Em 17 de abril, Roberto Campos estaria completando 100 anos. Sua
vida pública se estende do início de 1939, quando toma posse como diplomata, na
primeira turma em concurso organizado pelo Departamento Administrativo do
Serviço Público (Dasp), até o final do século, quando se despede da Câmara dos
Deputados, ao final de dois mandatos como representante de Mato Grosso e do Rio
de Janeiro, e de um mandato inicial como senador por Mato Grosso, a partir de
1983.
Roberto Campos foi um tecnocrata esclarecido, o mais iluminista de
nossos intelectuais, um estadista exemplar, embora frustrado em suas inúmeras
tentativas de reformar o Brasil, de retirá-lo de uma pobreza evitável para
colocá-lo numa situação de prosperidade possível, como argumentou diversas
vezes ao longo de meio século.
Minha interação com o grande brasileiro se deu apenas duas vezes,
de forma direta, e intensamente, de forma indireta, ao longo de quase 50 anos,
quando passei de suposto opositor ideológico do então “serviçal da ditadura
militar” – enquanto ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, ao
defender o Programa de Ação Econômica do governo, numa faculdade de São Paulo –
a admirador de sua lógica impecável, na defesa de políticas econômicas
racionais, quando o visitei na Câmara dos Deputados, em meados dos anos 1990,
cinco anos antes de sua morte, em 2001. Nessa época, eu já tinha lido a maior
parte de sua produção jornalística, os artigos semanais que ele publicou ao
longo de mais de 50 anos nos grandes jornais do Rio e de São Paulo. Nos últimos
meses, dediquei-me a ler seus ensaios mais eruditos, artigos de corte acadêmico
e de análise econômica empiricamente embasada, a começar por sua tese de
mestrado de 1947 – praticamente uma tese de doutorado, na opinião do grande
economista austríaco Joseph Schumpeter – sobre flutuações e ciclos econômicos,
defendida na George Washington University, quando ele servia na embaixada em
Washington, em sua primeira remoção para o exterior pelo Itamaraty.
Como resultado dessa revisão completa de toda a sua obra escrita –
e de diversas entrevistas gravadas nos meios de comunicação – pude compor
metade de um livro organizado por mim, O Homem que Pensou o Brasil: trajetória
intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris), que reúne ainda contribuições
de dez outros colaboradores que se dedicaram a discorrer sobre as diversas
facetas de um intelectual completo, provavelmente o maior do Brasil na segunda
metade do século 20. Nele, o professor de História da Universidade de Brasília
e assessor legislativo Antonio José Barbosa dedica-se, por exemplo, a examinar
seu perfil parlamentar, a última etapa de uma vida inteiramente dedicada a
tentar fazer do Brasil um país menos injusto, uma economia mais desenvolvida, uma
nação mais integrada na grande interdependência global.
O jovem historiador Rogério de Souza Farias examina a participação
de Roberto Campos na comissão de reforma institucional do Itamaraty, na
primeira metade dos anos 1950, quando ele tenta aplicar alguns dos
procedimentos seguidos pelo diplomata americano George Kennan, então
responsável pela área de planejamento político no Departamento de Estado.
Ricardo Vélez-Rodríguez, outro colaborador, focaliza o patrimonialismo na visão
de Roberto Campos, um dos cinco “ismos” negativos – juntamente com o
protecionismo, o nacionalismo, o corporativismo e o estatismo – a comprometer o
desenvolvimento sustentado do Brasil.
Em todas as demais contribuições a essa obra – de Antonio Paim,
Ives Gandra Martins, Reginaldo Teixeira Perez, Carlos Henrique Cardim, Roberto
Castello Branco, Rubem Freitas Novaes e Paulo Kramer, que traça um paralelo
entre Campos e Raymond Aron – transparece a profunda adequação dos diagnósticos
e das prescrições do economista e diplomata à atualidade dos problemas
brasileiros, de uma maneira até angustiante, ao constatarmos que tudo o que ele
dizia desde meados dos anos 1950 até seus últimos anos se aplica quase que de
maneira perfeita aos desafios que enfrentam os dirigentes do governo Temer, depois
da Grande Destruição produzida pelas irresponsáveis administrações
lulopetistas. Campos, que teve sobre Raymond Aron a sorte de ver suas previsões
sobre a inviabilidade do socialismo como regime econômico e político
confirmadas pelo veredicto da História, teve também a duvidosa “felicidade” de
não assistir ao desmantelamento da frágil estabilidade criada pelo Plano Real
sob os golpes combinados da inépcia e da corrupção dos governos lulopetistas.
No dia do centenário de Roberto Campos, outro livro, Lanterna na
Proa, organizado por Paulo Rabello de Castro e Ives Gandra Martins (Editora
Resistência Cultural), também será lançado, trazendo as contribuições de mais
de 60 autores sobre igual número de aspectos da vida e da obra do diplomata que
assistiu à criação da ordem econômica contemporânea, em Bretton Woods, em 1944
(objeto de um dos meus textos), participou do exercício pioneiro de
planejamento econômico no âmbito da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos,
dirigiu e presidiu o BNDE (outro dos meus capítulos no mesmo livro) e exerceu,
com Octávio Gouvêa de Bulhões, a liderança do maior esforço de reforma e de
modernização da economia brasileira, em meados dos anos 1960. Os dois livros,
diferentes em estilo, mas animados pelo mesmo espírito de recuperação dos
argumentos pertinentes de Campos em prol da superação das diversas crises
econômicas a que assistiu desde a 2.ª Guerra, trazem detalhes de como ele
formulou suas recomendações de políticas públicas sem nenhum vezo ideológico,
ou obsessão com a austeridade, apenas animado por sua postura eclética e
abertura aos dados da realidade.
Aos 100 anos, Roberto Campos ainda vive. Vale relê-lo.
PAULO ROBERTO DE ALMEIDA É DIRETOR DO IPRI-FUNAG-MRE, INSTITUTO DE
PESQUISA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS