Hoje, 31 de maio, domingo em que se comemora Pentecostes, passados 50 dias da Páscoa, faz exatos 80 dias da declaração pela qual a OMS definiu como pandemia o surto da doença causada pelo novo coronavírus (covid-19).
Parece pouquíssimo tempo quando se tem em conta as voltas que o mundo deu, evocando comparações, em vista do que ainda temos pela frente, com o assassinato do arquiduque em 1914 e a invasão da Polônia em 1939.
Entretanto, esta primeira fase da pandemia parece interminável, sobretudo para quem está em confinamento, vivendo dias que passam em angustiante lentidão, noites em claro e tardes caindo como viadutos (saudações, mestre Aldir Blanc).
O sofrimento parece ampliar a sensação do tempo, daí a compreensível ansiedade em iniciar uma “segunda fase” da pandemia, mesmo sem ter tocado nenhuma sirene assinalando o fim do bombardeio, e mesmo que os especialistas não estejam de acordo sobre os novos protocolos.
Vamos adotar um “novo normal”, que não se sabe bem como é, mas gradualmente, experimentando cada novo procedimento, um de cada vez, conforme o estágio da epidemia, e de acordo com o lugar e com a atividade. E sempre com a opção de recuar na presença de uma nova onda, mas tomara que não seja necessário.
Só se sabe que o lockdown não pode ser mantido indefinida e indiscriminadamente.
Já parecia haver acordo que a “segunda fase” da epidemia seria mesmo confusa num país heterogêneo e desigual como o nosso, habitualmente descrito como a Belíndia, no qual a porção belga teria melhores capacidades, relativamente à outra, para lidar com o isolamento social.
Não obstante, a heterogeneidade nos comportamentos dos Estados brasileiros diante da epidemia superou qualquer expectativa quanto à existência de vários Brasis.
É impressionante o contraste, a julgar pelo número de mortos por milhão de habitantes entre os Estados do Sul: RS (7,62), SC (8,14) e PR (8,77), relativamente à região Norte: AM (178) e PA (45). O contraste também é marcante com relação ao Sudeste (SP: 65,8 e RJ: 69,4) e alguns Estados do Nordeste (PE: 83,5 e CE: 92,3), mas não todos (RN: 20,4 e BA:10,4).
Um Estado que tem a cara do Brasil, pela extensão territorial e diversidade, como MG, exibe um número particularmente baixo: 4,56.
O que há em Minas que não se encontra noutros Estados?
É claro que os determinantes desses comportamentos regionais diversificados têm algo a ensinar sobre a dinâmica do contágio, e sobre o desenho de estratégias locais de desconfinamento.
Há muito a entender sobre a relação entre a velocidade de contágio e sua métrica já bem conhecida, o “R-zero”, e fatores geográficos, demográficos e socioeconômicos, as características das cidades e particularmente suas redes de transporte público e mobilidade, bem como as políticas adotadas por diferentes autoridades locais.
As soluções não precisam estar em países distantes, mas, às vezes, em um município vizinho.
Como as situações regionais são diferentes, inclusive pelo fato de a epidemia estar em diferentes estágios, faz todo sentido que o tratamento seja descentralizado, como de fato se passa na administração da Saúde no Brasil, aliás, em obediência à Constituição (Art. 23 ii) que define a saúde como “competência comum” de União, Estados e municípios.
As palavras-chave aqui são consenso, coordenação, transparência e governança, conceitos bem conhecidos de muitos gestores públicos (mas não todos!) e, particularmente, críticos num quadro de emergência sanitária.
Municípios, condomínios, assim como países, podem tropeçar de forma nada menos que bizarra se suas lideranças não souberem trabalhar a coesão social, sem a qual há muitos perigos em atividades simples, como andar de elevador e atravessar a rua.
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS
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