terça-feira, 5 de abril de 2011

Ranking para quê?

VLADIMIR SAFATLE escreve hoje na FOLHA DE S. PAULO sobre “Ranking para quê?”

Um dos setores mais problemáticos das avaliações acadêmicas são os rankings mundiais de universidades. Mesmo com critérios que muitas vezes beiram o absurdo, eles influenciam decisões importantes ligadas à educação superior. Por isso, uma discussão sobre como tais rankings são feitos é mais que urgente.

Primeiro, o que impressiona quando os comparamos entre si são os disparates. Por exemplo, no ranking elaborado pela Universidade de Xangai, a Universidade de Paris 6 aparece em 39º lugar. Já naquele feito pela Times Higher Education, a mesma universidade está na 140ª posição.

A canadense McGill University ocupa a 61ª posição no ranking da Universidade de Xangai e a 35ª naquele da Times Higher Education. A USP aparece entre as 150 primeiras em um caso e sequer entre as 200 primeiras no outro. Esses são dois dos rankings mundialmente mais influentes.

Podemos dizer que o problema está na diversidade de critérios usados de um ranking a outro. Mas o problema é exatamente este: a ausência de um conjunto de critérios de fato representativo dos tipos de pesquisa e do real impacto da produção acadêmica.

Muitas vezes, os critérios são arbitrários e sem racionalidade alguma. Um claro exemplo diz respeito à avaliação da produção acadêmica. Em geral, tais rankings se propõem a avaliar a produção acadêmica a partir do total de artigos publicados em revistas indexadas ou a partir dos índices de citações a artigos e autores.

Note-se duas coisas impressionantes. Primeiro, tudo se passa como se não existissem livros. Se você é um pesquisador que produz um livro por ano, isso não será relevante para a avaliação da produtividade de sua universidade.

A razão é simplesmente o fato da área de ciências exatas ter sua produção baseada em artigos e papers. Mas isso não reflete a multiplicidade dos modos de produção acadêmica. Até segunda ordem, a cultura ocidental é uma cultura do livro, construída e influenciada a partir de livros, e não uma cultura do paper.

Por outro lado, os índices de citações expõem apenas a capacidade de circulação de um artigo, não sua qualidade. Não é difícil perceber que um artigo escrito em inglês sempre será mais citado que outro publicado em português, mesmo que o segundo seja melhor que o primeiro.

Mas, apesar disso, o fato de haver pesquisadores exóticos que ainda escrevem em português não indica que eles são inaptos a escrever em outra língua. Indica apenas que querem ter impacto em seu país, influenciar um público que fala sua própria língua.

É difícil entender por que critérios tão distorcidos sejam levados a sério. Está na hora de estabelecermos um verdadeiro diálogo entre áreas a fim de chegarmos a algo menos tendencioso e irreal.

O trilema.

Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO sobre O TRILEMA. Boa Leitura!!!

Há muitos anos, os economistas reconheceram as estreitas relações que existem entre os regimes da taxa de câmbio e a autonomia monetária de cada país. Teorizando sobre situações-limite: 1) liberdade absoluta ou controle absoluto dos movimentos de capitais nas relações externas; 2) taxa de câmbio absolutamente flutuante ou taxa de câmbio absolutamente fixa; 3) liberdade absoluta ou constrangimento absoluto para que a política monetária atenda às condições econômicas domésticas e estabilize a economia; e 4) adicionando a hipótese que os agentes são absolutamente racionais e exploram qualquer oportunidade de lucro que possa ser apropriado pela livre arbitragem, pode-se demonstrar, logicamente, que a política econômica de um país não pode usar mais do que duas, das três primeiras condições expostas acima. Essa construção lógica constitui o famoso trilema que condiciona o exercício da política econômica.

Em outras palavras, ela pode incorporar:

1) Controle do movimento de capitais e câmbio fixo. Nesse caso, há plena liberdade para a política monetária perseguir os interesses internos do país. É claro que, nessas condições, a taxa de câmbio fixo é o preço relativo que equilibra o valor do fluxo dos bens e serviços exportados com os importados.

