Na FOLHA DE S. PAULO, Vinicius Torres Freire, essencial e didático.
Quebramos. O governo federal do Brasil está quebrado.
Não é novidade. No fundo, é força de expressão: o governo vai continuar a pagar as contas: vai ainda tomar emprestado, sabe-se lá até quando e a que custo (juros altos, dívida crescente e economia estagnada). No limite do desastre, sem crédito viável, fabrica dinheiro e paga as contas, ao custo de inflação desembestada
Quebramos? Não tem volta? Tem. Nessa volta, teremos de subir uma escadaria de joelhos nus sobre o milho, com uma pedra nas costas.
Se ainda era necessário um alerta final, tivemos a sexta-feira (20). Foi então que o governo anunciou que o deficit deste ano pode chegar a R$ 170 bilhões, o triplo do deficit teratológico de 2015 (já descontadas as despesas extraordinárias das "despedaladas" de 2015).
É um deficit 75% maior que o previsto pelo moribundo governo Dilma Rousseff, faz apenas uns dois meses. Em escala menor, é um episódio Grécia 2010: a lambança e a mentira eram maiores do que se imaginava.
Suponha-se, com razão, que o governo Temer tenha exagerado a herança maldita. Feitas contas alternativas e descontadas despesas extraordinárias, digamos que o deficit esteja correndo na casa de R$ 125 bilhões (deficit primário: em que não entra a despesa de juros).
O que são R$ 125 bilhões? Por exemplo, é o gasto total com os salários dos funcionários públicos federais. São mais de quatro anos e meio de Bolsa Família. É mais que o dinheiro que se paga por ano aos 8,4 milhões de aposentados da Previdência Rural. É um terço da despesa da Previdência. É colossal.
Dá para cortar? Algo, sempre dá. Mas o dinheiro cortável, aquela parte do Orçamento que não está comprometida com gastos obrigatórios, equivale a uns R$ 115 bilhões. Mexer em gasto obrigatório exige mudança de lei: em aposentadorias, em salários, no piso das despesas com saúde e educação.
Supondo que fosse possível cortar sem mais R$ 125 bilhões, o deficit primário cairia a zero. Melhor, mas insuficiente. No zero a zero, a dívida pública continua crescendo.
É verdade que a receita do governo cai sem parar praticamente desde março de 2014, em termos anuais. Desde então, foram-se R$ 142 bilhões, em termos reais (descontada a inflação). Parte maior da perda se deve à recessão; outra parte se deve às reduções de impostos de Dilma 1.
Sem aumentos de impostos, essa receita perdida não vai voltar a correr para os cofres do governo antes que o país recupere o PIB perdido na recessão. E olhe lá. Leva anos, com bom crescimento da economia. Para piorar, desde março de 2014 a despesa cresceu R$ 86 bilhões.
Será preciso esquecer, por vários anos, a meta de contas no azul (superavit primário) bastante para evitar o crescimento da dívida. A proposta modesta de agora é zerar o deficit primário, arrumar uns R$ 125 bilhões e dar um jeito de fazer a economia crescer o quanto antes.
Difícil zerar essa conta sem um baita aumento de impostos e outro tanto de corte dolorido de gastos. Quem acha que é possível fazer tal coisa sem mais impostos justamente distribuídos está brincando, entre outras coisas, com a ideia de que esfolar o povo sai de graça.
vinicius.torres@grupofolha.com.br