quinta-feira, 24 de março de 2011

A preferência pela USP.

Recentemente postei um editorial da FOLHA DE S. PAULO sobre a USP não ser mais a mesma. Hoje, TELMA ZORN, pró-reitora de graduação da USP, analisa que considerar que a desistência de matrícula de alunos resulta do desprestígio da USP é hipótese indevida para uma instituição que tem reconhecido mérito.

Boa leitura no abaixo.

A USP, por meio de parâmetros universalmente reconhecidos, consolidou sua liderança entre as universidades brasileiras e da América Latina. Cumpre com excelência seu papel de universidade pública mantida pela sociedade. Esse reconhecimento decorre de trabalho permanente de reflexão, avaliação e renovação.

O número crescente de candidatos que não se matriculam na USP aponta para questão atual e importante: a expansão de vagas no ensino superior e a porcentagem daquelas que não são ocupadas.

Antes de qualquer análise, é necessário apresentar os dados corretos. Os números da Fuvest, divulgados pela imprensa, referem-se ao total de candidatos convocados para 2ª chamada, que incluem aqueles com ensino médio incompleto e que, portanto, não podem efetuar matrícula. Incluem também os remanejados para opção de curso de maior preferência, manifestada no processo de inscrição.

Esses candidatos remanejados e presentes na 2ª chamada também constam da 1ª chamada. É fato que eles não desistiram da matrícula na USP. A interpretação desses números feita até então não é precisa, e as conclusões são incorretas.

Dos 2.562 nomes constantes na 2ª chamada, 2.221 são candidatos que não se matricularam na 1ª chamada, sendo que, destes, 479 com ensino médio incompleto.

Assim, 1.742 candidatos, com ensino médio completo, não efetuaram matrícula após a 1ª chamada, o que resulta em 16,35% do total de vagas (e não 24,1%, como divulgado), os quais, por razões diversas, não efetuaram matrícula na melhor universidade do Brasil. O exame correto dos dados mostra que houve, de fato, aumento de 4,39 pontos percentuais em relação a 2010.

Os candidatos competem em vários vestibulares. É natural que o aprovado em mais de uma das boas universidades do Estado possa considerar para sua escolha, além do modelo acadêmico de cada universidade, fatores econômicos, familiares e geográficos.

Considerar que a desistência de matrícula resulta do desprestígio da USP é hipótese indevida para instituição de reconhecido mérito pela qualidade do ensino de graduação e pós-graduação, da formação de docentes e pela contribuição na construção do conhecimento. A complexidade dos fatores nos obriga a realizar uma profunda anamnese, que dê informações precisas sobre as causas do fenômeno.

Está em andamento consulta direta àqueles que não se matricularam. Já se sabe, entretanto, que a multiplicação de vagas nas universidades federais e privadas e os programas instituídos pelo MEC propiciaram outras opções para os candidatos e promoveram a descentralização do ensino. É notória a relação inversa entre o aumento da oferta de bolsas do ProUni e o número de inscritos na USP.

A universidade não deve se apartar das transformações do meio externo e dos programas de desenvolvimento do país. Na última década, a USP contribuiu com a expansão do ensino superior, ao ampliar em 48,46% o número de vagas. Novas carreiras foram criadas e devem ser constantemente avaliadas.

Nesse sentido, a pró-reitoria de graduação elaborou o documento "Diretrizes para a Criação de Novos Cursos"", aprovado no Conselho Universitário em 2010, que convoca à reflexão sobre ampliação de vagas e criação de novos cursos.

O processo de expansão deve ser indissociável da análise crítica e, portanto, o documento prevê reavaliação de todos os cursos pelas unidades que os oferecem, em termos de atualidade com as demandas sociais e da sincronia entre as tendências científicas na área e o mercado de trabalho.

Cabe à USP preservar sua liderança acadêmica, ampliando, com qualidade, todas as suas atividades, o que é seu compromisso primordial com a sociedade.

terça-feira, 22 de março de 2011

Acontecimentos capazes de mudar ideias

Paul Krugman, em seu blog, no ESTADÃO de hoje:

Uma pergunta que surge de tempos em tempos nos comentários: o que poderia fazer eu mudar minhas ideias sobre como a economia funciona. Associada a esta há uma outra: se, algum dia, diante de alguns acontecimentos, eu mudei completamente minha forma de pensar.

