sexta-feira, 1 de abril de 2011

Krugman sempre é uma boa leitura!

Neste momento, os déficits não importam – o que todas as evidências comprovam. Entretanto, existe uma corrente de pensamento – o pessoal da moderna teoria monetária – que afirma que os déficits NUNCA têm importância, desde que os países tenham sua própria moeda.

Gostaria de concordar com esta visão – e não é uma briga que eu queira particularmente, uma vez que o perigo claro e presente para a política decorre dos pavões do déficit da direita. Mas para que isto seja registrado, não é bem assim.

A coisa fundamental que devemos lembrar é que as atuais condições – enorme excesso de capacidade na economia, e uma armadilha da liquidez na qual a dívida de curto prazo dos governos carrega um juro próximo do zero – um dia deixarão de predominar. Enquanto elas PREDOMINAREM, não importa de quanto o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) aumentará a base monetária, e portanto não importa que porcentagem do déficit será transformada em dinheiro. Mas isto também passará, e quando passar, as coisas serão muito diferentes.

Portanto, suponhamos que acabemos voltando para uma situação na qual os juros são positivos, de modo que a base monetária e as letras do Tesouro sejam mais uma vez substitutos imperfeitos; além disso, estamos a tal ponto perto do pleno emprego para que a rápida expansão econômica mais uma vez poderá nos levar para uma inflação. A última vez em que nos encontramos nesta situação, a base monetária estava em torno dos US$ 800 bilhões.

Suponhamos agora que nos encontremos novamente naquela situação em que o governo ainda registra déficits superiores a US$ 1 trilhão ao ano, ou seja, cerca de US$ 100 bilhões ao mês. E agora suponhamos que por qualquer motivo, nos deparamos de repente com uma greve dos compradores de títulos – ninguém está disposto a comprar títulos da dívida dos EUA, exceto a juros exorbitantes.

E então? O Fed poderia financiar diretamente o governo comprando a dívida, ou poderia lavar o processo mandando os bancos comprarem a dívida e depois vendê-la por meio de operações de mercado aberto; de qualquer maneira, o governo na realidade estaria financiando a si mesmo mediante a criação da base monetária. Então?

Bem, no primeiro mês, o financiamento aumentaria a base monetária em cerca de 12%. E no meu ambiente hipoteticamente normal, seria de esperar um aumento geral do nível dos preços (com algum atraso, mas isto não é crucial) mais ou menos proporcional ao aumento da base monetária. E o aumento dos preço, à primeira vista, elevaria proporcionalmente o déficit.

Portanto, estamos falando de uma base monetária que aumenta 12% ao mês, ou cerca de 400% ao ano.

Isto significará uma inflação de 400%? Não, significa mais – porque as pessoas encontrariam meios de evitar ficar com dólares na mão, elevando ainda mais os preços.

E poderia continuar, mas vocês entenderam: uma vez que não nos encontramos mais numa armadilha de liquidez, registrar grandes déficits sem acesso aos mercados de títulos é uma receita para uma inflação extraordinariamente elevada, talvez até uma hiperinflação. E o que quer que se insista em fluxos financeiros reais, em quem compra o que de quem, nada fará com que este ponto desapareça: se financiarmos os déficits com a criação de uma base monetária, alguém terá de ser convencido a ficar com a base adicional.

A esta altura, preciso dizer que NÃO ACREDITO QUE ISTO POSSA ACONTECER – os Estados Unidos estão muito longe de perderem o acesso aos mercados de títulos, e em todo caso ainda nos encontramos no território da armadilha de liquidez e provavelmente continuaremos nele por algum tempo ainda. Mas a ideia de que os déficits nunca sejam importantes, que o fato de termos uma moeda nacional independente pode fazer com que todo o problema desapareça, é alguma coisa que não compreendo.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Vocês vão ter de me engolir.

Gosto de ler na FOLHA DE S. PAULO os artigos do Vinícius Torre Freire, conforme o abaixo:

Aos poucos, mas de modo firme e cada vez mais explícito, o Banco Central vai dizendo a economistas e à praça uma frase à la Zagallo: "Vocês vão ter de me engolir".

O pessoal do BC é, claro, muitíssimo mais circunspecto e educado. Mas o fato é que não está dando muita bola, se alguma, a críticas até estupefatas de economistas do setor financeiro às mudanças na política monetária - juros, grosso modo.

A tranquilidade do BC e a reafirmação das mudanças ficaram evidentes no "Relatório de Inflação", publicado ontem.

Nesse calhamaço, o BC trimestralmente diz em miúdos o que pensa a respeito do andamento da atividade econômica, explica mais o fundamento de suas decisões e publica pequenos estudos.

O "Relatório" de ontem foi uma espécie de homologação em livro do que o BC afirma desde dezembro por meio de atos, entrevistas e textos mais circunstanciais, como a ata que explica as decisões do BC sobre a taxa de juros.

