Postado no CORECON RJ artigo de Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio sobre a situação do câmbio, publicado originalmente no VALOR ECONÔMICO.
As compras de reservas cambiais via intervenções esterilizadas têm recebido várias críticas, inclusive minhas. O custo de manter mais de US$ 320 bilhões de reservas é de mais de R$ 50 bilhões: cifra que supera, por exemplo, toda a economia que o governo prometeu fazer no orçamento deste ano. Além disso, intervenções esterilizadas, nas atuais circunstâncias, têm efeito apenas temporário de depreciar a taxa nominal de câmbio. Para terem efeito permanente, é preciso que o Banco Central (BC) siga comprando, aumentando o já elevadíssimo custo das reservas.
A suposição usual entre economistas é de que as intervenções esterilizadas não alteram a demanda agregada. No primeiro passo de uma compra esterilizada de câmbio, o BC compra os dólares com reais, aumentando a base monetária. No segundo passo, o BC recolhe os reais que emitiu com a venda de títulos públicos. Assim, a compra esterilizada de câmbio induz uma troca de dólares por títulos públicos no portfólio do setor privado, sem emissão de moeda. Não haveria nenhuma razão para que a demanda agregada se expandisse.
Em contraposição a essa suposição usual, argumento, em artigo acadêmico recente ("Can Sterilized FX Purchases under Inflation Targeting be Expansionary?", Texto para Discussão nº 589, Departamento de Economia da PUC-Rio) que é provável que as compras esterilizadas de câmbio que vêm sendo conduzidas pelo BC venham tendo, sim, efeito expansionista sobre a demanda agregada e, consequentemente, sobre a inflação. Tal efeito adviria da forma como são conduzidas as compras esterilizadas no regime de metas para a inflação.
Na descrição acima, a compra esterilizada de câmbio não produz nenhuma emissão monetária; apenas troca os dólares por títulos públicos. No entanto, no regime de metas para a inflação não é bem assim que ocorre a esterilização. No segundo passo, quando o BC troca por títulos a moeda que havia emitido para comprar os dólares, ele o faz até o ponto em que se restaura a taxa Selic fixada pelo Copom, o que não necessariamente assegura a recompra de toda a moeda que havia emitido. Caso a demanda agregada tenha crescido, e com ela, a demanda por moeda, a taxa de juros será restabelecida antes de se recomprar toda a moeda emitida. Em outras palavras, a esterilização tal como normalmente conduzida pelos bancos centrais, que mantém inalterada a taxa de juros, pode acabar expandindo o estoque de moeda.
Mas por que a demanda agregada aumentaria? Basicamente, por que os fluxos de capitais recentes para a economia brasileira têm sido destinados ao financiamento de gastos de consumo e investimento do setor privado, em vez da compra de títulos públicos. Uma forma de pensar o efeito é que os fluxos de capitais constituem uma arbitragem entre as altas taxas internas de financiamento e as baixas taxas prevalecentes no exterior. A maior quantidade de crédito a taxas mais baixas expande a demanda agregada. Simplesmente repor a taxa de juros que vigorava antes dos fluxos não é neutro em termos de estimular a economia. Embora os juros voltem ao nível inicial, as compras esterilizadas de câmbio estarão associadas a uma expansão monetária líquida. A maior oferta monetária se igualará à nova e mais alta demanda por moeda, gerada pela combinação da mesma taxa de juros com um nível mais elevado de produto nominal.
Uma forma alternativa de interpretar tal efeito, colocando-o em um arcabouço tobiniano de equilíbrio de portfólios, me foi sugerida por alguns economistas. A compra esterilizada de câmbio aumenta, no portfólio do setor privado, a participação dos títulos públicos. Para induzir tal mudança de portfólio, é necessário alterar os rendimentos relativos dos ativos, tornando mais alto o rendimento dos títulos públicos (a taxa Selic) em relação aos demais. Como o BC atua para manter inalterada a taxa Selic, são os rendimentos dos demais ativos que devem cair, o que é equivalente a aumentar o preço dos demais ativos. Ou seja, frente à intervenção esterilizada, os agentes privados tentam recompor seus portfólios originais, aumentando a demanda pelos demais ativos, o que eleva o preço destes, aumentando o Q de Tobin, assim expandindo a demanda agregada.
Segundo a interpretação acima, a esterilização do fluxo de capital estrangeiro que vem aproveitar os altos juros dos títulos públicos brasileiros não produziria o efeito expansionista, porque, nesse caso, haveria um aumento da demanda externa por títulos públicos. Quando aumenta a demanda estrangeira por títulos públicos, a maior oferta de títulos públicos resultante da esterilização não teria o efeito de alterar os rendimentos relativos dos diversos ativos da economia. Já o fluxo que vem para financiar gastos do setor privado - incluindo não só crédito externo, mas também investimento direto, compras primárias ou secundárias de ações e outras formas de financiamento - geraria o efeito expansionista.
Os números da economia brasileira em 2010 parecem corroborar a importância do efeito expansionista das intervenções esterilizadas. A base monetária aumentou 25% (R$ 40 bilhões), enquanto as operações de esterilização compraram o equivalente a R$ 80 bilhões de reservas cambiais. O crédito tornou-se muito mais farto e barato, fazendo com que o governo recorresse às medidas macroprudenciais para deter o crescimento da oferta de crédito.
Em resumo, as intervenções esterilizadas não só são muito caras e pouco eficientes em deter a apreciação cambial como também expandem a demanda agregada, tornando ainda mais dura a tarefa do BC de cumprir a meta de inflação. Está na hora de repensar tal política e voltar a contemplar uma consolidação fiscal de longo prazo.
* Agradeço a Eduardo Loyo e a Samuel Pessoa por terem me alertado para essa interpretação alternativa do efeito expansionista das intervenções esterilizadas.
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