Exclusivamente para o colega de CAEN, atualmente estudando em Portugal, Alexandre Fermanian, a análise de LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, sobre as eleições americanas.
A reeleição de Obama, na
terça passada, deveu-se à radicalização conservadora de seu adversário, que
selou o apoio aos democratas de imigrantes, mulheres e jovens, mas sobretudo às
políticas sociais e à intervenção estatal para enfrentar a crise econômica,
devolvendo à pauta as ideias do economista J.M. Keynes.
Passadas as surpresas de 6/11,
parte dos comentaristas banaliza os resultados das eleições americanas. Assim,
a campanha de 2012 não teria mudado nada em Washington. Barack Obama permanece
na Casa Branca e o Congresso continua dividido como antes: maioria republicana
na Câmara e democrata no Senado. Uma manchete do site do "New York
Times" resumiu essa interpretação: "Obama obtém uma nítida vitória,
mas a balança do poder não mudou em Washington".
Todavia, outros artigos do
jornal nova-iorquino - e da mídia americana - alteram tal perspectiva.
Efetivamente, como nas grandes viradas políticas geradas por um forte
reposicionamento eleitoral, a vitória de Obama tem uma dupla dimensão: ela
provoca a debandada de seus adversários republicanos e reforça o Partido Democrata.
Para além da contagem dos votos
de uns e de outros no Congresso, um Partido Democrata renovado enfrenta agora
um Partido Republicano apoplético: a balança do poder mudou, sim, em
Washington. As longas e polêmicas primárias republicanas fragilizaram a
candidatura Romney.
Em campanha há seis anos, desde
as primárias para a eleição de 2008, o republicano teve primeiro que terçar
armas no seu próprio partido. Na sequência da radicalização inaugurada por
Sarah Palin em 2008, o sucesso de Rick Santorum entre os partidários do Tea
Party e das teses mais conservadoras, levou a campanha republicana muito para a
direita.
Romney teve de correr atrás dos
votos de Santorum, fazendo declarações que queimaram seu prestígio junto aos
republicanos mais liberais, aos latinos e aos trabalhadores das indústrias
socorridas pelo governo federal. Aproveitando essas derrapadas e as
controvérsias sobre o passado empresarial de Romney, os marqueteiros democratas
pegaram pesado, apresentando-o como um ricaço insensível aos pobres.
No meio do ano, um anúncio da
campanha de Obama na TV responsabilizava Romney pelo fechamento de fábricas e
entrevistava metalúrgicos desempregados que o chamavam de "vampiro".
Houve também uma radicalização
de Romney nos temas relativos à política externa e às suas ameaças diretas à
Rússia e à China. Sobretudo ficou patente sua hesitação na política interna e
sua inexperiência diplomática. Chamando Romney de "volúvel"
("ever-changing"), a revista conservadora britânica "The
Economist" declarou seu apoio à reeleição de Obama.
Perdendo o pé junto aos latinos
- que anteriormente pesavam menos no eleitorado e, em boa parte, votavam
republicano -, afastados do eleitorado feminino e dos jovens, os republicanos
saem das eleições enfraquecidos e desorientados. Para alguns comentaristas, a
viabilidade nacional do partido está agora posta em questão.
Tais circunstâncias
permitiram que Obama se situasse como um líder mais coerente na política
econômica e mais moderado no campo internacional. No discurso da vitória, em
Chicago, Obama sublinhou dois pontos que considerava como trunfos de seu
primeiro mandato: "a economia está se recuperando" e "uma década
de guerras está terminando", referindo-se à retirada das tropas americanas
do Afeganistão.
A força e o vigor do partido
democrata nascem do enraizamento da aliança social e política que levou Obama à
Casa Branca quatro anos atrás. Como notaram os editorialistas americanos, o
erro mais importante da direção republicana consistiu em considerar que Obama havia
sido eleito meio por acaso. Para esses dirigentes, o início da Grande Recessão
e o estrondo de setembro de 2008, com a bancarrota do Lehman Brothers, teriam
baqueado o governo Bush e entregado a Casa Branca de bandeja para Obama.