Está lá escrito no "Relatório" que:

1) Este BC não vai se amolar de levar a inflação de volta à meta oficial e legal de 4,5% no período estrito de um "ano-calendário" ou outro;

2) Este BC acredita muito mais que os seus antecessores (desde 1999) que há políticas e fatores muito diversos a pressionar a inflação;

3) Isso posto, não vai aumentar as taxas de juros se puder contar com outros meios, próprios ou não, de reduzir a inflação, como medidas alternativas de controle de crédito, a política fiscal e o arrefecimento da inflação devido a fatores que não controla (como choques de preços, como os de commodities).

Tais afirmações permeiam as 145 páginas do "Relatório". São ressaltadas nos "boxes", quadros em que são discutidos brevemente tópicos teóricos e empíricos de economia.

Estão lá discussões a respeito de como o corte de gasto público pode, no Brasil, ter efeito até mais significativo na contenção da inflação; de como os preços têm pulado devido a choque de preços de commodities no Brasil, e como isso demanda uma resposta mais cautelosa do BC.

Enfim, está lá uma previsão de que a "nova política monetária" vai conter o ritmo do PIB e o consumo das famílias, que, na estimativa, devem crescer em torno de 4% neste ano (ante mais de 7% em 2010). O BC confia ainda numa grande desaceleração do gasto público. No mais, vê-se ali e aqui coincidência de linguagem entre BC e Fazenda.

De tempos em tempos, a direção do Banco Central promove reuniões com economistas do setor privado. O pessoal do BC em geral fala pouco e ouve análise da conjuntura.

Na reunião de meados de março, a primeira do BC "sob nova administração", o clima do encontro não foi lá muito amistoso, embora a impressão sobre o grau de azedume do colóquio tenha variado de acordo com a insatisfação dos presentes com a mudança no BC. Mas houve economista sério a dizer que "o mercado perdeu o respeito pelo BC".

Segundo relatos, foi o encontro em que mais houve divergência entre BC e mercado. No dia a dia, ouve-se mais crítica ao novo modus do BC, pelo menos entre economistas - os banqueiros estão mais tranquilos. A mudança no BC é até agora a maior, talvez única, do governo Dilma Rousseff. Foi uma escolha de risco. Que vai mudar muita coisa "neste país" se vier a dar certo. Do que vamos saber só lá pelo final do ano.

O passado impregna a política fiscal

Ao afirmar que um novo aporte do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a concessão de crédito não é contraditório com a decisão de cortar gastos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ressuscitou uma visão dos anos 1950 e 1960, segundo a qual "crédito à produção não é inflacionário". Para ele, o financiamento do BNDES vai ampliar o investimento e, assim, a oferta. A seu ver, isso é diferente de gastos do orçamento.

No passado, professar essa visão era uma forma de se opor a medidas de contenção do crédito do Banco do Brasil (BB), que então exercia funções de banco central. O BB podia expandir seus empréstimos sem necessidade de captar recursos no mercado, pois detinha na prática o poder de emitir moeda. Suas operações expandiam a demanda e geravam pressões inflacionárias.

Os defensores da tese argumentavam que o financiamento do BB expandia a produção. Quando os empréstimos fossem pagos, a moeda seria recolhida. Acontece que o crédito gerava demanda antes de a produção se expandir, pois os recursos serviam para pagar salários e adquirir bens e serviços. Se a tese fosse correta, não haveria país pobre. Bastaria emitir dinheiro para financiar a produção.

Uma das inspirações da reforma bancária de 1964, que criou o Banco Central, foi a de estabelecer mecanismos de controle da expansão dos empréstimos do BB. Suas operações deveriam conter-se em limites previstos no orçamento monetário. Ocorre que o suprimento de recursos ao BB continuou o mesmo de antes, agora via BC. O relacionamento entre o BB e o BC se fazia por meio da "conta de movimento".

Na época, a restauração da capacidade do Tesouro de emitir dívida pública tornou possível neutralizar as emissões de moeda. Quando os empréstimos do BB excediam a captação de recursos, a "conta de movimento" supria a diferença, automaticamente. O BC buscava recolher as emissões mediante expansão da dívida pública, cuja expansão era autorizada pelo Conselho Monetário e não pelo Congresso.

A dívida pública crescia não para financiar um déficit no orçamento da União, mas para apoiar a expansão dos empréstimos do BB. Esquema semelhante se aplicava ao BC, que financiava a agricultura, a agroindústria e as exportações via repasses e refinanciamentos a instituições financeiras.

As distorções desse arranjo estão na origem do quadro hiperinflacionário dos anos 1980 e 1990. Reformas concebidas entre 1983 e 1984 e implementadas a partir de 1986 puseram fim ao atraso institucional. A "conta de movimento" foi extinta, o BC perdeu as funções de fomento e se criou a Secretaria do Tesouro Nacional. O orçamento monetário foi abolido. No ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal coroou esse processo.

