ANTONIO DELFIM NETTO, mais uma vez um belo texto na Folha de S. Paulo.
Nos idos de 1945/50, na Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP, o prof. Dorival Teixeira Vieira era um autodidata
ranzinza e exigente que ministrava o curso de "Teoria da Formação de
Preços". Usava um quadro negro quadriculado e giz de várias cores para
realizar duvidosas "demonstrações" geométricas. Evitava o cálculo
diferencial em que tinha menor proficiência do que os alunos que haviam
frequentado os cursos de outro excelente autodidata, o prof. Luiz Berthet. Fui
seu aluno, seu admirador e, por fim, seu amigo por toda a vida.
No honesto propósito de nos colocar na fronteira do conhecimento
daquele período, um dia, depois de muito ensaio, aventurou-se numa demonstração
geométrica intuitiva da teoria do equilíbrio geral. Após longo esforço,
acreditou tê-la demonstrado. Um companheiro realmente brilhante, Roberto Keffer
Avelino, fez-lhe a pergunta que até hoje os economistas do
"cientifismo" não responderam: quantas pessoas morrem de fome nesse
equilíbrio? Se nenhuma, acrescentou Keffer, então ele não tem nada a ver com o
Brasil ou com qualquer outro lugar do mundo...
Dois outros professores relativizavam a crença em modelos
abstratos na economia. O autodidata, de inteligência e generosidade
incomparáveis, Luiz de Freitas Bueno, que insistia na nascente econometria,
para dar-lhes consistência; e a única profissional consagrada, a ilustre Alice
Canabrava, que insistia, com toda a razão, que sem a história os modelos eram
vazios e que a "história engajada" os destruía.
Desde cedo, também por influência de outro brilhante autodidata, o
prof. Heraldo Barbuy fomos inoculados com um vírus resistente a aceitar que a
moeda era um mero instrumento facilitador das trocas dotado de algumas
características materiais. Não, a moeda é um fato social que modifica o
comportamento dos agentes. E vacinados, também, contra a ideia que considera o
mercado de trabalho como "natural", igual a um bem qualquer, onde o
preço é determinado pelo encontro da "oferta" e da
"procura". Não, o homem tem uma dignidade própria: ele se constrói e
é o instrumento da construção de uma sociedade civilizada. A separação brutal
entre o "trabalho" e o "capital" que vivemos é apenas um
instante na sua longa construção.
Santo pragmatismo consequencialista! Ele permitiu à FEA-USP
enriquecer-se com uma visão ampla e tolerante do mundo, além de divertir-se com
as maravilhas e sofisticadas formalizações matemáticas da Economia. Ela nunca
esqueceu, entretanto, que só existe para gerar conhecimento que torne mais
fácil eliminar o número dos que morrem de fome e facilitar a construção da
sociedade civilizada.