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quarta-feira, 3 de março de 2010

LEITURA INEVITÁVEL: DELFIM NETTO

Direto da FOLHA DE S. PAULO, a leitura inevitável de ANTONIO DELFIM NETTO, com o sugestivo título de Discussão extemporânea:

A discussão sobre se o Banco Central deve ou não elevar a taxa nominal de juros (a Selic) diante de uma ameaça de aumento da taxa de inflação está fora do lugar. Por dois motivos: 1º) Porque o Brasil adotou a política econômica canônica utilizada na maioria dos países: a) relativo equilíbrio fiscal e controle da relação dívida pública/PIB; b) política monetária controlada por um Banco Central autônomo que manipula a taxa básica de juros para controlar a taxa de inflação; c) relativa liberdade de movimento de capitais e um sistema de câmbio flutuante; 2º) Porque podemos discutir, "pour épater les bourgeois", se o "Consenso de Beijing" (incompatível com a nossa concepção de vida) não seria melhor do ponto de vista exclusivamente econômico.

O fato concreto é que escolhemos o modelo de administração da nossa economia. Tudo é relativo, mas a verdade é que com ele temos nos saído relativamente bem! E o que ele recomenda quando aumenta a expectativa inflacionária? Que o Banco Central autônomo (e é "autônomo" para isso!) eleve, preventivamente, a taxa de juros nominal acima do aumento da expectativa de inflação, para aumentar o juro real. A discussão é, portanto, extemporânea: fora do tempo desejável ou apropriado.

O que devemos e podemos discutir é a relevância do modelo do Banco Central. Ele depende, essencialmente, de dois parâmetros variáveis estatisticamente fugidios: o PIB potencial e a taxa de juro real de equilíbrio.

Os modelos que utilizamos só explicitam (quando corretamente manipulados) as conclusões já contidas nas hipóteses neles incorporadas. Eles não garantem que as hipóteses ou as evidências empíricas internalizadas têm relação com a "realidade". Os modelos macroeconômicos de demanda e oferta globais para determinar empiricamente a taxa de juro real de "equilíbrio" contrabandeiam, para dentro deles, as crenças e os erros do passado incorporados nos dados disponíveis.

Tais modelos podem indicar que tivemos no passado uma taxa de juro real de "equilíbrio" igual ao dobro da do resto do mundo. O que não podem "provar" é a sua necessidade ou inferir a sua validade empírica para o futuro.

Esta, obviamente, não é uma crítica ao uso dos modelos. Todos nós os usamos a vida inteira. É só uma advertência sobre os cuidados que temos de ter ao encará-los. São instrumentos úteis e mesmo indispensáveis, mas não são oráculos que respondem às perguntas dos crentes!

O que devemos esperar é que o Banco Central aja com moderação e leve em conta a natureza do aumento dos preços e os efeitos colaterais sobre o crescimento, o emprego e a taxa de câmbio.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

DA SÉRIE: LEITURA INEVITÁVEL

Direto da Folha de S. Paulo, um artigo do colega ANTONIO DELFIM NETTO, com o sugestivo nome de “Lucas e a rainha”.
Em novembro de 2008, a rainha Elizabeth da Inglaterra visitou a London School of Economics. Surpreendeu seus professores reunidos com uma pergunta tão inconveniente quanto pertinente: como foi possível que, em mais de um século de dedicação ao estudo e à pesquisa do sistema econômico, a tragédia que tomou conta da economia inglesa não tivesse sido "prevista" e, tanto quanto podem os homens, evitada? Todos sabemos que a London School of Economics nasceu "heterodoxa", em 1895, pelo acidente de uma herança (da ordem de 10.000) deixada por um certo senhor Henry Hutchinson. Este fora "convertido" à doutrina da "Fabian Society" criada em 1884 (basicamente por Sidney Webb e George Bernard Shaw), que seria possível construir (pacificamente!) "uma sociedade eticamente superior à prevalente". Sidney Webb - o executor da herança - nunca foi um marxista (Marx havia morrido em 1883): sempre recusou, intuitivamente, o seu "determinismo histórico". Acreditava, entretanto, na possibilidade de que a análise científica da realidade concreta inglesa poderia sugerir uma sociedade moralmente mais decente. O ar "científico" do marxismo parecia óbvio. E os argumentos realmente antológicos do grande cientista R.B. Haldene (recolhidos depois num artigo que pode ser lido até hoje como "vacina" para prevenir a infecção do "socialismo científico") convenceram Webb (e seu grupo) de que o caminho era mesmo a análise científica da realidade.Na sua origem, ela negava o estudo da economia como parte das artes (o que faziam os "economistas") e tentava levá-lo para o campo das ciências (matemática, física e biologia). Isso encontrou séria oposição de Cambridge e Oxford (inclusive do grande Alfred Marshall). A tristeza é que mesmo esta semente (que a rigor frutificou muito pouco) foi incapaz de responder à crueza da pergunta da rainha! As respostas foram (como sempre) justificativas evasivas: a geologia também é incapaz de "prever" (e logo de "prevenir") os terremotos! A pequena diferença é que não é a ação dos geólogos que produz as flutuações das placas tectônicas! Mas talvez a maior desilusão da profissão tenha sido a resposta do que se supõe ser a "Teoria Econômica Moderna". A pobreza, a falácia, o escapismo e o cinismo da resposta de Robert Lucas (o Nobel de 1995) em "The Economist" (6/8/ 2009) sobre o assunto. O seu artigo ("Em Defesa da Ciência Trágica") foi o enterro de toda a mistificação da pseudociência que tentou substituir a humilde e útil economia política que estava na origem da London School...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