Respondo primeiramente à última indagação. Minhas ideias mudaram drasticamente no final dos anos 90, e essa mudança foi acarretada pelos acontecimentos na Ásia.

Até então eu aceitava muito bem a estrutura “elegante e conceitualmente simples” descrita recentemente por Olivier Blanchard. Basicamente, achava que a política monetária convencional poderia realizar o trabalho de estabilizar a economia.

A crise asiática, no entanto, levou-me a repensar essa opinião ortodoxa. Ela mostrou, principalmente, que uma economia de mercado pode sofrer fortíssimos choques financeiros que não conseguem ser contrabalançados por meio de uma política monetária; em particular, surpreendi-me ao ver um papel de fato para os controles do capital para lidarmos com o efeito de crises monetárias em países com uma grande dívida em moeda estrangeira.

E a realidade da armadilha de liquidez do Japão mostrou que a política monetária pode perder tração mesmo sem esses tipos de problemas de ordem monetária ou de dívidas em moeda estrangeira.

A crise asiática tornou-me mais keynesiano – porque ela mostrou que problemas como os da década de 30 podem ocorrer no mundo moderno e que você não pode, na verdade, depender do Tio Alan, ou Tio Ben, para resolver tudo. Assim, na crise de 2008, minhas ideias estavam estruturadas com base na minha interpretação do que ocorreu na Ásia nos anos 90, e elas funcionaram muito bem, dando um sentido para os acontecimentos até agora. Entretanto, muitos economistas que não levaram em conta os eventos dos anos 90 foram apanhados de surpresa.

O que poderia me levar a entender que eu teria de reavaliar drasticamente as minhas ideias? Uma enorme alta na inflação, provocada internamente, e em especial um grande salto nos salários – faria isso. E temos verificado um aumento nas medidas da inflação que tem surpreendido um pouco; mas não chegaria a uma discordância tal com a teoria que exigisse uma grande mudança de pensamento.

A resposta então é que sim, estou disposto a mudar minhas ideias quando as evidências justificam essa mudança. E você, também está?

Cautela e cuidado com a inflação

Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, em sua coluna no VALOR ECONÔMICO:

O problema da inflação no Brasil está sendo tratado pelas novas políticas fiscal, monetária e cambial com o cuidado que merece. Na política fiscal não foi feito nenhum "choque dramático" (porque não era preciso), como exigem alguns fundamentalistas. É certo, entretanto, que as despesas correntes e as transferências da União crescerão menos em termos reais do que o crescimento provável do PIB.

A crítica fundamental a essa política é, curiosamente, "ad hominem": o ministro Mantega foi um gastador (diante de uma deficiência de demanda global); como pode ser um parcimonioso (diante de um excesso de demanda)? Como diria um velho conhecido, "quando a situação muda, eu mudo. E você?"

Na política monetária, a mudança de atitude do presidente Tombini, recuperando velhíssimos instrumentos (agora elegantemente chamados de "macroprudenciais"), tem sido objeto de desconfiança de muitos analistas do mercado financeiro. Apoiam-se numa pretensiosa "teoria monetária", cujos melhores autores em 2008 ainda não mencionavam, em seus "científicos" trabalhos e livros, sequer a palavra "crédito"! Prisioneiros de uma miopia produzida por um modelito de três equações perderam toda a imaginação.

Provavelmente, a manobra exclusiva com a taxa de juros cause menores "distorções" (medidas com relação a um modelo de validade duvidosa), mas também, provavelmente, compensadas no mundo real por um custo maior em termos de sacrifício de PIB. De qualquer forma, ainda que a econometria seja imaginosa, mas precária, existem claros indícios (até recentemente negados) que medidas macroprudenciais podem ser moderadas substitutas do falaciosamente simples aumento da taxa de juros. Aqui também, a crítica é "ad hominem": Tombini é um bom e respeitável técnico... mas é um "pombo"! A hora e o lugar exigiriam um "falcão" (um dos "idiots savants"), que acredita que há leis naturais que regem os mercados, particularmente o cambial.

