domingo, 11 de novembro de 2012

Tripé macroeconômico: sim ou não? Sim e Não.


A FOLHA DE S. PAULO na seção TENDÊNCIAS/DEBATES ao ouvir a opinião divergente de dois especialistas para uma questão propõe um excelente debate de IDEIAS. Nesta semana ela discutiu com dois economistas a questão abaixo e obteve uma aula de economia. Como sempre, na economia, o contraditório é presença constante.  

O Brasil está abandonando o tripé macroeconômico (meta de inflação, superavit primário e câmbio flutuante)?

Para Eduardo de Carvalho Andrade, doutor em economia pela Universidade de Chicago e professor da Faculdade Insper: SIM.

O tripé macroeconômico, composto por meta de inflação, câmbio flexível e equilíbrio fiscal, não existe mais como antigamente. Outros objetivos do governo entraram em conflito com o seu funcionamento. A tendência é que a situação piore.
No que se refere à meta de inflação, pode parecer que não houve alteração. Afinal, é possível que em 2013, como em 2011 e 2012, a inflação não ultrapasse o teto da meta (6,5%). Além do mais, a crise internacional justificaria uma flexibilização, com o Banco Central usando o espaço de manobra permitido pelas bandas do regime -a margem de dois pontos percentuais para mais ou menos, a partir do centro da meta (4,5%).

Um olhar mais cuidadoso, no entanto, mostra outra realidade. Não parece existir uma estratégia por parte do BC de guiar as expectativas de mercado, e por conseguinte a inflação, para o centro da meta num horizonte futuro, como se espera da atuação da autoridade monetária em um regime de metas de inflação.

O nível de atividade da economia brasileira se recupera agora, em um momento em que a taxa de desemprego está em um dos patamares mais baixos. A pressão por aumento de salários deve bater mais forte na inflação quando Dilma estiver se preparando para a sua reeleição.

Assim, será difícil que o BC suba a taxa de juros na magnitude necessária para levar a inflação para 4,5% em 2014. Principalmente depois que a presidenta gastou o seu capital político para alterar a remuneração da poupança e entrou em disputa com os bancos para reduzirem os juros. E tal ação entraria em conflito com seu objetivo de crescimento econômico de curto prazo.

O mais provável então é que, nos anos do governo Dilma, a inflação não chegue perto nem apresente convergência para o centro da meta. Mesmo com o governo utilizando métodos pouco convencionais para controlar a inflação, como segurar o preço da gasolina, com consequências negativas sobre a capacidade de investimento da Petrobras.

Quanto à segunda perna do tripé, taxa de câmbio flexível, não existe dúvida de que o governo simplesmente a abandonou. Está satisfeito com o patamar de R$ 2 por dólar.

É aí que o objetivo do governo, de defesa da indústria, prejudica o funcionamento do tripé. Ao intervir, diretamente e verbalmente, no mercado de câmbio, a equipe econômica impede uma valorização cambial que reduziria a competitividade dos nossos produtos industriais.

É claro que o governo consegue manter o câmbio fixo temporariamente. Mas essa política compromete o trabalho do BC de atingir a meta de inflação. Quando ocorrer uma recuperação mais forte da economia mundial, com uma maior pressão para valorização do câmbio, esse conflito ficará mais evidente.

Por fim, a última ponta do tripé, o equilíbrio fiscal. Ele sempre foi entendido como a gestão das contas públicas para evitar o descontrole da dívida -daí as metas para o déficit primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras).

É verdade que o governo reconheceu que não cumprirá a meta para este ano, como já ocorreu em 2009 e 2010. Como antes, a justificativa dada é a crise internacional: redução de impostos e aumento dos gastos para ativar a economia. De fato, não há risco no horizonte de uma explosão no endividamento do governo.

O que preocupa, neste componente do tripé, são os subsídios para o setor privado que são feitos pelos bancos oficiais. É uma política feita sem aprovação do Congresso e vendida como se não gerasse desequilíbrio fiscal. Se não limitarmos essa estratégia, ela colocará em risco a estabilidade macroeconômica.

