o governo Bush e entregado a Casa Branca de bandeja para Obama.
Depois disso sua vitória teria
virado pó. A prova? Obama sofrera uma pesada derrota nas legislativas de 2010
e, num contexto econômico ainda difícil, não teria condições de se reeleger. A
taxa de desemprego beira 8% nos EUA e, desde os anos 1930, nenhum presidente
havia conseguido se reeleger com essa taxa acima de 7,2%. A fieira de
dirigentes europeus derrubados pela crise nas eleições dos últimos anos parecia
confirmar o raciocínio dos republicanos.
Em maio, o portal de notícias
"Examiner", baseado em Denver, perguntou: "A eleição de Obama em
2008 foi um golpe de sorte ("fluke")"? Agora, do jornal
"Washington Post", numa análise de escopo nacional, ao
"Richdmond Times Dispatch", num balanço sobre a Virgínia (Estado
vezeiro no cerceamento do voto das minorias, onde Obama venceu pela segunda
vez), a maioria dos editorialistas constata: 2008 não foi um "fluke",
a reeleição demonstra que o presidente construiu uma base política consistente.
As mulheres solteiras, os
jovens, os latinos, os negros, os asiáticos, os trabalhadores industriais e
setores liberais dos Estados situados nos litorais oceânicos americanos
reelegeram Obama. Essa coalizão deu novo impulso aos democratas, até porque a
maioria democrata no Senado também evoluiu.
Conhecido como "Blue
Dog", o grupo de senadores democratas conservadores ou moderados
reduziu-se, cedendo lugar para senadores mais próximos dos princípios de
solidariedade social e de regulação econômica que têm sido esconjurados desde a
era Reagan (1981-89). Outros pontos do novo perfil democrata são mais sutis.
Ainda em maio, numa entrevista
exclusiva à rede ABC, concedida a uma jornalista amiga, Robin Roberts, Obama
declarou-se favorável ao casamento gay. Ele tomou a iniciativa de caso pensado,
sabendo que a militância mais jovem, essencial na sua campanha, apoia
amplamente tal declaração. Sabia também que a porcentagem dos americanos
favoráveis a essa forma de união passou de 27% em 1996 a 53% em 2012, segundo
pesquisa do Gallup, e que os casais gays são importantes doadores do Partido
Democrata.
A análise detalhada dos
resultados eleitorais imprime um significado histórico à vitória democrata.
Tome-se o caso de dois Estados-chave nesta e noutras eleições, cujo resultado
decide a parada no nível nacional, Ohio e Flórida.
A maioria dos comentaristas
concorda que a vitória de Obama em Ohio (nenhum republicano venceu a corrida
presidencial sem ganhar neste Estado), e no vizinho Michigan (onde o pai de
Romney foi governador, onde ele cresceu e tem parentes) deveu-se à intervenção
e aos empréstimos do governo federal para salvar um milhão de empregos da
indústria automobilística combalida pela crise.
Na hora em que escrevo, a
contagem de votos ainda não terminou na Flórida e o resultado do escrutínio ali
tornou-se irrelevante: Obama ganhou a parada, mesmo perdendo na Flórida. Mas a
apuração indica a vitória democrata. Além disso, num referendo estadual, os
eleitores da Flórida repudiaram restrições ao "Obamacare", a reforma
do sistema de saúde que favorece os pobres e regula as empresas do setor.
Na Flórida, e mais incisivamente
na Virgínia e noutros Estados onde os democratas venceram, pesou o voto dos
latinos e de outras minorias assustadas com a política anti-imigratória
apregoada por Romney. Mas há camadas sociais mais densas que ajudaram a
reeleger o presidente.
As pesquisas de boca de urna
mostraram que Obama venceu entre os eleitores de menor renda (abaixo dos US$
50.000 anuais) e que sua vantagem é ainda maior entre os mais pobres. Nesse
contexto, sua reeleição permite avançar na implementação do novo sistema de
saúde, consolidando a reforma e a base social dos democratas.
O apoio mais amplo do eleitorado
às intervenções do governo federal na defesa dos empregos industriais e na
proteção social, reabilita os investimentos e as políticas públicas.
