ANTONIO DELFIM NETTO em entrevista, hoje, na FOLHA DE S. PAULO.
Folha - O
senhor adotou um tom mais crítico em relação ao governo. O que o levou a isso?
Antonio
Delfim Netto - Não mudou o tom coisa nenhuma. Eu acho
que a política do Lula era boa. Considero a Dilma uma tecnocrata de altíssima
qualidade. Tudo o que ela está fazendo está na direção certa. Começando com
aquela intervenção na poupança, a redução dos juros, a redução do custo de
energia.
O que eu digo
é o seguinte, a minha mudança...
Chamei a
atenção para uma coisa que foi exagerada, a operação quadrangular entre
Tesouro, BNDES, Caixa Econômica. Aquilo diminui a credibilidade da política.
Você não precisava do superavit primário de 3,1% [do PIB]; com 2% você fazia o
serviço.
Os
investidores parecem estar menos confiantes no governo.
O governo não
tem conseguido produzir leilões capazes de atrair a iniciativa privada. Tenta
fixar coisas que não podem ser fixadas simultaneamente.
Você pode
fixar a qualidade da concessão. E depois fazer um leilão competitivo em que é
determinada a taxa de retorno. Esse é o modelo ideal. Ou você fixa a taxa de
retorno e o mercado vai responder com a porcaria que cabe dentro da taxa de
retorno. O governo não pode é fixar as duas coisas ao mesmo tempo. Se ele não
se afastar desse modelo, a qualidade dos serviços não será a desejada.
E a
infraestrutura do país continuará com problemas?
Sim, nossa
infraestrutura continuará em dificuldades.
Isso impacta
o crescimento?
Não há razão
para o Brasil não poder crescer entre 3,5% e 4% neste ano. Mas vai depender do
nível de investimento. Se você conseguir concessões com qualidade razoável e
taxa de retorno adequada, vai atrair o investimento privado.
O que mais o
governo pode fazer para recuperar a confiança do setor privado?
Há medidas
como a desoneração da folha de pagamento junto com a relativa desvalorização do
real que estão produzindo efeitos importantes na estrutura produtiva e na
própria exportação.
Mas, quando o
governo faz uma intervenção intempestiva no câmbio, aquelas pessoas que tomaram
o risco de acreditar na política de desoneração e de câmbio entram em estado de
estresse.
O sr. se
refere à intervenção do BC [para valorizar o real]?
É. Essa ideia
de que corrigir cinco centavos no câmbio muda a expectativa de inflação é
absurda.
Produziu
algum efeito terrível físico? Não. Mas produziu uma dificuldade na
credibilidade do governo.
Não se pode
estressar mais o setor industrial.
O sr. também
tem criticado os incentivos a setores escolhidos por meio do BNDES.
É verdade,
acho que essa não é uma política das mais inteligentes, formar oligopsônios [em
que poucas empresas, de grande porte, compram determinado produto] e
oligopólios com recursos do Tesouro, porque é óbvio que não são instrumentos
eficientes no processo competitivo. São contra a competição. Mas isso vem de
muito tempo. Não tem nada a ver com a Dilma.
Vem do
governo Lula?
Sim, vem do
governo Lula. Tanto quanto sei até hoje, essa não é uma coisa que termine bem.
Como termina?
Com mais
inflação.
A inflação
hoje é um risco?
Não acredito.
A inflação vai flutuar um pouco. O BC continua com os instrumentos, tem
autonomia. É um erro imaginar que não opere. Como é um erro imaginar que o
governo não saiba administrar essa política econômica.
O que tem
acontecido de melhor no país?
O lado bom é
que as instituições estão muito mais fortes do que sempre estiveram. O Brasil é
o emergente que tem as instituições mais sólidas, como prova esse julgamento do
STF [do mensalão]. E, mesmo que tenha crescido pouco, temos crescido reduzindo
a desigualdade. A redução da desigualdade é tão importante quanto o
crescimento.
E estou
convencido: se o governo corrigir essas pequenas coisas, vamos crescer entre
3,5% e 4%. Se não corrigir, vamos ter um crescimento menor. Mas não significa
que o Brasil vai entrar em estagnação. Simplesmente vai ter crescimento menor.
Mas isso não
seria ruim?
É claro que
um crescimento maior é melhor, desde que acompanhado desse aumento de igualdade
de oportunidade. Este é o ponto central: estamos construindo uma sociedade mais
decente, dando à economia de mercado o que falta a ela, que é a redução da
flutuação no nível de emprego e o aumento da oportunidade de igualdade. Não há
razão para esse catastrofismo que se apropriou do país.
O erro do
truque fiscal produziu esse efeito. Permitiu que se generalizasse a ideia de
que o governo não sabe o que está fazendo. Duvido que o governo repita esse
erro.
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