Leio hoje no ESTADÃO de 27.06.2013 artigo de José Serra sobre o atual momento econômico e político brasileiro. Apesar de Serra ter muitos críticos, a sua opinião merece ser conhecida.
As
manifestações que tomaram conta do Brasil nas últimas semanas derreteram a
agenda política nacional, até então dominada pela prematuríssima campanha
eleitoral, com três ou quatro candidatos já definidos. Sejam quais forem suas
origens, seus mecanismos de propagação, virtudes, defeitos e consequências, o
fato é que as mobilizações já produziram na vida brasileira um daqueles
momentos em que "o futuro não será mais como era", para evocar Paul
Valery.
Neste
momento, partidos e governos, nas três esferas, sentem-se acuados, mas o foco
principal de tensões situa-se no Palácio do Planalto, o grande responsável,
aos olhos da população (e é mesmo!), pela condução do País.
O
governo federal já vivia uma situação difícil, em razão do esgotamento do
modelo econômico lulista: rápido crescimento do consumo, baixo investimento,
forte criação empregos menos qualificados e inflação baixa. Esse modelo foi
viabilizado pela notável bonança externa, juntamente com o crescimento acelerado
das importações, o aumento do crédito para o consumo e a sobrevalorização
cambial. Foi a época da farra de divisas e da lei do menor esforço, com
estatuto semelhante ao da lei da gravidade.
A
eclosão das manifestações coincidiu com o fim desse ciclo e a estagflação.
Elas podem não ser efeito direto das condições da economia, mas é evidente
que eclodem numa dada realidade, e não no vácuo: desaceleração do consumo em
razão do menor crescimento da renda, do endividamento familiar elevado e da
maior inflação; desaceleração da criação de empregos menos qualificados e
falta de perspectivas para os assalariados de maior renda.
Nada
pior para um governo já sem rumo do que a ventania contrária das ruas. Daí a
ansiedade, a atrapalhação e a exacerbação do marketing das soluções virtuais.
O emblema do desatino foi a tal Constituinte com o fim específico de fazer a
reforma política. A proposta, tida como irrevogável, era de tal sorte absurda
que foi revogada em 24 horas. Ficou a pergunta: como pôde a Presidência da
República errar de forma tão bisonha? Agora, a fim de disfarçar o recuo,
trocou-se a Constituinte exclusiva pelo plebiscito, proposta impraticável.
Além
do "pacto" da reforma política, a presidente propôs o pacto da
educação: 100% dos royalties do petróleo para o setor. Resumir os problemas
da educação à elevação do orçamento seria equivocado. Mesmo assim, os novos
recursos vindos desses royalties serão bem menores do que se alardeia, pois a
vinculação só vale para contratos de exploração firmados a partir de dezembro
de 2002. E eles não gerarão petróleo antes de seis anos; dentro de uns dez o
total destinado à educação poderia chegar a R$ 8,5 bilhões anuais - cerca de
3% do Orçamento da União, dos Estados e municípios.
Já
o "pacto" da saúde consiste em importar uns 6 mil médicos
estrangeiros - a quase totalidade, cubanos. Alguém é contra água encanada ou
luz elétrica? Assim, quem se opõe a que o Brasil tenha mais médicos? O
problema é como fazer. Eles estão é mal distribuídos, concentrados nas
regiões do País com mais infraestrutura. É preciso criar condições para que
atuem no interior - e pouco se faz nesse sentido. Nada contra, é evidente, a
que profissionais de outros países atuem aqui, desde que seus diplomas sejam
revalidados mediante exames, que o Ministério da Saúde quer dispensar. Nota:
apenas 5% dos médicos cubanos que a eles se submeteram foram aprovados.
A
má distribuição dos médicos é apenas um dos problemas da saúde. O PT reduziu
de 53% para 44% a fatia dos gastos totais no setor, jogando mais peso nas
costas de Estados e municípios. A Anvisa foi loteada, padrão Agnelo Queiroz;
a Funasa, degradada. Durante a gestão petista, a participação das despesas
correntes do Ministério da Saúde no SUS caiu de 17% para 14% do total do
governo federal (excluídos o benefícios previdenciários). A rede hospitalar
tem sido fragilizada, sufocando as Santas Casas. Se a proporção de recursos
do SUS para o atendimento hospitalar fosse a herdada do governo FHC, hoje
seriam destinados a essa área R$ 7,5 bilhões a mais por ano.
Outro
""pacto" anunciado é o dos transportes urbanos: R$ 50 bilhões.
A gente fica com a impressão de que são recursos a fundo perdido. Não! Viriam
principalmente na forma de oferta de crédito a Estados e municípios. Além
disso, matéria do Valor evidenciou que, dos recursos federais disponíveis
para essa finalidade, 93% não foram ainda utilizados. Na prática, transportes
urbanos nunca foram prioridade do governo petista. Do contrário, jamais teria
lançado, há seis anos, o alucinado projeto do trem-bala entre São Paulo e
Rio, cujo custo deve andar ali pelos R$ 70 bilhões. Por sorte, a incapacidade
executiva do governo não permitiu que o projeto andasse depressa, mas já deve
ter consumido cerca de R$ 1 bilhão, com direito à criação de mais uma
estatal. Cancelar o trem-bala e concentrar os recursos em trens urbanos seria
medida mais que oportuna quando se fala em pactos pelo Brasil.
O
bom senso, aliás, recomendaria o barateamento do custo das eleições e maior
proximidade entre eleitor e eleito, como a adoção do voto distrital. Se o
Planalto quer diminuir a corrupção na máquina pública, não precisa de
propostas mirabolantes. Que se exija certificação dos 25 mil cargos de
confiança e dos altos funcionários de todas as empresas federais e se refaça
com critérios técnicos todo o quadro de dirigentes de agências reguladoras.
Mais ainda, que se regulamente com urgência o parágrafo 3.º do artigo 37 da
Constituição federal, sobre a participação dos usuários na administração
pública direta e indireta, com ênfase no controle da qualidade dos serviços.
Tais
medidas, entre outras, seriam simples e eficazes. Mas no petismo o fácil é
sempre difícil, pois eles são especialistas em obter vantagens com as
dificuldades que criam, e têm a convicção de que os problemas do País se
resolvem com marketing e anúncios solenes.
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