domingo, 14 de setembro de 2014

PIAUÍ em dose dupla: Artur Avila e Delfim Netto.

Neste mês a PIAUÍ está em dose dupla e com matérias para leituras extremamente prazerosas.
Destaco a PIAUÍ especial sobre o Fields Artur Avila e a PIAUÍ mensal sobre o czar Delfim Netto: o Chefe.

Boa leitura a todos. 




Os Economistas de Marina Silva.

Leio na FOLHA de S. PAULO, matéria sobre a equipe econômica que colabora com a candidata Marina Silva.

André Lara Resende e Eduardo Giannetti da Fonseca são as estrelas principais, mas a equipe que assessora Marina Silva na área econômica reúne pelo menos outros três profissionais respeitados no meio, embora pouco conhecidos fora da academia.
Os professores Alexandre Rands, da Universidade Federal de Pernambuco, Marco Bonomo, do Insper, e Tiago Cavalcanti, da Universidade de Cambridge, estão na linha de frente da campanha.
Os três contribuíram com a elaboração do programa do PSB antes da morte do ex-governador Eduardo Campos. Mais recentemente, foram convocados a participar ativamente da campanha.
A ascensão de Marina nas pesquisas de intenção de voto tem provocado forte assédio de empresários e investidores interessados em conhecer melhor as propostas da candidata para a economia.
A equipe, enxuta, se desdobra para dar conta dos convites para palestras e encontros com o setor privado.
Um desses eventos, organizado pelo Bank of America/Merrill Lynch na última segunda-feira (8) em São Paulo, foi pensado originalmente para cerca de cem convidados e acabou com uma plateia de quase 500 pessoas.
O número de representantes de Marina aumentou de forma proporcional ao interesse. Inicialmente, falariam apenas Walter Feldman e Bazileu Margarido, coordenadores da campanha de Marina.
A dupla acabou sendo reforçada por quase todo o núcleo da campanha, incluindo o candidato a vice da chapa, Beto Albuquerque, Lara Resende, os irmãos Alexandre e Maurício Rands e o biólogo João Paulo Capobianco.
Bonomo, que até agora vinha atuando apenas na concepção do programa, foi recrutado na semana passada para também representar Marina em eventos públicos.
Acadêmico respeitado --está entre os 20 economistas brasileiros com maior número de artigos em publicações acadêmicas--, Bonomo não está acostumado com os holofotes do debate público.
Ele conta ter conhecido Marina em 2010 e diz que logo se identificou com suas ideias. Mas chegou à campanha pelas mãos de Tiago Cavalcanti e Alexandre Rands, economistas que eram próximos de Eduardo Campos.
Bonomo foi um dos autores das propostas do programa relacionadas ao mercado de crédito. É defensor da redução do papel dos bancos públicos, que, segundo ele, deveriam atuar com foco em nichos específicos, como pequenas empresas e inovação.
"Mas tudo isso deve ser feito com muito cuidado, vagarosamente", disse Bonomo.
Cavalcanti também é crítico do protagonismo assumido pelos bancos públicos na oferta de crédito subsidiado. Seu estudo mais recente afirma que a política de subsídios não tem efeito positivo significativo para a produção e não ajuda os salários.

Assim como Rands, os dois economistas são defensores da importância da avaliação permanente dos resultados de políticas públicas. "Não quero discutir o tamanho do Estado, mas podemos discutir a sua eficiência", afirmou Cavalcanti.

O ajuste de Delfim Netto.

Leio na FOLHA DE S. PAULO  mais um artigo do Mestre Delfim Netto. 

A economia brasileira encontra-se numa situação desagradável, mas longe de estar à beira do apocalipse. Se, entretanto, insistirmos em não enfrentar os seus desequilíbrios, os cavaleiros podem nos visitar...