A Fazenda restabeleceu o antigo esquema, minando a previsibilidade, a transparência e a credibilidade das finanças públicas federais. Primeiro, passou a emitir dívida pública para o BNDES efetuar empréstimos subsidiados e não para financiar um déficit orçamentário. Nada transita pelo orçamento, exceto os subsídios do Programa de Sustentação de Investimentos (PSI). É a pura recriação da "conta de movimento".

Ao declarar que os empréstimos do BNDES vão gerar oferta, o ministro assume um equivocado conceito que se pensava enterrado. Parece que ele precisava de uma explicação para o aporte de mais R$ 55 bilhões ao BNDES, logo em seguida ao anúncio do corte de R$ 50 bilhões no orçamento. Confiante na sua explicação e apoiado nas declarações recentes da presidente, que foram na mesma direção, ele assegurou mais R$ 5 bilhões ao banco.

Ao contrário, os empréstimos do BNDES têm impacto relevante na demanda agregada, exatamente igual ao de outros desembolsos do Tesouro, como os do Bolsa Família. A diferença está na aplicação dos recursos e nos efeitos de médio e longo prazo. No caso dos empréstimos do BNDES, os recursos beneficiam grupos que recebem os subsídios. No do Bolsa Família, os recursos amparam segmentos menos favorecidos da sociedade (com sucesso evidente nos últimos anos).

É verdade que os investimentos financiados pelo BNDES podem expandir efetivamente a produção e elevar a oferta de forma significativa, mas isso deveria sempre ser ponderado por seus respectivos custos e, principalmente, levando em conta o impacto fiscal e os efeitos sobre a demanda, que são imediatos.

A continuidade do suprimento ao BNDES com recursos do Tesouro resulta na expansão do endividamento bruto, que será impactado pelo crescimento de mais de 1,5% do PIB (R$ 60 bilhões) na dívida mobiliária.

O Ministério da Fazenda constituiu, no passado, o centro de resistência às pressões para expandir o crédito subsidiado por instituições financeiras oficiais, mediante emissão de moeda ou expansão da dívida pública. Nele nasceram, nos anos 1980, os estudos que permitiram importante avanço institucional das finanças públicas.

É lamentável constatar que a pasta tenha se tornado o oposto, assumindo visões antiquadas, e a liderança de medidas que nos levam de volta a situações que pareciam fazer parte apenas de um mau pedaço de nossa história.

Mailson da Nóbrega economista e ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria.

Felipe Salto economista pela FGV-EESP e mestrando em Administração Pública e Governo pela FGV-EAESP, é analista da Tendências

quarta-feira, 30 de março de 2011

Antenado

O economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, publicou no último dia 23 (http://tinyurl.com/4gp3gaz) um resumo das conclusões de uma importante conferência ("Repensando a política macroeconômica") patrocinada pelo organismo.

Ela reuniu o que há de mais significativo no mainstream da teoria macroeconômica para uma reflexão sobre a profissão. Quebrou-se o "encanto".

Mesmo os mais renitentes reconhecem que a era da moderação, que antecipou a crise, tinha pouca coisa a ver com as virtudes da política produzida pelos bancos centrais, supostamente apoiados numa "ciência".

Agora que o futuro é passado, sabemos que a crise foi gerada por uma soma de equívocos cometidos sob os olhos dos bancos centrais, portadores da ideologia que os "mercados" eram capazes de controlar os riscos embutidos em inovações financeiras aparentemente benignas, que eles (como confessou Alan Greenspan) nem sequer entendiam.

Vamos destacar três, das nove conclusões/"tentativas" recolhidas por Blanchard:

1ª) Estamos entrando num magnífico mundo novo, muito diferente em termos do exercício da política macroeconômica. Na velha discussão sobre os papéis do mercado e do Estado, o pêndulo avançou -pelo menos um pouco- na direção do Estado;

2ª) A macroeconomia deve ter múltiplos objetivos e muitos instrumentos para implementá-los. O objetivo da política monetária, por exemplo, precisa ir além do controle da inflação. Precisa incluir o crescimento do PIB e a estabilidade financeira e incorporar entre seus instrumentos medidas macroprudenciais. A política fiscal não pode restringir-se aos "gastos" menos a "receita" e os "multiplicadores" que influenciam a economia.

Existem, potencialmente, dezenas de instrumentos, cada um com seus próprios efeitos dinâmicos que dependem do estado da economia e das outras políticas.

3ª) Temos muitos instrumentos e não sabemos como utilizá-los. Em muitos casos, não temos certeza sobre o que eles são, quando e como devem ser utilizados e se vão ou não funcionar.

A conclusão é que os problemas são mais complexos do que pareciam. Como não sabem bem como usar os novos instrumentos, mas sabem que, potencialmente, podem ser mal utilizados, como devem trabalhar os formuladores da política econômica?

O melhor é uma política cuidadosa, paciente e de pequenos avanços: o pragmatismo é essencial! Parece claro que o Banco Central de Alexandre Tombini está mais antenado com as dúvidas do "estado da arte" reveladas na conferência do que os "cientistas financeiros" que o criticam...

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...