Juan Jensen, sócio da Tendências Consultoria
e professor do Insper e Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria,
escreveram no Valor Econômico de hoje o artigo abaixo
As ações e declarações das autoridades
econômicas, embora frequentemente confusas e contraditórias, induzem à
conclusão de que o tripé de políticas macroeconômicas presente desde 1999
(metas para inflação, taxas flutuantes de câmbio e geração de superávits primários)
está sendo substituído (não de forma necessariamente explícita) por uma gestão
macroeconômica que visa atingir simultaneamente três objetivos no curto prazo:
câmbio depreciado em termos reais; crescimento econômico ao redor de 5% ao ano
e taxa de juros reais baixas (menores do que no passado recente, pelo menos).
Sem contar outros objetivos declarados na retórica oficial, como combater a
"desindustrialização", reagir à "guerra cambial" e ao
"tsunami monetário".
Esta conclusão ganhou força com a última
decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que, ao acelerar o corte sem
justificativas, evidenciou que o Banco Central (BC) não tem mais apenas como
objetivo a estabilidade de preços, mas também posicionar a taxa básica de juros
no patamar mais baixo possível, tendo em vista impulsionar a atividade
econômica e conter a apreciação do real.
O fato é que na consecução desses objetivos
simultâneos, as políticas monetária, fiscal e cambial não necessariamente
seguem o tripé: o câmbio é cada vez menos flutuante, o regime de metas cada vez
mais "flexível" e a política fiscal, cada vez mais
"anticíclica". Além disso, instrumentos "heterodoxos" são
utilizados com frequência maior, como controle administrativo do câmbio,
controle do crédito, uso dos bancos oficiais como forma de estimular a
economia, controle dos preços dos combustíveis pela Petrobras e assim por
diante.
A recorrente discussão sobre desindustrialização,
por exemplo, que retornou com força ao debate, tem afetado as decisões de
política econômica. O Planalto tornou a defesa dos interesses da indústria
como uma questão de Estado, central para o crescimento de longo prazo da
economia. Acontece que a simples opção por formular políticas públicas para
alterar a dinâmica do setor não representa acerto no caminho escolhido. O
"salvamento" da indústria está passando pelo sacrifício da política
macroeconômica, o que põe em risco a estabilidade, condição básica e necessária
para o crescimento sustentável do país.
A questão central diz respeito à capacidade
da "nova política econômica" de assegurar uma trajetória sustentável
de crescimento com estabilidade monetária nos próximos anos. Em uma
perspectiva mais pessimista, o abandono do tripé pode levar à gradual
deterioração do ambiente macroeconômico e institucional, num processo de
"argentinização" da política econômica no Brasil, embora,
provavelmente, sem atingir os extremos dos nossos "hermanos".
Se os livros-texto de macroeconomia estão
corretos, não é necessária muita reflexão para se concluir que as chances de a
política macroeconômica atual ser sustentável são reduzidas no médio prazo, a
não ser, talvez, se estivessem sendo acompanhadas por reformas estruturais que
implicassem mudanças nos fundamentos que afetam a oferta agregada, como aumento
da poupança doméstica e do investimento e elevação da taxa de crescimento da
produtividade.
Porém, não se nota no diagnóstico do governo, e menos ainda em suas ações, que
avanços nestes temas estejam em curso. O que se observa é estímulo à
demanda, como se isso fosse resolver todos os problemas. O resultado é
vazamento de demanda ao exterior, refletido no aumento das importações.
Então, limitam-se as importações. As medidas são feitas de forma incremental,
atabalhoada, sem racionalizar que o diagnóstico inicial é que pode estar
equivocado.
Por outro lado, cabe observar que a vida útil
da política da "tripla meta" depende de alguns fatores conjunturais,
entre os quais, evidentemente, o mais importante é a situação econômica
mundial. Ou seja, enquanto o mundo desenvolvido estiver em dificuldade,
ampliando a liquidez monetária, e a China estiver demandando nossas
commodities, traduzida em boa situação de nossos termos de troca, a política
deve persistir.
De todo modo, em algum momento, o governo vai
se defrontar com escolhas difíceis. A inflação poderá se desgarrar da meta o
suficiente para causar incômodo na sociedade e nos mercados e alguma (ou
algumas) das suas metas triplas deve ser abandonada. Na melhor hipótese, o
tripé é retomado. Na pior, aprofundam-se os assassinatos institucionais, o que
nos conduziria à trajetória semelhante à da Argentina. Lá, como aqui, os
objetivos também foram fazer crescer o PIB, manter desvalorizado o peso e
praticar juros baixos, tudo ao mesmo tempo. Não está sendo possível e a
contabilidade da inflação acabou grosseiramente forjada.
Vale notar que o momento do ciclo político
pode ser determinante na escolha do caminho a trilhar. Para Dilma Rousseff,
o pesadelo seria se os desequilíbrios aflorarem com força em 2014, ameaçando sua
reeleição, mesmo no contexto de uma oposição inerme. Nesta hipótese, as chances
de o governo redobrar as apostas nas políticas equivocadas serão maiores. Para
infelicidade do Brasil e dos brasileiros.
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