Na inflação --a despeito de alguns controles-- continuamos a namorar com o limite superior da banda de tolerância, que fingimos ser a "meta". A "boa notícia" é que a distância entre a taxa de inflação registrada nos preços "administrados" e nos preços "livres", que era menor do que 10% no final de 2011 e chegou a mais de 150% em 2013, foi reduzida e se encontra ao redor de 40%.

Na área fiscal a situação em 2014 piorou visivelmente, em parte porque o crescimento do PIB murchou. O deficit fiscal/PIB aproxima-se de 4%. A promessa de superávit primário de 1,9% do PIB, arrancado a fórceps no sufoco da ameaça da perda de rating pela agência S&P, tornou-se irrelevante e a dívida bruta/PIB aparenta um viés de crescimento.

A situação é delicada, mas perfeitamente reversível --sem custos exorbitantes-- com um programa monetário e fiscal coerente e transparente, capaz de dar previsibilidade às políticas públicas e tranquilizar o "espírito animal" assustado por intervenções pontuais bem intencionadas, mas erráticas. Irreversível é o crescimento perdido que vai nos acompanhar pelo resto do tempo.

Onde o ajuste será mais complexo é na política cambial. Voltamos a cometer o erro que nos tem perseguido há décadas: o uso da taxa de câmbio como coadjuvante do controle da inflação como substituto das políticas monetária e fiscal, cada vez que somos premiados com uma melhoria nas "relações de troca", ou seja, cada vez que os preços de nossas exportações crescem mais rapidamente do que os das nossas importações.

Não pode haver dúvida sobre as causas de um fato: não foi apenas a valorização cambial, mas foi principalmente a valorização cambial sistemática, prolongada, previsível, sustentada pelas maiores taxas de juros reais do universo, que destruiu o sofisticado setor manufatureiro nacional. De 2011 a 2014, o deficit comercial do setor manufatureiro foi da ordem de US$ 199 bilhões. É por isso que a indústria, que encolheu cerca de 1,5% ao ano entre julho de 2011/2014, foi a principal causa da murcha do PIB para 1,76% ao ano.


Já devíamos ter aprendido que é tudo inútil. Os especuladores sabem que a desvalorização é uma questão de tempo. Não há outra saída para a recuperação do equilíbrio a não ser a lenta e mais custosa política da "desinflação competitiva", como provaram todos os países que a experimentaram.

A nota em risco.

Editorial da FOLHA DE S. PAULO sobre a recente avaliação da agência Moody's. 

A Moody's, agência norte-americana de classificação de risco, emitiu ontem mais um sinal de alerta a respeito dos fundamentos econômicos do Brasil. 

No ano passado, havia diminuído a perspectiva da nota do crédito brasileiro de "positiva" para "neutra"; agora, passou-a para "negativa". Se for dado um próximo passo nessa mesma direção, o país terá seu crédito rebaixado de acordo com os critérios da agência. 

O Brasil, hoje, está na categoria Baa2, que indica um grau de investimento com risco moderado. Esse patamar é o segundo acima do "especulativo", que implica menor segurança para investidores.

Ainda que estejam desacreditadas desde 2008, quando papéis imobiliários com a nota máxima viraram pó nos EUA, e mesmo considerando conflitos de interesses, já que seus financiadores compram títulos, as agências balizam inúmeros investidores. Alguns, como os fundos de pensão internacionais, por vezes nem podem aplicar em países considerados especulativos.

Não é só por isso, contudo, que o alerta da Moody's deve ser levado em consideração. A agência reuniu três fortes argumentos para justificar sua decisão. O primeiro diz respeito à perda de vigor da economia nacional, que deve permanecer até pelo menos 2015.

Há, além disso, o colapso da confiança empresarial e a retração dos investimentos --estes caíram em nove dos últimos 12 trimestres e estão no mesmo patamar de 2010. Tal comportamento resulta, para a agência, do intervencionismo do governo Dilma Rousseff (PT).

Sem investimento, a capacidade de produção da economia não aumenta, com o que uma expansão do PIB provocará mais inflação.