Considerado peça de museu por
boa parte dos economistas e dos ideólogos, o keynisianismo está de novo na
ordem do dia nos EUA.
Tripé macroeconômico: sim ou não? Sim e Não.
A FOLHA DE S. PAULO na seção TENDÊNCIAS/DEBATES ao ouvir a opinião divergente de dois especialistas para uma questão propõe um excelente debate de IDEIAS. Nesta semana ela discutiu com dois economistas a questão abaixo e obteve uma aula de economia. Como sempre, na economia, o contraditório é presença constante.
O Brasil está abandonando o
tripé macroeconômico (meta de inflação, superavit primário e câmbio flutuante)?
Para Eduardo de Carvalho Andrade, doutor em economia pela Universidade de Chicago e professor da Faculdade Insper: SIM.
O tripé macroeconômico,
composto por meta de inflação, câmbio flexível e equilíbrio fiscal, não existe
mais como antigamente. Outros objetivos do governo entraram em conflito com o
seu funcionamento. A tendência é que a situação piore.
No que se refere à meta de
inflação, pode parecer que não houve alteração. Afinal, é possível que em 2013,
como em 2011 e 2012, a inflação não ultrapasse o teto da meta (6,5%). Além do
mais, a crise internacional justificaria uma flexibilização, com o Banco
Central usando o espaço de manobra permitido pelas bandas do regime -a margem
de dois pontos percentuais para mais ou menos, a partir do centro da meta
(4,5%).
Um olhar mais cuidadoso, no
entanto, mostra outra realidade. Não parece existir uma estratégia por parte do
BC de guiar as expectativas de mercado, e por conseguinte a inflação, para o
centro da meta num horizonte futuro, como se espera da atuação da autoridade
monetária em um regime de metas de inflação.
O nível de atividade da
economia brasileira se recupera agora, em um momento em que a taxa de
desemprego está em um dos patamares mais baixos. A pressão por aumento de
salários deve bater mais forte na inflação quando Dilma estiver se preparando
para a sua reeleição.
Assim, será difícil que o BC
suba a taxa de juros na magnitude necessária para levar a inflação para 4,5% em
2014. Principalmente depois que a presidenta gastou o seu capital político para
alterar a remuneração da poupança e entrou em disputa com os bancos para
reduzirem os juros. E tal ação entraria em conflito com seu objetivo de
crescimento econômico de curto prazo.
O mais provável então é que,
nos anos do governo Dilma, a inflação não chegue perto nem apresente
convergência para o centro da meta. Mesmo com o governo utilizando métodos
pouco convencionais para controlar a inflação, como segurar o preço da
gasolina, com consequências negativas sobre a capacidade de investimento da
Petrobras.
Quanto à segunda perna do
tripé, taxa de câmbio flexível, não existe dúvida de que o governo simplesmente
a abandonou. Está satisfeito com o patamar de R$ 2 por dólar.
É aí que o objetivo do
governo, de defesa da indústria, prejudica o funcionamento do tripé. Ao
intervir, diretamente e verbalmente, no mercado de câmbio, a equipe econômica
impede uma valorização cambial que reduziria a competitividade dos nossos
produtos industriais.
É claro que o governo
consegue manter o câmbio fixo temporariamente. Mas essa política compromete o
trabalho do BC de atingir a meta de inflação. Quando ocorrer uma recuperação
mais forte da economia mundial, com uma maior pressão para valorização do
câmbio, esse conflito ficará mais evidente.
Por fim, a última ponta do
tripé, o equilíbrio fiscal. Ele sempre foi entendido como a gestão das contas
públicas para evitar o descontrole da dívida -daí as metas para o déficit
primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras).
É verdade que o governo
reconheceu que não cumprirá a meta para este ano, como já ocorreu em 2009 e
2010. Como antes, a justificativa dada é a crise internacional: redução de
impostos e aumento dos gastos para ativar a economia. De fato, não há risco no
horizonte de uma explosão no endividamento do governo.
O que preocupa, neste
componente do tripé, são os subsídios para o setor privado que são feitos pelos
bancos oficiais. É uma política feita sem aprovação do Congresso e vendida como
se não gerasse desequilíbrio fiscal. Se não limitarmos essa estratégia, ela
colocará em risco a estabilidade macroeconômica.
