MARCELO MITERHOF, economista do BNDES, responde abaixo, diretamente do UOL.
Não há resposta certeira à pergunta do título.
Contudo, sua discussão é proveitosa para entender a natureza da economia.
A constatação inicial é que os economistas tratam seu
estudo de formas distintas. Pérsio Arida, em texto clássico, caracteriza a
ortodoxia como uma tentativa de replicar a metodologia da física, o que faria o
conhecimento econômico progredir por uma fronteira bem delimitada. A
heterodoxia não aceita tal noção.
Questões teóricas perduram por séculos sem solução: a
moeda é endógena ou exógena? A poupança precede o investimento ou não?
A equiparação à física é precária. Uma ciência dura ou
natural se caracteriza por descrever com objetividade e distanciamento os
fenômenos que analisa, obtendo leis (regularidades) e explicações que permitem
fazer boas previsões.
O problema de caracterizar a economia como uma ciência
dura é menos por sua conhecida capacidade de fazer previsões ruins. Isso
poderia significar somente que seu estágio de desenvolvimento é inicial.
Mais relevante, a economia tem uma face prescritiva
inexistente na física, indicando ao governo como agir. Comparação melhor é com
a engenharia, que prescreve métodos de construção ou fabricação.
Porém é mais fácil julgar o trabalho de um engenheiro:
se uma construção sua cai, sem dúvida ele errou. No caso dos economistas, um
péssimo ministro da Fazenda pode virar um rico consultor. É que as prescrições
econômicas têm uma dose de ideologia (crença) e interesse. É por isso que
costumam ser avaliadas.
Por exemplo, uma grande preocupação com a inflação e o
rigor fiscal atende à crença de que esses seriam requisitos da confiança dos
investidores. No entanto, é também um jeito de fazer com que o principal
interesse dos mais pobres (ganhar mais) seja deslocado para o longo prazo,
enquanto é imediata a busca de inflação baixa, que preserva a riqueza de quem
já tem renda alta.
Por outro lado, o foco na elevação dos salários reais
revela a crença na demanda como motor da economia, mas também o interesse na
distribuição de renda.
A ideologia também explica por que, ao contrário da
física, a teoria econômica e suas recomendações pouco mudam. Ideologias são
articulações de ideias que se caracterizam pela fixidez. Há quase 300 anos a
maioria dos economistas sugere flexibilização do mercado de trabalho,
austeridade fiscal etc.
É bom lembrar que, antes de ser um campo de estudo, a
economia é um sistema: um conjunto de coisas que se relacionam obedecendo a
certas regras.
O ser humano criou vários sistemas interessantes. O
xadrez é complexo, mas fechado e dado. O carro é um sistema complexo e que
muda. Só que as mudanças são planejadas e controladas por uma montadora.
A economia é o mais incrível: complexo, aberto e
descentralizado, formado pela interação de um sistema produtivo e um monetário.
No capitalismo, a moeda sem lastro foi uma novidade
decisiva para o sistema econômico, que fez a demanda --por produtos, inovações
e investimentos-- passar a ser o motor principal do desenvolvimento produtivo,
livrando a humanidade de ter que previamente acumular excedentes (poupança).
O dinamismo também trouxe mais volatilidade, o que
exigiu o sistema evoluir. Por exemplo, crises bancárias levaram ao monopólio da
emissão de moeda pelo Estado, que também criou o banco central para tentar
evitar que problemas de liquidez derrubem o sistema econômico. Esses processos
continuam a ocorrer: a crise do euro sugere a unificação fiscal de seus países.
Quer dizer, se a economia evolui pouco como teoria, o
mesmo não vale para o sistema econômico. O seu estudo é útil, pois permite
entender suas possibilidades, seus limites e riscos e como ele pode ser
manejado para atender aos interesses que defendemos. Para tanto, uma boa
dose de pragmatismo é saudável.
Nesse sentido, não gosto da abordagem ortodoxa pois se
refere a um sistema pré-capitalista, em que a presença da moeda não muda as
características de uma economia de escambo, e se baseia em idealização do
sistema econômico pouco afeita à contraposição com a realidade.
Porém, dado o viés ideológico, é difícil mudar o
entendimento econômico de alguém. Convém ao menos ter claro que a economia não
é uma ciência dura. Tal equiparação é frequentemente uma forma de tomar como
necessárias prescrições que são apenas crenças e defesa de interesses.
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