Antonio Delfim Netto, hoje no Valor Econômico
e a sua visão do “programa nacional” brasileiro.
Neste momento de incerteza em que parece que
o país não tem rumo, que parece viver de pequenos expedientes e no qual se
exige um "coerente programa nacional em que o Brasil explicite com clareza
o que quer de si mesmo", é bom lembrar que ele existe. A Constituição
tem, ínsita, uma linha de desenvolvimento político, social e econômico que, com
as dificuldades naturais, vem sendo seguida. Afinal, que tipo de sociedade
os brasileiros escolheram para viver através dos seus constituintes? Não é
coisa fácil de definir porque a Constituição é extremamente analítica, mas
podemos definir o seu "espírito original" em três grandes vetores:
1) uma sociedade republicana em que todo
cidadão, independente de sua origem, cor, credo, gênero, educação ou patrimônio,
obedecerá à mesma lei, à qual se submeterá, inclusive, o Estado; 2) uma
sociedade democrática, controlada pelo sufrágio universal com voto secreto,
amplo e irrestrito no qual, em princípio, quem vota pode também ser votado; 3)
um Estado forte, mas constitucionalmente controlado, que garanta o
funcionamento de uma sociedade aberta, onde os indivíduos têm plena liberdade
para iniciativa lícita e podem apropriar-se dos seus benefícios; com poder para
regular a organização econômica que sustenta o uso dos mercados na alocação de
bens e serviços; e com poder para ir ampliando a construção de uma sociedade
onde cada vez mais adquire significado concreto a igualdade de oportunidades. É
preciso dizer que diante desse programa civilizatório não há a menor dicotomia
entre Estado e mercado.
Para entender porque os economistas podem ser
úteis, não no estabelecimento desse objetivo, mas na facilitação da sua
realização é preciso reconhecer que a condição preliminar para atingi-los é o
aumento da produtividade do trabalho, que encolhe o tempo necessário do homem
para construir sua sobrevivência física e expande o tempo disponível para que
ele conquiste a sua humanidade. O desenvolvimento é apenas o instrumento que,
eventualmente, tornará possível ao homem realizar-se plenamente.
O problema é que, por maior que sejam nossos
desejos e por melhor que sejam as "instruções" da Constituição para a
construção do nosso processo civilizatório, há realidades físicas que obstruem
a sua marcha e decisões políticas que podem acelerá-la ou retardá-la. Para
entender isso observe-se o gráfico abaixo, já publicado nesta coluna uma meia
dúzia de vezes, ao longo dos últimos 12 anos. Numa simplificação radical ele
revela a essência do processo de desenvolvimento numa economia fechada. Da população
total (N) extraímos a população economicamente ativa (com seu nível de educação
e saúde) e, dela, a Força de Trabalho (L), os que podem e querem trabalhar.
Esses, usando o Estoque de Capital (K), que é trabalho do passado congelado na
forma de infraestrutura, máquinas etc. produzem o PIB. É fato empírico bem
comprovado que a "produtividade" da combinação do capital (K) com o
trabalho (L) depende, dentro de certos limites da intensidade da relação entre
eles (K/L), ou seja, da quantidade de capital (K) de que dispõe cada unidade da
mão de obra (L).
Trata-se, obviamente, de uma metáfora não
mensurável que permite entender que o tamanho do PIB depende do estoque de
capital (K), da disponibilidade do trabalho (L) e da sua
"produtividade" (K/L). A velocidade do processo é determinada pelo
ritmo de crescimento do capital com relação ao do trabalho. Há, portanto, uma
clara relação entre o ritmo possível do consumo e a velocidade desejada de
crescimento.
Até aqui o processo é puramente físico e a
economia tem muita coisa útil para dizer e ensinar sobre ele. Uma vez
produzido, entretanto, a distribuição do PIB entre o consumo que volta para a
população (N) e o investimento que retorna ao estoque de capital (K) para repor
o capital consumido na produção (depreciação) e aumentá-lo, é um processo
político. Nas democracias ele é resolvido nas urnas. Nos regimes autoritários
pelo arbítrio, fora do alcance da economia e dos economistas. O que esses podem
fazer é apontar os inevitáveis resultados práticos das escolhas políticas e o
nível de sua coerência no longo prazo com os objetivos estabelecidos pela
sociedade.
Não é preciso ser um físico quântico para
compreender que sem um equilíbrio entre o consumo e o investimento, o sistema
não tem energia para se manter funcionando adequadamente. Quando há ênfase
exagerada no consumo (como no Brasil) ou no investimento (como na China) o
sistema perde funcionalidade no longo prazo. Chega a hora de mudar. O Brasil
precisa dar ênfase ao investimento e às exportações sem recuar na inserção
social. A China precisa reduzir os investimentos e a exportação para dar ênfase
ao consumo.
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