Metas para o câmbio, juros e
crescimento de curto prazo não são compatíveis com o tripé macro. O governo
parece já ter feito a sua escolha.
Para Paulo Gala, doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e professor da mesma instituição: NÃO.
Os pilares de nossa política
econômica continuam intactos, só que as metas passaram a ser usadas com bom
senso, não de modo dogmático.
Começo pela questão fiscal.
O Brasil tem hoje uma das
posições fiscais mais robustas do mundo. Basta ver nossos custos de captação de
dinheiro no mercado internacional. Nunca pagamos tão pouco para captar a prazos
longos, indicação clara de que o mercado vê a robustez de nossas contas
públicas.
É fato que o Ministério da
Fazenda já admitiu que não cumpriremos a meta cheia do superávit primário
(diferença entre receitas e despesas não financeiras) neste ano, mas isso deve
ser analisado em perspectiva.
Num contexto de forte
desaceleração mundial e local, ter algum resultado primário é louvável. Basta
comparar o resultado de nossas contas publicas de 2011 com as de outros países
emergentes ou mesmo ricos. Outra comparação possível é a da nossa relação
dívida/PIB, cerca de 35%, uma das menores do mundo. Poucos países apresentam
tal solidez.
O sucesso dos últimos dez
anos, claro, não permite leniência com o futuro. Mas usar essa margem de
manobra em momentos difíceis como o atual me parece fazer total sentido.
Melhor ainda, aliás, se o
superavit não for atingido graças às bem-vindas desonerações tributarias.
Também não é demais lembrar que os cortes da Selic estão trazendo grande
economia fiscal. O deficit nominal zero (que conta os gastos com juros) está
logo ali. O governo Dilma não abandonou a solidez fiscal.
Sobre a questão da inflação,
a mesma lógica se aplica.
O principio está correto,
continua sendo seguido. Novamente, a meta central de inflação de 4,5% não será
atingida. Devemos fechar o ano com um IPCA próximo a 5,5%. Mas daí a dizer que
a inflação está fora do controle -ou que o governo abandonou a meta- há um
longo caminho.
O grande vilão da inflação
por aqui, neste ano, foi a subida de preços de alimentos por causa da seca
americana. O Banco Central poderia ter combatido (talvez em vão) essa subida
com aumentos da Selic, mas é preciso pensar: qual o dilema enfrentado pelo BC
nesse caso?
Subir a taxa de juros e
agravar ainda mais o nível de atividade econômica no Brasil? Ou acomodar o
choque e tolerar uma inflação 1% maior?
O mesmo dilema surgiu em
2011. O BC optou nessas duas ocasiões por não sacrificar ainda mais o já
combalido nível de atividade para seguir dogmaticamente o centro da meta.
A subida de preços dos
últimos dois anos se deveu ao aquecimento do mercado de trabalho e a
importantes choques de oferta nos preços dos alimentos. Vários países emergentes
apresentavam inflação de 12 meses em linha com a brasileira (ou maior) em
outubro último. Nossa inflação não está fora de controle.
Finalmente, a política
cambial.
Há sim um piso informal de
R$ 2 que o governo tenta defender. Mas ele é momentâneo, não uma taxa fixa e
formal nem uma garantia para o futuro, um comprometimento. O regime formal de
câmbio continua sendo o flutuante -ainda que, no contexto atual, flutue muito
pouco, mas nada impede que isso mude.
O governo sabe que o cálculo
de uma taxa "correta" ou "adequada" para o câmbio é muito
complexo e dinâmico. Mas não saber exatamente qual a taxa "correta"
não significa que se ausentar totalmente seja o melhor caminho. O mercado
comete muitos exageros para cima e para baixo, como bem sabemos. Um comportamento
contracíclico do governo não me parece algo ruim.
A experiência internacional
é bastante clara. Não precisamos chegar no extremo da China, que acumulou mais
de US$ 3 trilhões comprando reservas. Basta olhar o que fazem países como
Coreia do Sul, Japão, Tailândia, Malásia e Colômbia.
Os pilares macroeconômicos
são iguais. Agora, há mais pragmatismo.
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