SAMUEL PESSÔA , doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, escreveu neste domingo na FOLHA sobre a lei da demanda sobre escolhas morais.
Em geral, a
elevação do preço de um bem reduz a quantidade consumida desse bem. Esse
princípio geral é conhecido por lei da demanda.
É possível
que haja exceções. A mais famosa é a demanda de alimentos baratos de elevado
valor calórico e baixo conteúdo proteico.
Pode ser o
caso de arroz na China de hoje; batatas na Irlanda ou pão na Inglaterra, ambos
no século 19; farinha de mandioca no sertão nordestino na segunda metade do
século passado etc.
Nesses casos,
a maior parcela do orçamento familiar é comprometida com o consumo do alimento
barato com elevado conteúdo energético e baixo conteúdo proteico.
Devido às
necessidades calóricas mínimas diárias, a elevação do preço do alimento rico em
calorias reduz muito a renda disponível para aquisição de alimentos de maior
qualidade. A demanda pelo alimento mais barato (apesar de este ter ficado mais
caro) sobe, dado que a família não tem renda suficiente para adquirir proteína.
Os bens que
não obedecem à lei de demanda são chamados de bens de Giffen. O debate
brasileiro em torno de escolhas morais sobre diversos assuntos aparentemente
está povoado de bens de Giffen.
É comum
lermos que a redução da maioridade penal elevará a criminalidade entre jovens,
que a descriminalização do aborto reduzirá o número de abortos, que a
liberalização das drogas reduzirá o consumo de drogas e que a criminalização da
prostituição elevará a prática do comércio sexual.
Em todos
esses casos, o preço de um bem subiu (ou desceu) e o consumo, segundo alguns
analistas, elevou-se (ou reduziu-se).
Tenho
dificuldade de imaginar que a elevação do custo ao menor que cometer crimes
eleve a quantidade de crimes praticados pelo menor infrator ou que a elevação
do custo do comércio sexual aumente seu consumo.
É igualmente
difícil racionalizar que a redução do custo de cometer aborto ou de consumir
droga reduza o número de abortos ou o uso de drogas.
Nada impede
que as alterações legais elencadas tenham outras consequências e que estas
possam ser empregadas como argumentos contrários ou favoráveis à alteração
legal.
É possível
que a descriminalização do aborto reduza o número de mulheres mortas em função
de procedimentos médicos inadequados.
Também é
possível que a legalização do consumo e do comércio de drogas reduza a
violência e o número de homicídios ou que a criminalização da prostituição
aumente a criminalidade.
Finalmente, é
perfeitamente possível e justo defender posições favoráveis ou contrárias a
esta ou aquela instituição, independentemente de suas consequências.
É possível
ser favorável à legalização do comércio e consumo de drogas em função do
princípio de liberdade de escolha individual.
Analogamente,
é possível ser favorável à redução da maioridade penal em função do princípio
da responsabilização individual.
Novamente
independentemente do impacto da redução da maioridade penal sobre a
criminalidade.
O mesmo
princípio de liberdade de escolha individual aplica-se à manutenção da
prostituição como atividade lícita.
O que não
parece muito útil nem produtivo é enxergarmos bem de Giffen em toda parte.
Confunde e dificulta o avanço do debate.
Os bens de
Giffen são mais raros do que imaginamos. Até hoje os economistas têm dúvidas se
a batata na grande fome na Irlanda no século 19 poderia ser de fato considerada
bem de Giffen!
Um comentário:
Analogamente a ideia de bem de Giffen fico aqui pensando se o "auxilio" concedido aos dependentes químicos não vai tão somente, piorar a situação? Será que o recurso gasto com esse tipo de programa não poderia ser investido em outros setores, inclusive na educação, saúde... ou até em clinicas de recuperação. No Brasil existem coisas que já começam assim: certa que vai dar errado. Desculpe-me o pessimismo, mas eu não consigo ver diferente.Seu blog está cada dia melhor! Voltando a leitura da "blogosfera".
Saudações da terra da luz!
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