domingo, 22 de maio de 2011

Folha entrevista Luiz Carlos Mendonca de Barros.

A competente ELEONORA DE LUCENA, da FOLHA DE S. PAULO entrevista neste domingo o sempre influente economista LUIZ CARLOS MENDONCA DE BARROS.

Ex-ministro tucano, Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, traça diferenças entre Lula e Dilma. Conclui que a atual política econômica está mais à esquerda. Nesta entrevista, fala de inflação e sugere redução no crescimento.

Também advoga a implantação de quarentena para o capital externo. Para Mendonça, as finanças vão ficar menos confiantes no governo se o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) cair. Executor de boa parte da privatização nos anos FHC, avalia que o PSDB é hoje um partido mais medíocre.

Folha - Quais são as diferenças ente Dilma e Lula? Luiz Carlos Mendonça de Barros - A economia de Lula era continuidade da de FHC. Quando a inflação ameaçava subir, o BC aumentava juros. Está claro que Dilma mexeu nessa lógica. O pessoal da Unicamp passou a ter papel de formulador de política. O Banco Central de [Henrique] Meirelles tinha uma linha mais liberal, de gente do mercado financeiro. O BC de Dilma é formado por burocratas.

Existe uma visão de que o BC era sempre capturado pelas finanças.

Não era capturado. O BC reproduzia a leitura que o mercado financeiro tem da política econômica.

E agora não mais?

Não. Há diferença de comportamento. É muito difícil para um burocrata ir contra a hierarquia. Com Lula, havia um conflito entre BC e Fazenda. Quem ganhava era o BC. Houve uma inversão. A política econômica é conduzida por [Guido] Mantega. No sistema de metas, está se levando em consideração o custo para o crescimento. E usam outros instrumentos além dos juros, como as medidas macroprudenciais. O mercado financeiro está insatisfeito? Quer acreditar que não mudou nada. Está num período de grandes incertezas.

O mercado está sendo prejudicado?

Não, mas muda a forma de trabalhar. O mercado detesta mudança. O governo Dilma -e daí a importância da questão do Palocci- tem uma irracionalidade. Tem um lado que aparentemente é dominante e que tem uma leitura diferente da de Lula. E o Palocci é um sinal de que a racionalidade anterior não está abandonada.

O sr. acha que ele vai ficar?

Não sei. A Bolsa caiu, o dólar subiu. É porque tem uma insegurança latente. Se Palocci sair, vai ter um efeito importante sobre expectativas. Vai ficar menos confiante na política do governo. É importante mostrar que Dilma tem política diferente.

É mais à esquerda?

O pensamento econômico do governo Dilma é mais à esquerda do que na época de Lula. Tem uma ideia de intervenção mais forte do Estado.

Com Lula havia um certo conflito. A macroeconomia era bem ortodoxa, mas o Estado intervinha. Com Dilma aumentou essa contradição. Ela é mais ideológica. Não percebeu a herança maldita de Lula. O crescimento do consumo foi forte e não foi acompanhado pelo investimento produtivo. Entraremos num período em que a inflação vai cair porque tem deflação nas commodities. O país pode se desamarrar do sistema de metas de inflação? Não, porque é preciso uma referência. Sou a favor de um sistema de metas que leve o custo da convergência da inflação em consideração. Mas fazer isso agora é complicado. Bagunça as expectativas.

É preciso reduzir o crescimento agora?

Não há dúvida. O aspecto mais preocupante é o mercado de trabalho. No início de Lula o desemprego era de 12%. Hoje é de 6%. Isso faz uma diferença brutal.

Com essa concentração de renda, o salário tem que ser sempre o vilão?

Exatamente porque há concentração de renda é que os salários viram problema. Todo o aumento vira consumo. Há uma capacidade limitada de produzir. A alta de consumo em Lula ocorreu com oferta sobrando. Dilma não tem essa folga. Se a economia crescer na mesma velocidade vai pressionar custos, e a inflação vai subir.

E o câmbio?

O Brasil virou um país desejado por todos. Cerca de 80% do dinheiro que chega é para comprar bens. O real é uma moeda confiável. Evidente que tem um componente de juro, mas não é o principal. O governo precisa rever a agenda de problemas. E o que estaria no topo dessa nova agenda?

A inflação, porque vai virar problema político. Se não resolver, vai bater na popularidade. Mas o primeiro item é o excesso de entrada de capital estrangeiro de investimento. Não é especulativo. Portanto não adianta pôr IOF de um ano.

O sr. faria uma quarentena?

Eu faria uma quarentena mesmo. O dinheiro entra, fica seis meses, um ano, e depois é liberado. O dinheiro de investimento permite que se tenha isso. A entrada de capital externo para investimento é boa. Mas, se não tiver uma dosagem, vira coisa ruim via câmbio.

O que o sr. faria diferente?

Tentaria moderar essa entrada de capital. O Brasil tem hoje uma agenda de problemas derivados do sucesso. A inflação é a ponta do iceberg desses desequilíbrios todos. Por exemplo: qual é o problema de privatizar os aeroportos no Brasil? O único problema é o político. Como Lula venceu fazendo da privatização um demônio, Dilma está com dificuldade e não resolve o problema.

O sr. faria diferente a privatização hoje?

Tem erros na privatização. Por que o pedágio em SP é caro? Porque, na época, Mario Covas quis arrecadar. Ganhava quem pagasse mais. Isso é um absurdo. Porque o concessionário cobra do usuário. O Serra ainda insistiu nesse erro no Rodoanel. Agora mudou. O leilão é feito em cima do menor custo de pedágio.

O modelo de privatização do PT então foi melhor do que o do PSDB?

Nesse caso é melhor. O erro do PT foi fixar um pedágio muito menor do que deveria ser. Aí a qualidade do serviço... A privatização terá que ser revista porque ninguém é perfeito.

No caso da telefonia, a tarifa não é muito alta, uma das mais caras do mundo?

Por causa de imposto. A parte que sobra para o concessionário é uma das mais baixas do mundo porque tem concorrência. Basta olhar a propaganda na TV.

Mas não houve a competição prevista. As teles divididas se uniram na Oi, e em SP é quase só Telefônica, não? Isso na telefonia fixa. Porque tem um problema técnico. Não é econômico fazer dois sistemas de cabo numa região. Não se sabia disso na época. Mas o telefone no Brasil é celular. É caro porque metade da tarifa é imposto.

E a crise do PSDB?

O PSDB sofre uma mudança de líderes que não têm a visão estratégica dos que ficaram para trás. É um partido mais medíocre. Tem o azar de ser oposição num momento em que a população está satisfeita. A maior contribuição do Lula foi transformar o PT num partido burguês igual aos outros. O sr. concorda que ex-ministro é valorizado pelo mercado? Precisa ter algum talento. Político é paparicado em qualquer lugar no mundo. Nos EUA há uma forma mais transparente, clara. O lobby é registrado. Deveria ter isso aqui. Palocci não está muito enfraquecido? Prefiro olhar de longe. Eu já passei por isso. A imprensa às vezes é injusta.

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