DA SÉRIE: LEITURA INEVITÁVEL - DELFIM NETTO

Conseguimos resgatar na Folha de S. Paulo este artigo de ANTONIO DELFIM NETTO, sobre “Entender o PIB”, que é nossa meta visando antecipar hoje, como estaremos em 31/12/09 e 31/12/10.

Há muitos anos sabemos que o "homem comum", com o qual tem de lidar a política econômica, é um ser gregário, altruísta, mais emocional e menos racional do que o frio e calculista "homem econômico". Este é uma conveniente máquina individualista e egoísta, que maximiza seus benefícios e minimiza seus sacrifícios, com a qual a profissão às vezes se diverte na tentativa de entender como funciona o sistema econômico.

Sendo assim, a reação de cada agente econômico às novas informações depende não apenas do seu entendimento mas também do entendimento e da reação dos outros.

Cria-se uma espécie de rede informal e invisível que "coordena" a resposta coletiva. É por isso que existem "ondas" de "otimismo" ou "pessimismo" e o comportamento da sociedade ou é de "rebanho" (quando há certeza sobre o futuro) ou de "manada" (quando o nível de incerteza cresce). Isso mostra a importância de prevenir os agentes econômicos sobre o significado real da informação, de forma que possam sempre relativizá-la dentro do contexto e evitar a resposta exagerada. Para dar um exemplo, tomemos as possíveis informações sobre o comportamento do nosso PIB em 2009.

Costuma-se medir a evolução do PIB comparando crescimento anual entre o mesmo trimestre de dois anos consecutivos, o que evita a influência das variações estacionais. Entre o terceiro trimestre de 2007 e o de 2008, o crescimento anual do PIB foi de 6,8%. Na comparação entre os quartos trimestres, ele caiu dramaticamente para 1,3%. O crescimento anual 2008/ 07 ainda foi de 5,1%. A crise que importamos em setembro de 2008 começa a dar sinais de ceder no início do terceiro trimestre de 2009.

As notícias que teremos no futuro sobre o PIB serão dramáticas, mas estarão refletindo apenas o que já aconteceu.

Suponhamos (não é uma "previsão", mas uma simples hipótese): a) que o PIB do 1º trimestre de 2009 tenha sido 2% inferior ao do 4º trimestre de 2008; b) que no segundo trimestre tenha se mantido no mesmo nível e c) que a partir do 3º trimestre ele cresça, sobre o trimestre anterior, 1% até o fim de 2010. O que revelariam as estatísticas do IBGE? Os números seguintes do crescimento anual de trimeste/trimestre: 1º trimestre 2009/08, -2,4%; 2º trimestre, -3,9%; 3º trimestre, -4,6% e 4º trimestre, zero.

O crescimento anual 2009/08 seria de -2,7%. A boa notícia é que em 2010 ele seria de 3,8%. O ponto importante a destacar é que, quando a dramática "nova" informação do 3º trimestre (queda de 4,6%) for feita, em janeiro de 2010 pelo IBGE, o PIB brasileiro já estaria crescendo 3%!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

DA SÉRIE: LEITURA INEVITÁVEL

Direto da Folha de S. Paulo, o Professor Delfim Netto cita que a formação acadêmica do economista deve ser mais ampla do que muitos pensam. O economista conhecendo os vários ramos da ciência, com certeza obterá melhores resultados em suas pesquisas. Com vocês, o texto "A 'RECEITA'", do nosso colega Delfim Netto.