O mais fantástico é a desconexão entre essas críticas e o que está acontecendo no mundo, particularmente com a revisão do conhecimento econômico. Ele se processa hoje sob o estímulo de quem já foi o maior defensor da equivocada ideologia que produziu o "pensamento único" apoiado numa suposta ciência monetária: o Fundo Monetário Internacional! Foi esse mesmo "pensamento único" que interditou a saudável crítica produzida por diferentes "visões do mundo econômico", que estimulou o controle da economia real pelo sistema financeiro e produziu a crise de 2007/09. No fim, consumiu-se na desmoralização...

Trata-se de uma tragédia. A descrença colocou dúvida sobre todo o conhecimento econômico - talvez seja melhor chamar de "economia política" - que foi e é de extrema importância para a boa governança do setor público e do setor privado. Essa visão niilista é a contrapartida do fundamentalismo: como a teoria econômica "fracassou", tudo é permitido nas políticas fiscal, monetária e cambial. Já sabemos como isso termina. O Brasil já foi vítima de múltiplas experiências desse tipo que tiveram alto custo econômico e social.

Temos hoje uma aceleração da taxa de inflação (e uma deterioração de suas expectativas), que deve merecer toda a atenção do governo. É óbvio que estamos diante de um fenômeno bastante complexo e que não pode ser resolvido satisfatoriamente com a receita suicida de cortar as despesas públicas (a demanda do governo) e aumentar a taxa de juros real para cortar a demanda privada, de forma a reduzir o crescimento do PIB a 3%, a taxa de inflação a 4,5% no fim de 2011 e deixar que a taxa de câmbio atinja o seu valor "natural" determinado pelo mercado.

A taxa de inflação é uma espécie de "radiador" que dissipa o calor das energias perdidas na ineficiência dos setores público e privado. Ela tem duas componentes: uma interna e outra externa. A interna parece ser menos resultado do excesso da demanda global do que da profunda mudança na sua qualidade (serviços não transacionáveis), resultado da própria política redistributiva do governo e do aumento real do salário mínimo.

A rigor, quando corretamente medido, o PIB cresceu em média (4 º trimestre 2010/4º trimestre 2006) 4,3% ao ano e, se não levarmos em conta a depreciação, tivemos formação bruta anual de capital de 8,9%. As fortes taxas de crescimento acumulado em 2010, contra os mesmos trimestres de 2009, são meros artefatos estatísticos, que medem uma recuperação abaixo da capacidade de produção, como se vê no gráfico. O crescimento médio em 2010 foi de 5%, e a formação bruta de capital, sem levar em conta a depreciação, 12%.

A componente externa é muito forte. Trata-se da elevação dos preços internacionais de nossas exportações primárias, que não podem mais ser corrigidos pela "evolução natural" da taxa de câmbio, sem pôr em risco a grande sofisticação do nosso setor industrial, quando comparado com o dos países como nosso mesmo nível de renda per capita.

São esses fatos que justificam a cautela do BC e os cuidados do Ministério da Fazenda.

segunda-feira, 21 de março de 2011

A presidente Dilma e a economia

Luiz Carlos Mendonça de Barros - VALOR ECONÔMICO

A entrevista da presidente Dilma ao Valor na última semana é uma fonte muito rica para entender sua leitura da economia brasileira hoje. Apesar do pouco tempo de Dilma Roussef no Palácio do Planalto, já sabemos que ela tem uma forma mais profunda de tratar publicamente os temas relevantes sobre o Brasil. Na era Lula as entrevistas do presidente muito raramente traziam alguma contribuição ao entendimento das prioridades e políticas de seu governo.

Em todas as respostas da presidente à jornalista Claudia Safatle podemos encontrar um ponto em comum: ela está trazendo finalmente ao governo alguns dos conceitos e prioridades do pensamento econômico do PT.