A falta de crescimento, por sua vez, é um problema para a nota de crédito por comprometer a geração de renda e reduzir a arrecadação. Levando-se em conta os crescentes gastos federais, tem-se um processo de aumento da dívida pública --que, como proporção do PIB, já é cerca de 50% maior que a da média de países de risco similar.

Esse é o terceiro motivo de preocupação da agência. Diante dessa combinação de fatores, os desafios não serão pequenos para o próximo governo, qualquer que seja ele.

Por fim, a Moodys não deixa de destacar pontos fortes da nossa economia: reservas internacionais elevadas, diversificação produtiva e sistema bancário sólido, entre outros. Se não houver alteração no horizonte próximo, entretanto, o corte da nota será inevitável.


A receita para não haver esse retrocesso é conhecida e tem sido repetida por incontáveis analistas brasileiros: restaurar a credibilidade das contas públicas e estabelecer uma gestão competente.

O Banco Central e o direito de crítica.

Editorial do ESTADÃO sobre o caso Alexandre Schwartsman. 

Um dia depois de ter anunciado que impetraria no Tribunal Regional Federal um recurso contra a decisão da primeira instância da Justiça Federal que negou seguimento à queixa-crime oferecida contra o economista Alexandre Schwartsman por entrevistas concedidas aos jornais Correio Braziliense e Brasil Econômico, entre abril e maio, quando chamou os gestores da política monetária de "incompetentes" e "subservientes", o procurador-geral do Banco Central (BC), Isaac Sidney Menezes Ferreira, voltou atrás. Em nota, limitou-se a afirmar que o Banco Central deu o litígio como encerrado sem, contudo, explicitar os motivos do recuo.

Antigo diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, ex-executivo de importantes instituições financeiras privadas, diretor de uma empresa de consultoria econômica, colunista de dois jornais e com doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Schwartsman há muito tempo vinha classificando como "temerária"a política monetária do governo da presidente Dilma Rousseff e cobrando "mais independência" e "menos subserviência" da atual diretoria do Banco Central com relação ao Palácio do Planalto.

Os argumentos de Schwartsman vão na mesma linha das críticas que têm sido disparadas à política monetária do governo por economistas das mais variadas orientações. Por isso, causou surpresa quando o procurador-geral do Banco Central, autorizado pela diretoria do órgão, impetrou uma queixa-crime contra ele, sob a justificativa de que teria passado do campo da "mera opinião" ou da "crítica técnica" para o campo do insulto. Houve "inequívoco desejo de insultar, denegrir, enxovalhar e ultrajar a honra e a imagem do Banco Central e de seu corpo funcional", afirmou o procurador-geral.

Os argumentos invocados pelo procurador causaram perplexidade entre os economistas que atuam no universo acadêmico e bancário. Eles viram na queixa-crime não apenas uma tentativa de intimidação contra um colega conhecido e respeitado que tem exercido o direito de opinião, mas também uma ameaça velada do Palácio do Planalto a todos os analistas do mercado financeiro, para que suspendessem toda e qualquer crítica ao governo num momento em que a campanha eleitoral estava começando. Pela imprensa, alguns diretores do Banco Central alegaram que já haviam avisado a Schwartsman que o processariam, se não moderasse suas críticas à política monetária. E, numa das atas do órgão, assinada pelo secretário do Conselho Monetário Nacional, Henrique Machado, a diretoria registrou que considerou "ofensivas" e "abusivas" as críticas recebidas.

Pelas redes sociais, professores de economia e analistas do mercado financeiro manifestaram solidariedade a Schwartsman, pondo às claras o equívoco da atitude do Banco Central.

Com a queixa-crime, alguns diretores do órgão esperavam calá-lo. Mas, como a iniciativa não passa de uma insensata afronta à liberdade de expressão, o amplo apoio recebido pelo economista, pela internet, acabou dando ainda mais visibilidade às suas críticas. O caso ganhou repercussão nacional e internacional quando a primeira instância da Justiça Federal rejeitou a queixa-crime, reafirmando que o direito de opinião, além de assegurado pela Constituição, é uma garantia fundamental do regime democrático.