Se a taxa de inflação gerada pela política monetária autônoma for sistematicamente maior do que a do mundo, a taxa real de câmbio sofre uma valorização e, mais dia, menos dia, acumula-se um déficit em conta corrente que, quando as reservas de divisas se acabarem, exigirá uma desvalorização, com altos custos políticos para o poder incumbente e graves danos para a economia.

É exatamente esse custo que impõe limites à liberdade monetária. Em princípio, esse regime deve induzir a política monetária a perseguir uma taxa de inflação parecida com a do "resto do mundo". Trata-se do sistema construído originalmente no acordo de Bretton Woods, que, infelizmente, foi erodido pelo domínio do dólar como unidade de conta internacional e moeda reserva.

Ele deu aos EUA um privilégio exagerado, já pressentido por Keynes em 1943. Depois da crise dos anos 70 do século passado, quando os EUA desencarnaram o valor do dólar do ouro, o câmbio fixo transformou-se em anátema;

2) Liberdade de movimento de capitais e câmbio fixo. Nessa circunstância, o país não pode ter uma política monetária que cuide dos seus interesses internos. Para que haja equilíbrio no longo prazo, a sua taxa real de juros deve ser igual à taxa real de equilíbrio do "resto do mundo". Se a taxa de juros interna for maior do que a externa, a acumulação de reservas produzida pela entrada de capital precisa ser neutralizada pelo aumento crescente da dívida pública (e aumento do seu custo) e, no limite, será monetizada, criando as condições para a emergência de um processo inflacionário.

Se a taxa de juros real interna for menor do que a externa, haverá uma arbitragem inversa que, num prazo maior ou menor, consumirá as reservas de divisas e, cedo ou tarde, a taxa de câmbio (fixa) deve ser desvalorizada, criando as condições para a emergência de um processo inflacionário, e desequilibrará as finanças públicas e das empresas que usaram o capital externo para financiar-se;

3) Controle do movimento de capitais e taxa de câmbio flutuante. Nesse caso, pode-se ter uma política monetária interna que atenda aos interesses internos do país. A taxa de câmbio flutuante volta a ser o velho preço relativo, que equilibra o valor do fluxo de bens e serviços exportados com o valor do fluxo de bens e serviços importados;

4) Liberdade de movimento de capitais e câmbio flutuante. Nesse caso, a política monetária precisa manter a taxa real de juros interna igual à externa para construir um equilíbrio de longo prazo.

É claro que nenhum país pratica políticas econômicas com a "pureza" suposta na construção lógica do "trilema". Todos tendem a acomodar (de acordo com as circunstâncias que enfrentam dentro e fora do país e dos interesses do poder incumbente) uma combinação variável do movimento de capitais, do regime cambial e da liberdade da política monetária.

Assistimos isso agora no Brasil. Com três instrumentos de intervenção cambial, o Banco Central transformou o regime cambial. Temos hoje, praticamente, uma taxa de câmbio fixa. Trata-se de um mecanismo de "legítima defesa", justificado pela destruição interna causada pela supervalorização do real. Ninguém discute que a tendência do real é valorizar-se, se não por outras causas, apenas pela elevação do PIB per capita. No momento, essa tendência é ajudada pelas melhorias das relações de troca (enquanto durarem). O que se discute é a "supervalorização" causada pelo enorme diferencial das taxas de juros reais interna e externa.

O "trilema" não é apenas uma proposição logicamente deduzida. Pesquisas empíricas que vão se acumulando mostram sua relevância. Parece que não importa qual seja a combinação escolhida para nossa política econômica: é pouco provável que ela seja exitosa no longo prazo, se a taxa de juro real interna continuar três vezes maior que a externa...

O pêndulo da economia.

Recebi do Professor CARLOS PIO, o texto abaixo escrito pelo ILAN GOLDFAJN para o ESTADÃO edição de hoje. Boa leitura!

