A FOLHA DE S. PAULO na seção TENDÊNCIAS/DEBATES ao ouvir a opinião divergente de dois especialistas para uma questão propõe um excelente debate de IDEIAS. Nesta semana ela discutiu com dois economistas a questão abaixo e obteve uma aula de economia. Como sempre, na economia, o contraditório é presença constante.
O Brasil está abandonando o
tripé macroeconômico (meta de inflação, superavit primário e câmbio flutuante)?
Para Eduardo de Carvalho Andrade, doutor em economia pela Universidade de Chicago e professor da Faculdade Insper: SIM.
O tripé macroeconômico,
composto por meta de inflação, câmbio flexível e equilíbrio fiscal, não existe
mais como antigamente. Outros objetivos do governo entraram em conflito com o
seu funcionamento. A tendência é que a situação piore.
No que se refere à meta de
inflação, pode parecer que não houve alteração. Afinal, é possível que em 2013,
como em 2011 e 2012, a inflação não ultrapasse o teto da meta (6,5%). Além do
mais, a crise internacional justificaria uma flexibilização, com o Banco
Central usando o espaço de manobra permitido pelas bandas do regime -a margem
de dois pontos percentuais para mais ou menos, a partir do centro da meta
(4,5%).
Um olhar mais cuidadoso, no
entanto, mostra outra realidade. Não parece existir uma estratégia por parte do
BC de guiar as expectativas de mercado, e por conseguinte a inflação, para o
centro da meta num horizonte futuro, como se espera da atuação da autoridade
monetária em um regime de metas de inflação.
O nível de atividade da
economia brasileira se recupera agora, em um momento em que a taxa de
desemprego está em um dos patamares mais baixos. A pressão por aumento de
salários deve bater mais forte na inflação quando Dilma estiver se preparando
para a sua reeleição.
Assim, será difícil que o BC
suba a taxa de juros na magnitude necessária para levar a inflação para 4,5% em
2014. Principalmente depois que a presidenta gastou o seu capital político para
alterar a remuneração da poupança e entrou em disputa com os bancos para
reduzirem os juros. E tal ação entraria em conflito com seu objetivo de
crescimento econômico de curto prazo.
O mais provável então é que,
nos anos do governo Dilma, a inflação não chegue perto nem apresente
convergência para o centro da meta. Mesmo com o governo utilizando métodos
pouco convencionais para controlar a inflação, como segurar o preço da
gasolina, com consequências negativas sobre a capacidade de investimento da
Petrobras.
Quanto à segunda perna do
tripé, taxa de câmbio flexível, não existe dúvida de que o governo simplesmente
a abandonou. Está satisfeito com o patamar de R$ 2 por dólar.
É aí que o objetivo do
governo, de defesa da indústria, prejudica o funcionamento do tripé. Ao
intervir, diretamente e verbalmente, no mercado de câmbio, a equipe econômica
impede uma valorização cambial que reduziria a competitividade dos nossos
produtos industriais.
É claro que o governo
consegue manter o câmbio fixo temporariamente. Mas essa política compromete o
trabalho do BC de atingir a meta de inflação. Quando ocorrer uma recuperação
mais forte da economia mundial, com uma maior pressão para valorização do
câmbio, esse conflito ficará mais evidente.
Por fim, a última ponta do
tripé, o equilíbrio fiscal. Ele sempre foi entendido como a gestão das contas
públicas para evitar o descontrole da dívida -daí as metas para o déficit
primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras).
É verdade que o governo
reconheceu que não cumprirá a meta para este ano, como já ocorreu em 2009 e
2010. Como antes, a justificativa dada é a crise internacional: redução de
impostos e aumento dos gastos para ativar a economia. De fato, não há risco no
horizonte de uma explosão no endividamento do governo.
O que preocupa, neste
componente do tripé, são os subsídios para o setor privado que são feitos pelos
bancos oficiais. É uma política feita sem aprovação do Congresso e vendida como
se não gerasse desequilíbrio fiscal. Se não limitarmos essa estratégia, ela
colocará em risco a estabilidade macroeconômica.
