Direto da FOLHA DE S. PAULO, um dos maiores críticos do gasto público no Brasil, o economista Raul Velloso diz que o país está se tornando o "rei do alto consumo", mas sem poupança para sustentar essa trajetória. Abaixo trechos de sua entrevista à Folha:
Folha - O sr. é um crítico da expansão do gasto público, principalmente dos relacionados a benefícios que não tiveram a contrapartida contributiva de quem os recebe. Mas eles explicam em grande medida a volta do dinamismo à economia brasileira e o crescimento do PIB. Quais são os principais problemas?
Raul Velloso - Muitos pregam que seria possível aumentar o consumo a qualquer custo, puxando-o pelos gastos públicos. O fato é que o Brasil se tornou o rei do alto consumo. Mas poupamos pouco, e, no setor público, a poupança é negativa. No final, para crescer minimamente, temos de absorver poupança externa.
O que não se diz é que o "modelo" do alto consumo não ajuda a indústria de transformação e tem um alto custo fiscal. A indústria paga a conta, porque algum setor tem de gerar deficit externo para a poupança entrar. E não será o setor de commodities que vai fazer isso.
É daí que vem a apreciação cambial. Como a poupança pública não existe, os excedentes de divisas são comprados via endividamento público, o que é caríssimo.
Hoje, o custo de carregar as reservas que temos é de R$ 50 bilhões ao ano, bem mais do que a União investiu no ano passado (R$ 34 bilhões) e 3,8 vezes os gastos com o Bolsa Família (R$ 13 bilhões).
Quem está pagando a conta da valorização cambial é a indústria. É possível resolver o problema com medidas outras que não o corte do gasto público, como impor IOF, tarifas, vigiar o dumping?
Não. É tudo paliativo. Estamos diante de um impasse. Antes mesmo da atual inundação de dólares, o real já estava se apreciando, sob o modelo do consumo elevado. Nele, sobe a demanda em todos os setores. Mas, na indústria, o preço é dado externamente, pois ela compete com os importados. E esse preço não está subindo.
Os recursos que poderiam financiar a indústria migram para o setor de serviços, pois, como não se pode importar serviços, sua rentabilidade aumenta pela falta de competição extra.
Devido a essa falta de investimentos e pelo fato de a indústria ter preços que competem com o dos importados, as compras externas aumentam e há o crescimento do deficit externo.
Diante da enxurrada de dólares, o Banco Central continua comprando o excesso e aumentando as reservas. Faz isso emitindo dívida pública, remunerada por um dos maiores juros do mundo.
A solução correta seria o governo gastar menos e economizar para comprar os dólares com recursos próprios, como fazem os asiáticos.
No esquema atual, o custo fiscal é galopante, e, quanto mais reserva, mais dólar é atraído. Em breve estaremos recriando a CPMF (o imposto do cheque), teoricamente para a saúde, mas de fato para tapar o buraco nas contas.
José Serra disse que, se eleito, dobraria o Bolsa Família. O programa custa menos de 1% do PIB e atinge mais de 40 milhões de pessoas. Não faria sentido concentrar os recursos sociais justamente nesses realmente miseráveis?
Sem dúvida. O Bolsa Família é o programa que mais atinge a classe efetivamente pobre. O que temos de fazer é parar de dar aumentos reais para o salário mínimo, que corrige 27 milhões de benefícios sociais. É só pensar: R$ 50 a mais para quem ganha um salário mínimo (de, digamos, R$ 500) significam um aumento de 10%.
Isso tem efeito distributivo bem menor do que para quem passa a ganhar R$ 70 no Bolsa Família.
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