Depois disso sua vitória teria
virado pó. A prova? Obama sofrera uma pesada derrota nas legislativas de 2010
e, num contexto econômico ainda difícil, não teria condições de se reeleger. A
taxa de desemprego beira 8% nos EUA e, desde os anos 1930, nenhum presidente
havia conseguido se reeleger com essa taxa acima de 7,2%. A fieira de
dirigentes europeus derrubados pela crise nas eleições dos últimos anos parecia
confirmar o raciocínio dos republicanos.
Em maio, o portal de notícias
"Examiner", baseado em Denver, perguntou: "A eleição de Obama em
2008 foi um golpe de sorte ("fluke")"? Agora, do jornal
"Washington Post", numa análise de escopo nacional, ao
"Richdmond Times Dispatch", num balanço sobre a Virgínia (Estado
vezeiro no cerceamento do voto das minorias, onde Obama venceu pela segunda
vez), a maioria dos editorialistas constata: 2008 não foi um "fluke",
a reeleição demonstra que o presidente construiu uma base política consistente.
As mulheres solteiras, os
jovens, os latinos, os negros, os asiáticos, os trabalhadores industriais e
setores liberais dos Estados situados nos litorais oceânicos americanos
reelegeram Obama. Essa coalizão deu novo impulso aos democratas, até porque a
maioria democrata no Senado também evoluiu.
Conhecido como "Blue
Dog", o grupo de senadores democratas conservadores ou moderados
reduziu-se, cedendo lugar para senadores mais próximos dos princípios de
solidariedade social e de regulação econômica que têm sido esconjurados desde a
era Reagan (1981-89). Outros pontos do novo perfil democrata são mais sutis.
Ainda em maio, numa entrevista
exclusiva à rede ABC, concedida a uma jornalista amiga, Robin Roberts, Obama
declarou-se favorável ao casamento gay. Ele tomou a iniciativa de caso pensado,
sabendo que a militância mais jovem, essencial na sua campanha, apoia
amplamente tal declaração. Sabia também que a porcentagem dos americanos
favoráveis a essa forma de união passou de 27% em 1996 a 53% em 2012, segundo
pesquisa do Gallup, e que os casais gays são importantes doadores do Partido
Democrata.
A análise detalhada dos
resultados eleitorais imprime um significado histórico à vitória democrata.
Tome-se o caso de dois Estados-chave nesta e noutras eleições, cujo resultado
decide a parada no nível nacional, Ohio e Flórida.
A maioria dos comentaristas
concorda que a vitória de Obama em Ohio (nenhum republicano venceu a corrida
presidencial sem ganhar neste Estado), e no vizinho Michigan (onde o pai de
Romney foi governador, onde ele cresceu e tem parentes) deveu-se à intervenção
e aos empréstimos do governo federal para salvar um milhão de empregos da
indústria automobilística combalida pela crise.
Na hora em que escrevo, a
contagem de votos ainda não terminou na Flórida e o resultado do escrutínio ali
tornou-se irrelevante: Obama ganhou a parada, mesmo perdendo na Flórida. Mas a
apuração indica a vitória democrata. Além disso, num referendo estadual, os
eleitores da Flórida repudiaram restrições ao "Obamacare", a reforma
do sistema de saúde que favorece os pobres e regula as empresas do setor.
Na Flórida, e mais incisivamente
na Virgínia e noutros Estados onde os democratas venceram, pesou o voto dos
latinos e de outras minorias assustadas com a política anti-imigratória
apregoada por Romney. Mas há camadas sociais mais densas que ajudaram a
reeleger o presidente.
As pesquisas de boca de urna
mostraram que Obama venceu entre os eleitores de menor renda (abaixo dos US$
50.000 anuais) e que sua vantagem é ainda maior entre os mais pobres. Nesse
contexto, sua reeleição permite avançar na implementação do novo sistema de
saúde, consolidando a reforma e a base social dos democratas.
O apoio mais amplo do eleitorado
às intervenções do governo federal na defesa dos empregos industriais e na
proteção social, reabilita os investimentos e as políticas públicas.
Considerado peça de museu por
boa parte dos economistas e dos ideólogos, o keynisianismo está de novo na
ordem do dia nos EUA.