Desde sempre os economistas buscaram "receitas" que produziriam o desenvolvimento.
Adam Smith, muito antes de publicar a "Riqueza das Nações", já propagava a sua: "Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas" ("Essays on Philosophical Subjects", 1755).
Dois séculos depois (no início dos anos 90), quando a população mundial era seis vezes maior e o PIB per capita 11 vezes maior do que em 1755, os economistas pensaram ter encontrado a fórmula mágica com o famoso Consenso de Washington.
Este insistia, equivocadamente, no Estado "mínimo", mas muitas das suas prescrições (equilíbrio fiscal, taxa de câmbio "realista", por exemplo) eram corretas. Ele foi muito criticado pelo que nunca sugeriu: a plena liberdade de movimento de capitais!
A crítica fundamental é que ele, como em geral toda a teoria do desenvolvimento, ignorou o papel da história, da geografia e do que se pode chamar da "cultura" dos países. Cultura é um conceito abstrato, difícil de definir, porque envolve a própria forma de viver da sociedade (as crenças, o conhecimento, as leis, os costumes, a arte, a moral), mas é importante para organizá-la para o desenvolvimento econômico e social.
Recentemente (setembro de 2004), um grupo de excelentes economistas reuniu-se em Barcelona e divulgou uma "agenda" (na realidade, uma "receita aberta") para explorar as "perspectivas de crescimento e de desenvolvimento" dos países emergentes. A diferença de novo enfoque é visível na sua primeira recomendação: "O raciocínio econômico básico e a experiência internacional sugerem que a qualidade das instituições, tal como o respeito às regras da lei e o direito de propriedade, somada à orientação do mercado, com um balanço apropriado entre ele e o Estado, e uma atenção à distribuição da renda estão na raiz das estratégias de desenvolvimento bem-sucedidas".
E continua: "Encorajar os países em desenvolvimento a copiarem mecanicamente as instituições dos países ricos -como as instituições financeiras internacionais tendem a fazer- pode produzir mais danos do que benefícios".
O desenvolvimento econômico e social é, numa larga medida, idiossincrático. E isso deve ser levado em conta na formação acadêmica dos economistas. É claro que eles precisam conhecer a literatura internacional, mas é ainda mais claro que devem ter vivência e estudo da história, da geografia e da "cultura" do país em que estão inseridos.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

DA SÉRIE: ECONOMIA - LEITURA INEVITÁVEL

  • Neste blog temos, por enquanto, duas séries: uma com o título "ECONOMIA - LEITURA INEVITÁVEL", onde estão textos que, concordando ou não com eles, entendo sejam assuntos que não podemos evitar conhecer. A outra série tem o título "ECONOMIA - VOCÊ SABIA?" onde constam questões econômicas que até por serem tantas, sempre é bom uma revisão ou atualização de algum tema.
  • Nesta postagem, vamos ler direto da Folha de S. Paulo, o colega Delfim Netto escrevendo sobre os grandes e influentes Keynes e Marx, que é o título do próprio artigo. Boa leitura. 
  • MARX E KEYNES têm pelo menos três curiosos paralelismos. Primeiro, um bando de fanáticos dogmáticos que pretendem ter o monopólio do entendimento de suas teorias transformaram-se em sacerdotes de suas igrejas. Dizem (e, quando têm poder, fazem!) as maiores barbaridades em nome dos seus deuses, comprometendo as suas memórias. 
  • Segundo, a relação dos dois com economistas que os precederam envolve um considerável cinismo e a sutil apropriação de ideias que reconhecem muito mal. Os dois foram, obviamente, fatos novos. O problema é que se pretendem sem raízes. 
  • A relação de Keynes com Marx é das mais ambíguas. As referências a Marx na "Teoria Geral" (1936) ou são inócuas ou depreciativas. Ainda em 1934, ele diz a Bernard Shaw que "meus sentimentos em relação ao "Das Kapital" é o mesmo que tenho em relação ao Alcorão...", reafirmando o que já havia dito em 1925: que não podia aceitar uma doutrina fundada numa "bíblia acima e além de qualquer crítica, um livro-texto obsoleto de economia que eu sei que é cientificamente errado e sem interesse de aplicação no mundo moderno". 
  • O enigma (o "conundrum", como diria um velho ex-quase "maestro" do Fed que ajudou a meter o mundo na confusão em que se encontra) é que em 1933 Keynes estava elaborando a sua revolucionária Teoria Monetária da Produção. Nela, a moeda produz efeitos reais sobre a produção e o emprego, ao contrário do que supõe, até hoje, a maioria dos economistas, para os quais a moeda é neutra no longo prazo. 
  • De acordo com notas publicadas por alguns alunos, ele se referia nas aulas ao famoso problema da "realização", isto é, a possibilidade de vender a produção para "realizar" o seu valor em moeda, e dizia que "em Marx há um núcleo de verdade"! 
  • Chegou a utilizar a conhecida fórmula de Marx em que este havia mudado a ênfase de uma economia de trocas: trocar bens ("commodities" em inglês) por moeda, para comprar bens (C-M-C), para uma economia da produção, onde a moeda compra bens para a produção e esta é vendida por moeda (M-C-M). Esta mudança na forma de ver o mundo é uma das bases da construção keynesiana. 
  • O terceiro ponto é que a conclusão da obra de ambos não deixa de ser paradoxal e frustrante. Marx comprometeu sua vida estudando o capitalismo e, por isso, não teve tempo de nos ensinar como construir o socialismo; Keynes construiu uma teoria para salvar o capitalismo e terminou com uma receita ("a coordenação estatal dos investimentos para manter o pleno emprego") que não conseguiu explicar como realizar sem levar a alguma forma de socialismo...   

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...