Outro dia pensei no pêndulo. Não naquele em que Galileu Galilei desenvolveu os seus estudos, mas sim no campo das ideias e da política econômica. O mundo já favoreceu o câmbio flutuante para depois fixar o câmbio, antes de voltar a gostar da flexibilidade do câmbio. A oscilação pendular ocorre também em outras áreas da economia. E atualmente?

Após a crise internacional, o mundo quer mudar. Observam-se novas medidas e ideias. Todos querem evitar nova crise de tamanha perda de riqueza, produção e emprego, como ocorreu. Acadêmicos estão debruçados em entender as causas do episódio e as lições para a frente. Autoridades querem atuar de forma a evitar excessos e bolhas, precursores da queda, e já atuam de forma diferente. Alguns analistas entendem a situação atual como um marco para a mudança de ideias e políticas econômicas. Mas quais serão as mudanças permanentes e quais não sobreviverão ao teste do tempo? Que tipo de mudança é benéfico e qual é simplesmente uma sobrerreação à crise?

Em vez de especular sobre a direção que as novas ideias e políticas podem tomar, aproveito para listar alguns aspectos de política econômica que me parecem que devam permanecer após o atual brainstorming (livre pensar é só pensar):

Crescimento sustentável é consequência de esforços árduos que levem a ganhos de produtividade, inovações, além de investimentos significativos, inclusive na qualidade da educação. Não há caminho fácil. O crescimento sustentável vai continuar precisando de um ambiente estável, sem inflação nem altos riscos soberanos (dívidas públicas altas), de forma a permitir enxergar o futuro longínquo, fundamental para implementar os projetos de longo prazo.

Inflação de demanda continuará existindo (assim como choques de oferta). Se houver mais demanda de mão de obra do que oferta disponível, o salário vai acabar subindo. Se a demanda de um bem é tal que a oferta não consegue acompanhar, haverá reajustes de preço. Excesso de demanda terá de ser combatido por alguma medida de contenção (fiscal, juros, crédito, etc.) que levará a alguma desaceleração temporária (enquanto dure o excesso) de demanda e nível de atividade.

Não há almoço grátis no combate à inflação. Todos os instrumentos utilizados para combater a inflação têm algum efeito colateral (além do próprio desaquecimento, que não é efeito colateral, é o próprio objetivo de arrumar a casa para o crescimento sustentado). Combater a inflação via subida de juros tem efeitos colaterais, encarece a dívida (não prefixada) dos devedores, em especial dos governos. Combater a inflação via medidas macroprudenciais, entendidas como medidas administrativas que afetam a quantidade e o preço do crédito, pode gerar distorções (setores mais afetados que outros) e desintermediação da economia (busca de canais não regulados de crédito).

A tarefa de combate à inflação é facilitada quando os que reajustam preços e salários acreditam numa trajetória benigna para o futuro. Quanto mais benigna a visão, menor será o desaquecimento necessário para combater uma determinada inflação. Os bancos centrais provavelmente continuarão no seu esforço de convencer todos do plano de ação, independentemente da forma como se medem essas visões (ou expectativas de inflação).

No médio e longo prazos, o juro nominal da economia vai ser tanto menor quanto mais baixa for a inflação da economia. Metas de inflação convergentes para o padrão internacional serão premiadas com juros nominais menores, importantes para ajudar desenvolver o financiamento de longo prazo.

A regulação em vários setores da economia continuará sendo periodicamente reavaliada. Certamente haverá um aumento de medidas de prevenção contra o crescimento exagerado de preços de ativos (como já vem sendo feito). Medidas macroprudenciais têm o objetivo de evitar bolhas e instabilidade financeira que as seguem. Provavelmente, crises iguais à do passado serão evitadas. Mas novas crises poderão surgir, vindas de causas ainda não imaginadas. A História demonstra que novas distorções aparecem e crises são recorrentes.

