Mac Margolis, colunista do ESTADO, correspondente da "NEWSWEEK" no Brasil e editor do site WWW.BRAZILINFOCUS.COM, escreve que ‘O CHAVISMO PERDE A CABEÇA.
Hugo Chávez não está bem. Não me refiro ao câncer que ele e seus aliados tentaram esconder. Tampouco à luta de poder deflagrada pela perspectiva de sua eventual incapacidade. Seu problema agora é de ordem existencial e ameaça a pedra fundamental ideológica na qual ele ergueu sua revolução bolivariana e passou a vendê-la ao mundo.
É que Chávez acaba de receber um puxão de orelha de Noam Chomsky. Em carta aberta, o renomado linguista americano fez duras críticas ao governo pelo tratamento desferido a Maria Lourdes Afiuni, magistrada venezuelana presa em 2009 e humilhada desde então.
A ofensa de Afiuni foi mandar soltar um banqueiro acusado de corrupção pela promotoria chavista. E, na cartilha bolivariana, indultar banqueiro ou empresário - isto é, aqueles que não se corromperam - é afagar o inimigo. O próprio Chávez colocou querosene na fogueira ao exigir, furioso, que a juíza fosse condenada a 30 anos de cadeia - pena máxima.
Afiuni passou mais de um ano no Instituto Nacional de Orientação Feminina, onde teria sofrido horrores, de ameaças de morte a tentativa de estupro. Hoje, em prisão domiciliar, está com a saúde fragilizada.
Chomsky denunciou o "tratamento degradante" que a juíza recebeu no cárcere e pressionou por sua libertação imediata.
Normalmente, o comandante nem pestanejaria. Mas o professor Chomsky não é um dissidente qualquer, senão o decano dos críticos do "imperialismo" americano e fiel defensor de regimes indefensáveis, entre eles o de Chávez. "Um mundo melhor está sendo construído", se entusiasmou ele em 2009, depois de uma excursão à Caracas de Chávez.
Ele foi um dos muitos intelectuais de gabarito internacional que assinaram a carta de repúdio ao Human Rights Watch que, em 2008, denunciou o que poucos duvidavam: o chavismo se apoia na sistemática perseguição da oposição, violação de direitos humanos, intimidação da imprensa e interferência no Judiciário.
Chávez correspondeu à gentileza, sugerindo que o presidente Barack Obama contemplasse Chomsky com a indicação para assumir a Embaixada Americana em Caracas. Chomsky continua admirador do homem forte venezuelano e ainda é condescendente com o silêncio de seus aliados intelectuais a respeito dos "ataques maldosos e implacáveis dos EUA e do Ocidente" contra a Venezuela de Chávez.
No entanto, a crítica contundente no caso Afiuni foi um duro recado de que a indulgência tem limite. Doente, com a economia enfraquecida e a violência em alta, Chávez não pode desprezar os amigos que ainda tem. Cuba, aliada fiel, está decadente e politicamente irrelevante.
Os novos líderes do continente elegeram o lulismo - e não o chavismo - como modelo de governo, entre eles o presidente eleito peruano, Ollanta Humala, ex-chavista de carteirinha. A Espanha está prestes a eleger um novo primeiro-ministro de direita, que já decretou o fim da condescendência de Madri com a esquerda latino-americana.
Chávez, porém, ainda tem jogo. Seu experimento bolivariano ocupa uma lacuna fundamental no imaginário do nosso tempo, o de reserva moral do minguante socialismo internacional. Anos atrás, o titular desse papel era Cuba, quando Fidel Castro esbanjava vigor e sua ilha ainda simbolizava a última barreira ao império ianque.
Lembro-me, nos anos 70, dos intrépidos colegas de faculdade que trocavam suas férias por uma passagem para Cuba, onde se juntariam às Brigadas Venceremos, cortando cana-de-açúcar para a revolução.
De lá para cá, Cuba perdeu seu charme e os turistas ideológicos. Hoje, seus órfãos estão encalhados na Venezuela. Destaque para Sean Penn, Benício del Toro, Oliver Stone e Danny Glover - a esquerda festiva de Hollywood, que viu no bolivarianismo a chance de pregar a revolução com a boina alheia. Noam Chomsky, cabeça pensante da turma, acaba de colocar um pé fora do barco, já há muito tempo sem rumo.
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