O economista Antonio Delfim Netto, hoje, na FOLHA DE S. PAULO. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Qual é a sua avaliação sobre o
ajuste fiscal?
Antonio Delfim Netto - O ajuste
fiscal é necessário. No ano passado, ocorreu uma deterioração fiscal muito
profunda. Até dezembro de 2013, a situação era desagradável, mas não tinha
gravidade. O desequilíbrio de 2014 foi deliberadamente produzido para a
reeleição e atingiu seu objetivo. O PT tirou muito proveito disso, porque
continuou com a maior bancada na Câmara. Era visível que precisava fazer um
ajuste em 2015.
Houve estelionato eleitoral?
Não tenho dúvida, é um absurdo tentar negar. Dilma
fez uma mudança na política econômica equivalente à de são Paulo na estrada de
Damasco [Paulo se converteu ao cristianismo em viagem de Jerusalém a Damasco e
se tornou apóstolo]. Essa é uma questão moral que abalou a credibilidade do
governo, mas o importante é o conserto.
E esse conserto da economia vai no rumo
certo?
O ajuste do Levy é bastante razoável. Na parte
trabalhista, as reformas foram importantes e corrigiram distorções horrorosas
[na concessão de pensão por morte e seguro-desemprego].
Aqui precisamos fazer um pouco de justiça ao Guido
[Mantega, ex-ministro da Fazenda]. Ele fez essas medidas e queria que tivessem
sido propostas em 2014. Quem não colocou em prática foi a presidente, porque o
estrago eleitoral teria sido enorme.
Mas é claro que houve um equívoco na concessão de
desconto na Previdência em 56 setores. A desoneração da folha de pagamento
tinha lógica para o setor exportador. Agora será difícil voltar atrás.
Qual é o maior defeito do ajuste fiscal?
A rigor, o ajuste é mais eficiente quanto menos
aumenta os impostos. Por maior que seja o viés ideológico, ninguém é capaz de
dizer que o Estado é mais eficiente que o setor privado. Quando os impostos
sobem, transferimos renda do setor privado para o governo. Ou seja, eleva a
ineficiência e reduz o crescimento.
As medidas serão suficientes para o
Brasil voltar a crescer?
O ajuste fiscal é apenas uma ponte para a retomada
do crescimento. Com o protagonismo do Levy, o governo se afastou. No Ministério
do Planejamento, estavam sendo avaliadas medidas concretas que não foram
anunciadas. Só agora, em junho, que saiu a primeira medida que é o Plano Safra.
Mas o que governo pode fazer sem espaço
para desonerações ou queda de juros?
Apresentar os projetos de concessões, o que só está
previsto para esta semana. Flexibilizar o mercado de trabalho e se antecipar ao
desemprego que está por vir, encontrando mecanismos para minimizar o custo
social. Avançar na reforma do ICMS, que falta pouco para ser fechada.
O governo precisa dizer: eu existo. Propor
programas factíveis que devolvam confiança a sociedade. Economia é só
expectativa. Desenvolvimento é um estado de espírito. Nós vamos voltar a
crescer. É preciso dar à sociedade um pouco mais de tranquilidade. Essa era a
vantagem do Lula. O Lula é um promoter.
Por que o senhor acha que o governo se
escondeu?
O início foi complicado, porque ficou muito visível
a mudança da política econômica. Foi tão brutal que houve uma desintegração.
Esse problema não é apenas econômico, mas também político. A correção de rumo
não foi acompanhada pelo PT.
Sabe o que dizia Tancredo Neves? Quando a esperteza
é muita, costuma comer o dono. O PT foi tão esperto que está sendo comido por
sua esperteza. Vejo muita crítica ao PSDB, partido pelo qual não nutro a menor
simpatia. Mas não dá para imaginar que o PT ia fazer um estrago danado e se
beneficiar dele aumentando sua bancada, e depois o PSDB ia ser suficientemente
idiota para aprovar as medidas.
Quanto tempo o senhor acha que a
economia vai demorar para sair da recessão?
Essa recessão vai durar o quanto for necessário
para recuperar a indústria. A indústria sofreu o efeito dramático da política
cambial. Todos os estímulos foram incapazes de compensar o prejuízo de
valorizar o câmbio para controlar a inflação. Nunca faltou demanda para
produtos industriais. O que faltou foi demanda para produtos industriais feitos
no Brasil.
As importações aumentaram, substituindo produtos
brasileiros, e as exportações caíram. Agora isso começa a ser revertido com o
novo patamar do câmbio. Sem resolver o problema da indústria, não vamos voltar
a crescer.