Metas para o câmbio, juros e
crescimento de curto prazo não são compatíveis com o tripé macro. O governo
parece já ter feito a sua escolha.
Para Paulo Gala, doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e professor da mesma instituição: NÃO.
Os pilares de nossa política
econômica continuam intactos, só que as metas passaram a ser usadas com bom
senso, não de modo dogmático.
Começo pela questão fiscal.
O Brasil tem hoje uma das
posições fiscais mais robustas do mundo. Basta ver nossos custos de captação de
dinheiro no mercado internacional. Nunca pagamos tão pouco para captar a prazos
longos, indicação clara de que o mercado vê a robustez de nossas contas
públicas.
É fato que o Ministério da
Fazenda já admitiu que não cumpriremos a meta cheia do superávit primário
(diferença entre receitas e despesas não financeiras) neste ano, mas isso deve
ser analisado em perspectiva.
Num contexto de forte
desaceleração mundial e local, ter algum resultado primário é louvável. Basta
comparar o resultado de nossas contas publicas de 2011 com as de outros países
emergentes ou mesmo ricos. Outra comparação possível é a da nossa relação
dívida/PIB, cerca de 35%, uma das menores do mundo. Poucos países apresentam
tal solidez.
O sucesso dos últimos dez
anos, claro, não permite leniência com o futuro. Mas usar essa margem de
manobra em momentos difíceis como o atual me parece fazer total sentido.
Melhor ainda, aliás, se o
superavit não for atingido graças às bem-vindas desonerações tributarias.
Também não é demais lembrar que os cortes da Selic estão trazendo grande
economia fiscal. O deficit nominal zero (que conta os gastos com juros) está
logo ali. O governo Dilma não abandonou a solidez fiscal.
Sobre a questão da inflação,
a mesma lógica se aplica.
O principio está correto,
continua sendo seguido. Novamente, a meta central de inflação de 4,5% não será
atingida. Devemos fechar o ano com um IPCA próximo a 5,5%. Mas daí a dizer que
a inflação está fora do controle -ou que o governo abandonou a meta- há um
longo caminho.
O grande vilão da inflação
por aqui, neste ano, foi a subida de preços de alimentos por causa da seca
americana. O Banco Central poderia ter combatido (talvez em vão) essa subida
com aumentos da Selic, mas é preciso pensar: qual o dilema enfrentado pelo BC
nesse caso?
Subir a taxa de juros e
agravar ainda mais o nível de atividade econômica no Brasil? Ou acomodar o
choque e tolerar uma inflação 1% maior?
O mesmo dilema surgiu em
2011. O BC optou nessas duas ocasiões por não sacrificar ainda mais o já
combalido nível de atividade para seguir dogmaticamente o centro da meta.
A subida de preços dos
últimos dois anos se deveu ao aquecimento do mercado de trabalho e a
importantes choques de oferta nos preços dos alimentos. Vários países emergentes
apresentavam inflação de 12 meses em linha com a brasileira (ou maior) em
outubro último. Nossa inflação não está fora de controle.
Finalmente, a política
cambial.
Há sim um piso informal de
R$ 2 que o governo tenta defender. Mas ele é momentâneo, não uma taxa fixa e
formal nem uma garantia para o futuro, um comprometimento. O regime formal de
câmbio continua sendo o flutuante -ainda que, no contexto atual, flutue muito
pouco, mas nada impede que isso mude.
O governo sabe que o cálculo
de uma taxa "correta" ou "adequada" para o câmbio é muito
complexo e dinâmico. Mas não saber exatamente qual a taxa "correta"
não significa que se ausentar totalmente seja o melhor caminho. O mercado
comete muitos exageros para cima e para baixo, como bem sabemos. Um comportamento
contracíclico do governo não me parece algo ruim.
A experiência internacional
é bastante clara. Não precisamos chegar no extremo da China, que acumulou mais
de US$ 3 trilhões comprando reservas. Basta olhar o que fazem países como
Coreia do Sul, Japão, Tailândia, Malásia e Colômbia.
Os pilares macroeconômicos
são iguais. Agora, há mais pragmatismo.
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