Metas para o câmbio, juros e crescimento de curto prazo não são compatíveis com o tripé macro. O governo parece já ter feito a sua escolha.



Para Paulo Gala, doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e professor da mesma instituição: NÃO.

Os pilares de nossa política econômica continuam intactos, só que as metas passaram a ser usadas com bom senso, não de modo dogmático.

Começo pela questão fiscal.

O Brasil tem hoje uma das posições fiscais mais robustas do mundo. Basta ver nossos custos de captação de dinheiro no mercado internacional. Nunca pagamos tão pouco para captar a prazos longos, indicação clara de que o mercado vê a robustez de nossas contas públicas.

É fato que o Ministério da Fazenda já admitiu que não cumpriremos a meta cheia do superávit primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras) neste ano, mas isso deve ser analisado em perspectiva.

Num contexto de forte desaceleração mundial e local, ter algum resultado primário é louvável. Basta comparar o resultado de nossas contas publicas de 2011 com as de outros países emergentes ou mesmo ricos. Outra comparação possível é a da nossa relação dívida/PIB, cerca de 35%, uma das menores do mundo. Poucos países apresentam tal solidez.

O sucesso dos últimos dez anos, claro, não permite leniência com o futuro. Mas usar essa margem de manobra em momentos difíceis como o atual me parece fazer total sentido.

Melhor ainda, aliás, se o superavit não for atingido graças às bem-vindas desonerações tributarias. Também não é demais lembrar que os cortes da Selic estão trazendo grande economia fiscal. O deficit nominal zero (que conta os gastos com juros) está logo ali. O governo Dilma não abandonou a solidez fiscal.

Sobre a questão da inflação, a mesma lógica se aplica.

O principio está correto, continua sendo seguido. Novamente, a meta central de inflação de 4,5% não será atingida. Devemos fechar o ano com um IPCA próximo a 5,5%. Mas daí a dizer que a inflação está fora do controle -ou que o governo abandonou a meta- há um longo caminho.

O grande vilão da inflação por aqui, neste ano, foi a subida de preços de alimentos por causa da seca americana. O Banco Central poderia ter combatido (talvez em vão) essa subida com aumentos da Selic, mas é preciso pensar: qual o dilema enfrentado pelo BC nesse caso?

Subir a taxa de juros e agravar ainda mais o nível de atividade econômica no Brasil? Ou acomodar o choque e tolerar uma inflação 1% maior?

O mesmo dilema surgiu em 2011. O BC optou nessas duas ocasiões por não sacrificar ainda mais o já combalido nível de atividade para seguir dogmaticamente o centro da meta.

A subida de preços dos últimos dois anos se deveu ao aquecimento do mercado de trabalho e a importantes choques de oferta nos preços dos alimentos. Vários países emergentes apresentavam inflação de 12 meses em linha com a brasileira (ou maior) em outubro último. Nossa inflação não está fora de controle.

Finalmente, a política cambial.

Há sim um piso informal de R$ 2 que o governo tenta defender. Mas ele é momentâneo, não uma taxa fixa e formal nem uma garantia para o futuro, um comprometimento. O regime formal de câmbio continua sendo o flutuante -ainda que, no contexto atual, flutue muito pouco, mas nada impede que isso mude.

O governo sabe que o cálculo de uma taxa "correta" ou "adequada" para o câmbio é muito complexo e dinâmico. Mas não saber exatamente qual a taxa "correta" não significa que se ausentar totalmente seja o melhor caminho. O mercado comete muitos exageros para cima e para baixo, como bem sabemos. Um comportamento contracíclico do governo não me parece algo ruim.

A experiência internacional é bastante clara. Não precisamos chegar no extremo da China, que acumulou mais de US$ 3 trilhões comprando reservas. Basta olhar o que fazem países como Coreia do Sul, Japão, Tailândia, Malásia e Colômbia.

Os pilares macroeconômicos são iguais. Agora, há mais pragmatismo.

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