Reincidindo em erro, o Banco Central anunciou, por meio de seu procurador-geral, que recorreria dessa decisão. E foi aí que entraram em cena os mais importantes economistas do País, assinando um contundente abaixo-assinado. Para muitos membros da cúpula do órgão, a situação não poderia ser mais patética, uma vez que muitos dos signatários, além de terem sido seus professores, já foram seus superiores hierárquicos na administração pública e até no Banco Central.


Da cúpula do Banco Central espera-se que saiba conviver com a liberdade de expressão e o direito de crítica, não que ameace, intimide e processe quem não reza por sua cartilha.

Monsieur Piketty vai à América Latina.

Do Project Syndicate, uma análise da visão de Piketty para a América Latina.  

Há poucas coisas que emocionam mais a velha esquerda latino-americana que um livro sobre desigualdade escrito por um francês. Então, como era esperado, o livro O Capital do Século 21(Capital in the Twenty-First Century), de Thomas Piketty, tem sido um grande sucesso. Nos dois meses desde a publicação do livro em inglês, alguns ensaios foram escritos, alegando que a grande obra do professor da Escola de Economia de Paris confirma declarações anteriores (geralmente feitas pelo próprio autor) sobre os perigos da desigualdade na América Latina.

Piketty tece uma grandiosa narrativa sobre a dinâmica da acumulação de capital na economia de mercado. Em sua (agora) famosa fórmula, se a taxa de retorno do capital é maior que a taxa de crescimento da economia, a riqueza herdada crescerá mais rapidamente  que a renda salarial, e os donos do capital ter uma participação cada vez mais alta da produção nacional.

Não se pode negar que a distribuição de renda é escandalosamente desigual na América Latina. No entanto, o que surpreenderá os entusiastas de Piketty (muitos dos quais ainda nem leram o seu livro) é que a sua teoria ter pouco ou nada a ver com os aspectos já quantificados da dinâmica de distribuição de renda na América Latina.

Isso ocorre porque a maior parte dos dados sobre a distribuição de renda na América Latina vem de pesquisas domiciliares, que raramente conseguem obter informações confiáveis sobre o quanto ganham realmente essa  classe "rentista" de Piketty, que recebem seus rendimentos como lucros, dividendos ou juros. Por exemplo, os resultados da CASEN 2009, uma ampla pesquisa domiciliar realizada no Chile, sugere que a renda produzida por capital é mais igualmente distribuída que os rendimentos do trabalho.

É claro que ninguém em seu perfeito juízo deveria acreditar nisso. Tais resultados somente revelam que os proprietários de ações e títulos tendem a entregar informação falsa ou incompleta aos pesquisadores.

Isso, por sua vez, revela dois dados - ambos desanimadores - sobre a distribuição de renda na América Latina. Em primeiro lugar, a verdadeira distribuição de ingresso pessoal - que compreende todos os rendimentos, sejam provenientes do trabalho ou de capital - é provavelmente pior do que sugerem os números que geralmente figuram as manchetes da imprensa.

Em segundo lugar, mesmo que se pudesse fazer desaparecer toda a dinâmica do capital que tanto preocupa a Piketty, a distribuição de renda na América Latina continuaria sendo escandalosamente desigual. E a cura para essa má distribuição não reside apenas no considerável imposto sobre a riqueza que Piketty defende.

Por que não? Certamente, se o rendimento do trabalho está repartido de maneira desigual, a redistribuição de ativos ou de renda de capital para os mais pobres pode impulsionar a igualdade. Em um estudo recente, no qual utilizam um novo conjunto de dados que abrange muitos países, economistas do Fundo Monetário Internacional se mostram bastante otimistas sobre o potencial para aumentar a redistribuição sem comprometer o crescimento econômico. Contudo, o mesmo estudo também recorda que há limites do montante das rendas que o regime fiscal pode redistribuir.

