Clovis Rossi, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre o drama que passa a economia americana e, pela grandiosidade, a mundial.
O presidente Barack Obama, em seu enésimo apelo ao bom-senso, lembrou na sexta-feira que os Estados Unidos correm o risco de perder, pela primeira vez na história, o melhor "rating" não porque não tenham a capacidade de pagar as contas, "mas porque não temos um sistema político AAA que corresponda ao nosso rating de crédito AAA".
É inacreditável, mas é isso mesmo. A dívida norte-americana é de fato colossal, na altura de US$ 14,3 trilhões, o que corresponde, grosso modo, a sete vezes o que o Brasil produz por ano de bens e serviços.
Mas, enquanto o mundo estiver disposto a financiá-la -e continua disposto- não haveria risco de "default", mesmo que parcial, e, por extensão, não haveria risco de degradação da nota de crédito da maior economia do mundo, única superpotência remanescente -fatores que tornam a situação alucinante.
Ao assumir que o sistema político norte-americano não merece nota 10, Obama está concordando explicitamente com a análise recorrente a respeito da crise, análise que fica de pé, aconteça o que acontecer hoje ainda ou amanhã. Há uma enxurrada de comentários dizendo que o sistema político norte-americano tornou-se disfuncional.
Minha opinião: a generalização, como quase toda generalização, é injusta. A disfuncionalidade não é de todo o sistema. Deriva da introdução nele, a partir do ano passado, do fundamentalismo hidrófobo do Tea Party, o movimento ultraconservador que não é majoritário nem entre os republicanos, mas cuja virulência sequestrou a agenda do país e, de certo modo, do mundo.
Basta ler comentário, também de sexta-feira, do "Financial Times", publicação que compartilha com o Tea Party a ojeriza a um Estado grande, mas é séria e responsável o suficiente para dizer: "Esta anabolizada facção populista-conservadora combina um zeloso e intransigente desejo de reduzir o governo com um desprezo cego pelas consequências do default. O desejo é legítimo, a irresponsabilidade é imperdoável".
A irresponsabilidade se torna ainda mais imperdoável quando se sabe que o que está em jogo agora não é aumentar a dívida para o futuro, mas simplesmente para pagar as dívidas já contratadas e devidamente autorizadas pelo Congresso em momentos anteriores.
Portanto, é injusta também a generalização feita pela presidente Dilma Rousseff, na cúpula de quinta-feira da Unasul, ao dizer, referindo-se a Estados Unidos e União Europeia que "a insensatez é a regra".
Em geral, quando se diz que todos são igualmente culpados, acaba-se aceitando que ninguém seja responsabilizado, o que, pelo menos neste caso, é um erro grave.
Se o presidente Obama tem alguma culpa é a de ter sido demasiadamente conciliador, o que o levou a abandonar a sua fórmula preferida -e de elementar sentido comum- de que o ajuste fiscal deveria ser composto por aumento de receita e corte de gastos, na proporção de 20% para 80%.
Agora, com ou sem "default", virão só cortes de gastos, o que o sentido comum diz que não é o mais sadio, num momento em que a economia patina, como mostra o pífio crescimento do segundo trimestre.
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