Controles de capital não serão a solução permanente para os desequilíbrios locais e globais. Independentemente do debate sobre a eficácia dos controles de capital (se há como evitá-los), excessos de fluxos terão de ser combatidos com as políticas macroeconômicas adequadas. Políticas fiscais relativamente expansionistas dos receptores terão de se ajustar (porque pressionam os juros para cima e demandam fluxos), assim como políticas monetárias expansionistas nos países exportadores de capital (porque reduzem juros e induzem saídas). Além disso, os fluxos também tenderão a fluir para os países que apresentem as melhores perspectivas de crescimento, não obstante as medidas de controle de capital.

O investimento total continuará sendo composto de uma parcela pública e outra privada. O investimento público continuará dependendo dos recursos à disposição do governo. O investimento privado continuará sendo essencial e fluirá para as jurisdições que ofereçam as melhores condições, entre elas o respeito aos contratos, regras claras e agências reguladoras com liberdade para trabalhar.

O pêndulo está em movimento, provavelmente haverá sobrerreação à crise. Algumas novas (e renovadas) ideias serão postas em prática, somente para depois serem descartadas. Outras (poucas) novas ideias serão consideradas boas práticas e incorporadas ao conhecimento coletivo, após serem postas à prova. Em seu devido tempo, serão criticadas e questionadas, talvez após uma nova crise futura. Mas há ideias e práticas que permanecerão valendo. Listei apenas algumas que me parecem gerais o suficiente para tal. Importante reconhecer quais são para evitar oscilar aos sabores da última crise.

domingo, 3 de abril de 2011

Armínio Fraga na Folha de S. Paulo

Folha - Está emergindo um novo pensamento econômico pós-crise financeira?

Arminio Fraga - Acho cedo para dizer que temos um novo paradigma, provavelmente não. A economia vive se reinventando, se redescobrindo. A importância do crédito por si só não constitui aventura intelectual ou novidade. Vale salientar apenas que o uso de medidas nesta área deve ser claro no seu propósito e justificativa (genuinamente prudencial, ou seja, voltada para reduzir risco sistêmico).

O mesmo vale para regulamentações da conta de capital. Por exemplo, medidas prudenciais temporárias podem ser úteis para limitar a acumulação capitais de curto prazo, enquanto não são postas em prática políticas mais fundamentais que levem a queda relevante dos juros.

Olivier Blanchard diz que há muitos instrumentos de política econômica, mas que não se tem muita certeza sobre como utilizá-los. Isso não cria muita incerteza? Não creio que tenhamos tantos instrumentos assim, é preciso um certo cuidado. Os instrumentos prudenciais no fundo são apenas um e devem preferencialmente cuidar de questões de risco, enquanto a taxa de juros deve cuidar da inflação.

O ponto do Blanchard é que em certos momentos as combinações desses instrumentos podem variar, podem ser otimizadas. Quando os objetivos prudenciais e macro estão alinhados, não há grandes problemas, e a calibragem pode ser feita.

Na prática os governos em geral erram e se iludem quando trocam uma solução aparentemente mais cômoda no curto prazo pela introdução de distorções cujos custos não são óbvios, mas existem. Má alocação do crédito, por exemplo.

No Brasil há um ceticismo do mercado em relação à política econômica vigente. Quais os riscos desse cenário?

O mercado tem medo de que se utilizem medidas prudenciais para não ter que aumentar os juros. É um bom debate. Ou de que se entorte o crédito sem ser por razões prudenciais. Outro bom debate. Minha visão, que não é de hoje, sugere que o governo tem de reverter a expansão fiscal do ano passado e tomar cuidado com o crédito, especialmente com os bancos públicos. Portanto sou a favor do esforço fiscal e de medidas prudenciais.

Além disso, claro, a taxa de juros tem de ser a necessária para trazer a inflação de volta para a meta ano que vem. De qualquer forma, não vejo grandes mundos novos aqui, inclusive nada disso é necessariamente heterodoxo, no mau sentido. Os riscos são tentar atingir metas que são impossíveis no curto prazo, e tem a ver com pedir demais do Banco Central.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...