Os autores comparam o coeficiente de Gini (um índice da desigualdade que se emprega normalmente, e que consiste em 100 pontos, onde o zero é uma igualdade perfeita e 100 indica uma desigualdade perfeita) antes e depois de aplicar-se os impostos e as transferências fiscais. Esses índices demostram que poucos países redistribuem o suficiente para que se reproduza  uma variação de dez pontos no coeficiente, e que as redistribuições que resultam em mudanças de mais de 13 pontos do coeficiente de Gini tendem a ter um efeito adverso sobre o crescimento.

Os programas fiscais de  redistribuição, pelo menos na América Latina, em geral são de muito menor alcance. A reforma tributária recentemente proposta pela administração da presidente Michelle Bachelet no Chile visa arrecadar 3% adicionais do PIB. Mesmo que não se desperdice nenhum peso desse dinheiro e seja redistribuído completamente para os chilenos mais pobres, é pouco provável que tal reforma reduza o coeficiente de Gini em mais de três pontos.

O problema é que no Chile, o coeficiente de Gini após os impostos é de aproximadamente 50 (semelhante aos números de Brasil, Colômbia e Peru), enquanto em países desenvolvidos esse coeficiente costuma  estar abaixo dos 30, ou até mesmo acima dos 20. Conseguir que o Chile e alguns de seus vizinhos se transformem em países com níveis de igualdade da OCDE ( Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) requer muito mais do que uma reforma tributária.

Em outras palavras, se uma sociedade está muito desnivelada  para a competição desde o início, essa sociedade continuará a ser bastante desigual mesmo após uma redistribuição fiscal considerável. Portanto, a política deve focar-se no que o cientista político Jacob Hacker, da Universidade de Yale, chama de "pré-distribuição": alterando a estrutura de renda salarial determinada pelo mercado.

Existem três principais ferramentas disponíveis para melhorar a pré-distribuição de renda. A primeira: uma reforma educacional - com forte ênfase na formação técnica - isso daria aos cidadãos de baixa renda novas habilidades, as quais poderiam trazer para o mercado de trabalho. Em segundo lugar, as políticas industriais direcionadas criariam uma demanda dos serviços desses trabalhadores e suas novas habilidades. E terceiro, a modernização dos mercados de trabalho facilitaria o ajuste entre as habilidades dos trabalhadores e necessidades especiais das empresas em um contexto produtivo cada vez mais heterogêneo.

Estas condições não são substitutas, mas sim complementares: todas devem ser implementadas ao mesmo tempo. Colocá-las em prática não é tarefa fácil. Na América Latina, os líderes políticos de centro-esquerda, preocupados com a justiça econômica e social, devem dar enfoque às necessidades específicas de cada um de seus países. Não há economista francês cuja magnum opus ofereça um remédio pré-formulado.

Andrés Velasco, ex ministro de finanças do Chile, é professor visitante na Universidade de Columbia.

A Argentina usa e abusa de Keynes.

Do Project Syndicate, matéria especial sobre a Argentina. 

Em 1971, Richard Nixon, presidente republicano dos Estados Unidos, disse numa frase célebre: "Somos todos keynesianos agora". Hoje, o peronista Axel Kicillof, ministro da Economia da Argentina, ecoa este sentimento. Ele está certo?

Kicillof ganhou reconhecimento internacional como a face pública da luta argentina contra os chamados fundos abutres que querem extorquir o pagamento integral de títulos argentinos comprados por centavos de dólar. Mas, antes de entrar para o gabinete da presidente Christina Fernández de Kirchner, Kicillof era conhecido nos círculos intelectuais argentinos como o autor do livro Volver a Keynes (Voltar a Keynes).

Na semana passada, dirigindo-se a um salão dourado, lotado pela elite argentina dos negócios, Kicillof explicou as políticas do governo como uma aplicação prática das teorias keynesianas. Em um discurso de uma hora, ele ressaltou dois pontos-chave.

