MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.
Muitos analistas e,
aparentemente, até círculos próximos ao governo enxergam na queda da taxa
básica de juros a solução dos problemas fiscais brasileiros.
A ideia é que a queda da Selic
irá liberar os recursos que viabilizarão o necessário aumento dos investimentos
públicos em infraestrutura, com sacrifício mínimo dos gastos correntes e dos
aumentos de dispêndio com o funcionalismo.
Um olhar superficial sobre os
grandes números fiscais sugere que essa seria uma solução muito atraente. Nos
últimos 12 meses, o superavit primário chegou a 3,8% do PIB, e os gastos com
juros, a 5,8%, gerando um deficit público equivalente a 2% do PIB.
Entretanto, como se sabe, para
todo problema complicado em geral há uma solução simples -e errada. Nada
garante, por exemplo, que uma redução dos gastos com juros de um ponto
percentual do PIB seja, de fato, transformada em aumento dos investimentos,
dadas as demandas frequentes por expansão dos gastos sociais (que já ameaçam
ressuscitar a CPMF) bem como da remuneração do funcionalismo.
Sempre se pode argumentar que,
mesmo assim, o exercício valeria a pena, pois teríamos uma transferência de
renda de poupadores (ou rentistas, de acordo com o viés ideológico do leitor)
para os beneficiários de programas sociais e os funcionários públicos -em
proporção a ser decidida no processo político.
Mais importante, entretanto, é
observar que a própria economia com juros pode se mostrar decepcionante. Isso
porque boa parte da dívida pública atualmente se encontra vinculada, direta ou
indiretamente, à inflação, e não mais à própria Selic.
A parcela da dívida indexada à
Selic foi reduzida, como resultado de uma política executada com competência e
persistência pelo Tesouro Nacional, de cerca da metade (47,8%) para um terço
(32,5%) da dívida federal entre dezembro de 2004 e agosto passado. Por outro
lado, a parcela indexada à inflação foi incrementada de 12% para 28,6%, como parte
da estratégia de alongamento da dívida pública -esses títulos são normalmente a
prazos bastante longos, em média quase sete anos ante três anos e meio para a
dívida total. Já a fatia prefixada aumentou de 16% para quase 35%.
Caso a redução da taxa de juros
seja acompanhada por elevação da inflação, a economia para o Tesouro poderia
ser mitigada ou mesmo eliminada, visto que os encargos associados à dívida
vinculada ao IPCA aumentariam.
O efeito sobre a dívida
prefixada, por sua vez, depende das expectativas de inflação. Uma surpresa
inflacionária transfere, em um primeiro momento, renda dos poupadores para o
devedor, ou seja, o governo.
Mas os investidores aprendem. Em
particular, se o processo de redução das taxas de juros for percebido como
sinal de maior tolerância inflacionária, então os encargos sobre a dívida
prefixada tendem a subir ao longo do tempo, à medida que os investidores
demandem maior seguro para se proteger contra o risco inflacionário mais alto.
A conclusão é que, para
contribuir de forma consistente para a redução dos encargos da dívida pública,
a redução dos juros deve ocorrer em ambiente de inflação, efetiva e esperada,
declinante.
É com isso, aparentemente, que
contam certos economistas e, muito provavelmente, um número grande de políticos,
que, provavelmente, já têm vários projetos para receber os recursos a serem
liberados pela economia com os juros.
Ocorre que, sob o regime de metas
para a inflação, gerar benefícios fiscais não é o objetivo da política
monetária. Ela deve zelar pela estabilidade de preços, mesmo que na sua versão
tropicalizada, qual seja, a (generosa) meta de 4,5%.
O regime no qual a política
monetária deve se submeter às restrições impostas pela dinâmica da dívida
pública é chamado de "dominância fiscal". Esse geralmente é
característico de países com dinâmica de dívida explosiva, ou quase, o que não
é o caso do Brasil.
Preocupa, portanto, o discurso
que parece começar a surgir em Brasília, de que, em vez de a política fiscal
abrir espaço para cortes de juros, caberia à política monetária gerar as
economias necessárias para viabilizar o necessário aumento dos investimentos do
setor público.