Folha
- Por que as pessoas foram às ruas?
Delfim
Netto - É uma emergência.
Alguns fenômenos vão ocorrendo aos poucos e, de repente, a acumulação provoca
uma mudança qualitativa. São Paulo é um inferno, mas aos poucos as pessoas se
convenceram de que a solução é impossível, porque não tem recursos. De repente,
aparece recurso para fazer estádio. O
povo é muito sábio. Recurso não é dinheiro, mas cimento e ferro. O povo
concluiu o seguinte: o cimento e o ferro que construíram o estádio são o
cimento e o ferro que não construíram o metrô.
Mas
há recursos para fazer mais metrô?
Claro
que não. O problema é que as prioridades do governo não eram as que a sociedade
desejava. A primeira reação do governo foi de susto e produziu uma
esquizofrenia hiperativa. De repente, o Congresso aprova projetos parados há
dez anos em quatro horas. Mas aprovou sonhos, ideias. Ou seja, nada será
cumprido. Teremos de devolver racionalidade ao sistema.
Qual
vai ser o resultado dessa esquizofrenia hiperativa?
Provavelmente
vamos ter uma reforma política. O cerne da questão é se o financiamento de
campanha deve ser público ou privado. Numa sociedade decente, quem pertence a
um partido tem que colocar seu dinheiro para eleger seu deputado. No
Brasil, como não há controle, vai haver duplo financiamento. Não há nada mais
conservador do que eleição financiada por governo, porque tende a reforçar a
maioria do governo.
Por
que não será possível cumprir as leis que foram aprovadas após os protestos?
Só
é possível distribuir o que já foi produzido,ou tem que tomar emprestado.
Chegamos ao limite. Estamos praticamente em pleno emprego e não podemos mais
elevar o deficit em conta-corrente.
A
voz da rua tem que ser educada a entender que pode escolher prioridades, mas
que a soma das prioridades não pode ser maior do que o PIB.
Como
queremos uma sociedade com liberdade individual, relativa igualdade e
eficiência produtiva, é preciso escolher um mecanismo para atingir esses
objetivos, que não são inteiramente conciliáveis. Esse mecanismo é o mercado e
a urna. Se a urna exagera, o mercado vem corrigir. Se o mercado exagera, a urna
corrige.
A
educação é fundamental para que o eleitor saiba que vai ser atendido dentro de
limitações. É fundamental para salvar não só a economia, mas a democracia.
Mas
educar leva tempo, e a insatisfação das pessoas é imediata.
É
uma questão de liderança política para convencer as pessoas de que leva tempo
para as prioridades serem corrigidas.
O
senhor vê na presidente Dilma essa liderança?
Não
tenho dúvida. A presidente é uma mulher muito competente e séria, com desejo
enorme de acertar.
Ela
também vai escolher prioridades novas e entender que é preciso acelerar as
concessões. Ela vai entender que, quando atende as condições do mercado, não
está numa queda de braço.
Após
as manifestações, os governos congelaram pedágios e tarifas. Isso vai
atrapalhar os leilões de concessão?
Muito.
Pioraram demais as condições de segurança jurídica das concessões. O prejuízo
que o Brasil teve é imenso e contraditório com tudo o que queremos.
É
por isso que eu digo: a voz da rua não é a voz de Deus. Também não é a voz da
lógica. É um sinal amarelo para que façamos as as coisas corretamente.
O
BC vem sinalizando que vai subir mais os juros. O senhor concorda?
O
Banco Central já provou que sabe mais que o setor financeiro. Na minha opinião,
Tombini [Alexandre Tombini, presidente do BC] cansou de ter esperança de que a
política fiscal ajudasse no combate à inflação. O BC vai subir os juros até
alcançar a meta, dentro de um horizonte de tempo de 15 ou 20 meses.
O
senhor defende um ajuste fiscal rigoroso?
Tivemos
truques demais. Destruímos coisas importantes. O transparente é esquecer os
truques e anunciar um programa para um equilíbrio fiscal em quatro ou cinco
anos.
A
presidente tem credibilidade. Quando ela decide, enfrenta furacão. O sujeito
que pensa que vai viajar de ônibus grátis tem que entender que vai pagar mais
no feijão.
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