Primeiro, Kicillof atribuiu o rápido crescimento econômico da Argentina, nos anos entre 2001, do calote da dívida, e 2008, da crise financeira global, à uma reativação keynesiana de demanda agregada doméstica. Keynes fez uma tremenda colaboração intelectual ao mostrar que a oferta em uma economia de mercado não necessariamente cria sua própria demanda, e que déficits de demanda podem causar recessões evitáveis. Esta lógica está em curso na Argentina?

Em 2001, quando a economia argentina implodiu, os cidadãos perderam seus empregos e as empresas o acesso ao crédito, levando a demanda interna ao colapso.

Mas, quando o país abandonou a paridade cambial de um por um em relação ao dólar americano, a taxa de câmbio real sofreu uma forte desvalorização. Isto desviou a demanda por importações para os produtos internos. Em seguida, a alavancada do preço das exportações de alimentos, taxadas pesadamente na Argentina, aumentou a receita do governo,  provendo o dinheiro para financiar os gastos orçamentários inflacionados. Dado o isolamento da Argentina dos mercados financeiros mundiais, o banco central do país pôde cortar as taxas de juros internas com temor limitado de evasão de capital. O impulso fiscal e monetário sustentou uma recuperação rápida.

À primeira vista, Kicillof parece estar certo: este parece um caso exemplar da reativação keynesiana. Mas Keynes não aprovaria as políticas macroeconômicas aplicadas por Christina e por seu predecessor e marido, o falecido Néstor Kirchner.

Uma abordagem keynesiana asseguraria que a oferta não ficasse aquém da demanda. Os Kirchner fizeram com que a demanda superasse largamente a oferta. O fato de a taxa inflacionária anual da Argentina ter-se mantido em 20% ou mais, por mais de uma década, ilustra isto claramente - e isto não pode ser ocultado por taxas de serviço congeladas e manipulação constante do índice de preços ao consumidor.

O segundo ponto de Kicillof foi que as empresas e os consumidores argentinos não devem sucumbir ao pessimismo. Aludindo às teorias de Keynes sobre expectativas autossatisfatórias, ele alertou que, se as pessoas esperam que as coisas deem errado, elas vão dar.

Keynes disse mesmo - e foi uma visão muito importante - que a economia capitalista assemelha-se a um concurso de beleza, com juízes votando não na competidora mais bonita, mas na competidora que eles acreditam que os seus colegas vão achar mais bonita. Mudanças nas expectativas, portanto, podem alterar o resultado.

Mas os argentinos não são pessimistas em relação à economia porque outros argentinos são pessimistas. Eles são pessimistas porque as bases da economia são fracas - uma diferença fundamental.

Em 1991, o economista Paul Krugman, vencedor do Nobel e talvez o mais proeminente keynesiano no mundo hoje, mostrou que o fato de as expectativas serem ou não autossatisfatórias depende das condições econômicas subjacentes. Se as bases da economia são muito fracas, uma crise inevitavelmente irá acontecer mais cedo ou mais tarde. Se as bases são muito fortes, uma crise jamais acontece. E se elas são intermediárias, uma crise só acontece se - e apenas nessas condições - as pessoas esperam que ela aconteça.

Há alguns anos, a zona do euro estava nesta situação. É por isso que o apelo de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, para salvar o euro imediatamente, "custe o que custar", deteve a crise da dívida (a crise de crescimento, é claro, ainda não foi resolvida).

Mas a Argentina não é a zona do euro. Não há nada que Kicillof possa dizer hoje que tenha o mesmo efeito tranquilizador que a promessa de Draghi. Os argentinos hoje sentem-se muito como Dorothy, quando ela aterrissou em Oz pela primeira vez - não estão mais no seguro e familiar "Kansas". Mas Keynes não é o culpado. Kicillof e Kirchner, sim.

