quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Cair na real com Delfim.


Neste tempo de Círio de Nazaré em Belém do Pará, comento com os meus ainda, espero, dois fiéis leitores, que os atrasos nas postagens ocorrem devido a dificuldades logísticas. Isso posto, como estamos com um final de semana prolongado e para afirmar que não esquecemos deste democrático espaço, abaixo texto do Professor Delfim Netto, publicado nesta data na FOLHA DE S. PAULO.

Alguns analistas econômicos são vítimas de grave processo obsessivo misticamente ligado ao número três.

Há poucos meses, acreditavam piamente num ridículo modelo mágico. Uma espécie de "síntese" de toda a política econômica apoiada nas últimas descobertas da "ciência monetária" que, com três equações, cobriria toda a complexidade do mundo real.
O próprio Banco Central namorou a ideia. Diante da lenda urbana, o setor privado gastou milhares de homens/hora de alta qualificação para mimetizá-la e, assim, "adivinhar" o que faria o Copom na próxima reunião.

A nova obsessão são os famosos "três pilares" da política econômica adotada quando o modelo mágico quase nos levou ao "default", em 1998. Introduzida em 1999, depois da desvalorização cambial, a política de responsabilidade fiscal, de metas de inflação e de liberdade cambial não nos poupou da ameaça de outro "default" em 2002. Só nos livramos graças à assistência do FMI.

No período que vai de 1999 a 2001, em que alguns analistas supõem que aplicamos o regime "puro", os números mostram resultados não muito interessantes: taxa de crescimento médio de 2,1% do PIB; taxa média de inflação anual de 8,8%; déficit público médio de 4,4%.

A dívida líquida/PIB, que era de 39% no fim de 1998, elevou-se a 51% no fim de 2002. No período, acumulamos um déficit em conta-corrente de US$ 80 bilhões. Houve, sim, grande progresso institucional, o maior dos quais, seguramente, foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, que transformou o Brasil numa área monetária ótima.

Não há nada contra o uso comedido dos três pilares, mas não é possível erigi-los em objetivos religiosos como parecem fazer alguns. Aliás, o competente economista Armínio Fraga, responsável pela política econômica que os criou, sempre pareceu entendê-los "cum grano salis".

Não creio que alguém tenha ouvido dele a proposição de que, com um único instrumento (a taxa de juros nominal de curto prazo), o Banco Central só pode atingir um objetivo (a taxa de inflação)! E a razão é simples: o teorema no qual ela se sustenta é logicamente verdadeiro. O que é falso são suas hipóteses!

Isso, hoje, é reconhecido por excelentes acadêmicos convertidos pela vivência da política econômica a uma pequena "heterodoxia". Dentre eles, dois que tiveram grande importância na formação de nossos economistas: Stanley Fischer e Olivier Blanchard.

Afirmar, portanto, que a política monetária tem de considerar a taxa de crescimento do PIB é pecado apenas no mundo "virtual" em que vivem alguns de nossos analistas.

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