Nos oito anos de Lula isso não aconteceu na medida em que a política econômica foi o resultado de uma simbiose confusa entre conceitos e objetivos herdados do período FHC, respostas pragmáticas a desafios de natureza conjuntural que ocorreram e, claro, algumas prioridades históricas do PT. Esse todo heterogêneo desaguou em um período de sucesso na economia em função do cenário conjuntural extremamente favorável, principalmente pela elevação expressiva dos chamados termos de troca de nosso comércio exterior.

Os preços de nossas exportações em alta e uma deflação dos produtos industriais importados geraram ao longo do segundo mandato de Lula um ganho anual de renda interna da ordem de 1,6% do PIB. Estimulada por essa força externa e trabalhando com uma folga estrutural em setores chaves como o mercado de trabalho, a economia cresceu a taxas elevadas sem que a inflação fugisse do controle. Em 2011 os efeitos positivos da melhora de nossos termos de troca continuam a empurrar a economia, mas as condições conjunturais internas não são mais as mesmas. Por isso as pressões inflacionárias começam a tomar uma dimensão que não tiveram no governo Lula.

A presidente Dilma foi incisiva em defender o controle da inflação, mas seguindo um receituário diferente do estabelecido no sistema de metas de inflação que prevalece desde 1999. Ele segue mais de perto o pensamento econômico do PT histórico, que defende ser possível o combate a uma inflação de demanda, como vivemos hoje, sem comprometer o crescimento. Essa opção da presidente fica clara quando ela promete um combate implacável à inflação mas, ao mesmo tempo, assume um compromisso com um crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano. Para este analista esse duplo objetivo é incompatível e um deles terá que ser deixado de lado. Hoje me parece claro que a corda vai arrebentar do lado da inflação.

Essa nova postura do governo tem implicações importantes. Em primeiro lugar o Banco Central está abandonando na prática - depois de mais de 12 anos - uma das cláusulas pétreas do regime de metas de inflação implantado em 1999. Até agora, quando a inflação ameaçava superar de forma sustentada o centro da meta, o Banco Central entrava em cena aumentando os juros. Seu objetivo era o de criar condições para que houvesse - no mais curto espaço possível - uma volta da inflação ao centro do intervalo de metas em vigor. Nessa sua missão, o crescimento da economia passava a ser uma variável dependente da intensidade do aumento dos juros.

Dada a credibilidade que o BC ganhou junto aos agentes econômicos, ao longo de vários anos, o mercado projetava poucos meses à frente o fim do aumento dos juros e - mais importante - o momento em que o Copom passaria a reduzi-los. Em outras palavras, as expectativas de inflação estavam ancoradas em função da credibilidade do Banco Central.

No governo Dilma o Copom trabalha com um mandato duplo, ou seja, o de trazer a inflação para a meta e viabilizar uma meta mínima de crescimento fixada pelo Planalto. Além disso existe uma restrição adicional que é a decisão de não permitir uma nova rodada de fortalecimento do real como instrumento para forçar os preços dos bens que trabalham com preços em dólar para baixo.

Nessas novas condições, mesmo que a intenção do governo seja a de manter a inflação estritamente sob controle - como reafirmou na entrevista a presidente - a trajetória de convergência para o centro da meta será outra, bem diferente da que ocorria até agora. Não vejo um problema grave nessa mudança, se for apenas um ajuste no prazo de convergência da inflação e da utilização - adicionalmente à elevação dos juros - de outros instrumentos de aperto nas condições financeiras. Neste caso estaríamos jogando para 2012 o fim do aperto monetário em andamento.

Mas se a limitação na redução no ritmo de crescimento for um impedimento à liberdade do BC de buscar novamente o centro da meta, estamos diante de uma política monetária de outra natureza. Nas condições atuais da economia brasileira, principalmente com os níveis de desemprego de hoje, essa nova postura do governo vai levar a níveis de inflação bem mais elevados. Portanto, a questão não se trata mais de um prazo maior ou menor de convergência da taxa de inflação, mas sim de uma terrível inconsistência teórica. Que, aliás, faz parte do receituário tradicional do PT e que ficou de lado durante o mandato do presidente Lula.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...