Andrés Velasco, ex-ministro das Finanças do Chile, é professor convidado na Universidade de Columbia.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Alexandre Schwarts­man: direito a liberdade de expressão aos economistas de todas as escolas.

Leio na VEJA matéria sobre o economista Alexandre Schwarts­man, citado pela revista como um dos críticos mais mordazes do governo. 
Segundo a VEJA, em artigos, entrevistas e nos relatórios distribuídos aos clientes de sua consultoria, ele desanca com ironia (nem sempre fina) os descaminhos da política econômica que resultaram no estado de crescimento baixo e inflação elevada. “Volta, pibículo!”, pediu ele em sua coluna na Folha de S.Paulo, na semana passada, saudoso dos tempos em que o crescimento não era espetacular, mas ao menos não havia recessão. A atual diretoria do Banco Central (BC) merece, com frequência, comentários ásperos por ter, segundo ele, “jogado a toalha” no que se refere ao objetivo de manter a inflação próximo da meta de 4,5%. Para o BC, entretanto, Schwartsman ultrapassou os limites da análise econômica em declarações que apareceram em duas entrevistas divulgadas neste ano. Em uma delas, publicada pelo Brasil Econômico de 27 de janeiro, o economista disse que “o BC é subserviente e submete-se às determinações do Planalto” e “é só olhar para a gestão do BC para saber que é temerária”. Em outra entrevista, ao Correio Braziliense de 27 de abril, declarou que “o BC faz um trabalho porco e, com isso, a incerteza aumentou”. O procurador-geral do BC, Isaac Sidney Ferreira, considerou os comentários ofensivos à imagem da instituição e apresentou, na Justiça Federal, uma queixa-crime contra Schwartsman, sob a acusação de difamação, delito previsto no artigo 139 do Código Penal. A pena pode chegar a um ano de detenção, mas, por se tratar de um crime contra funcionário público, pode ser acrescida em um terço. Na petição, encaminhada em maio, o procurador-geral argumenta que o economista excedeu, “em franca e deliberada demasia, o seu direito de expressão, ao fazer declarações nocivas à reputação do Banco Central”.
Uma audiência de conciliação foi marcada para 20 de agosto. O advogado de Schwartsman, Jair Jaloreto, sustentou que seu cliente “jamais teve a intenção de difamar alguém nem instituição alguma” e apenas “expressou sua opinião como expert em economia e finanças, calcada em fatos e dados”. Por isso, não aceitava fazer nenhuma retratação. A juíza federal Adriana Delboni Taricco decidiu-se por rejeitar a queixa-cri­me. Na sua avaliação, as críticas “de fato se mostraram bastante contundentes, porém faz-se necessário salientar que não ultrapassaram os limites do mero exercício de sua liberdade de expressão”.
Schwartsman, de 51 anos, ocupou uma diretoria no BC durante três anos, no governo Lula, e foi colega do atual presidente da instituição, Alexandre Tombini. Para o seu advogado, o processo contra o economista teve motivação política, sob o intuito de intimidar “vozes críticas”. “Felizmente, os poderes constituídos conseguem resistir de forma independente”, disse Jaloreto. O procurador Ferreira negou o caráter intimidatório. “O BC sempre terá pleno respeito ao direito de crítica, mas nunca havia deparado com insultos nem assaques desse tipo”, afirmou ele a VEJA. “Não se trata de uma crítica técnica, a qual é sempre bem-vinda. Entendemos que houve crime contra a honra da instituição”, completou, não descartando a possibilidade de recorrer da decisão.

O BC tem o direito de se ofender. Mas, ao processar seu crítico, sujeita-se a uma inevitável e pouco abonadora comparação. Em julho, uma analista do Santander foi demitida depois de ter divulgado um relatório em que afirmava que o fortalecimento de Dilma Rousseff nas pesquisas seria negativo para o investimento em ações.
Ao Alexandre Schwarts­man, o apoio deste blog e, com certeza, de toda a classe de economistas que acreditam na ciência econômica e na liberdade de expressão.    

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...