Para seu domingo começar muito bem, leia abaixo a excelente entrevista da FOLHA DE S. PAULO com Sylvia Nasar sobre o seu novo livro "A Imaginação Econômica". Desde a semana passada que aguardo o envio pela SARAIVA desse livro e pela leitura que fiz da biografia do John Nash - "Uma Mente Brilhante", também escrito pela autora, acredito que terei novamente um ótimo texto para reflexão. Em 12 de agosto passado, postei sobre esse livro e continuo recomendando como imperdível leitura. Tenho certeza que alguns fiéis leitores deste blog concordarão com os comentários da Sylvia Nasar, enquanto outros, certamente, terão sérias restrições para algumas afirmações. Isso faz parte da vida econômica. Afinal, a moeda tem duas faces. Boa leitura e um ótimo domingo a todos.
Com a formação em literatura e economia, a
jornalista Sylvia Nasar investiga em livro dois séculos de história do
pensamento econômico. Em entrevista, ela conta que se assustou ao descobrir que
Marx não entendia conceitos básicos de economia e lamenta que seja mais
lembrado que nomes como Alfred Marshall.
A lista de
piores livros já escritos, para a jornalista americana Sylvia Nasar, autora do
best-seller "Uma Mente Brilhante", inclui "O Capital", de
Karl Marx, ao lado de "Minha Luta", de Adolf Hitler.
A falta de
carinho em relação ao teórico do marxismo resultou do susto que Nasar, com
formação em literatura e economia, tomou ao se aprofundar em sua obra.
"Venho de um ambiente acadêmico marxista, então fiquei chocada quando
percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros",
diz à Folha, em entrevista por telefone, de Nova York.
Nos últimos
anos, Nasar organizou quase dois séculos de historia do pensamento econômico na
obra *"A Imaginação Econômica" [trad. Carlos Eugenio Marcondes de
Moura, Companhia das Letras, 584 págs., R$ 54,50]*, que chega agora ao Brasil.
O trabalho foi
tão extenuante que ela prometeu a si mesma nunca mais escrever outro livro. Os
questionamentos sobre Marx, no fim das contas, acabaram se tornando o elemento
divertido da pesquisa. "Karl Marx e Friedrich Engels são grandes
personagens, cheios de contradições", ela diz.
Contraditórios
ou não, ambos foram, para Nasar, "fios constantes" na narrativa
econômica nos dois últimos séculos -parte da mesma tradição que levou às
manifestações do estilo "Ocupe Wall Street", que tomaram as ruas no
ano passado para protestar contra o capitalismo.
Mas a
acumulação de capital é um dos heróis de "A Imaginação Econômica". A
autora afirma que "nunca houve outro arranjo social que tenha produzido
ganhos tão sustentáveis". Essa é a "grande busca" a respeito da
qual o título, em inglês, se referia ("Grand Pursuit"). Em português,
sumiu a ideia de uma epopeia rumo a um mundo melhor.
Na entrevista a
seguir, Nasar fala sobre o resgate de personagens esquecidos pela
historiografia econômica, como Alfred Marshall e Beatrice Potter - e sobre
aqueles que, acredita, deveriam ser menos lembrados.
Folha - Uma das ideias por trás de "A Imaginação Econômica" é
a de que o capitalismo melhorou o padrão de vida no mundo. Mas temos visto
protestos de quem pensa o contrário, como o movimento "Ocupe Wall
Street".
Sylvia Nasar - Não há nada de novo nessas manifestações.
Esse tipo de protesto começou ao mesmo tempo em que ocorreu a revolução nos
meios de vida, no século 19. Essas críticas, como as encarnadas por Engels e
Marx, foram fios constantes nessa narrativa. Isso é paradoxal. Nunca houve um
arranjo social e um conjunto de instituições e de práticas que tenham produzido
ganhos tão sustentáveis. Isso não apenas no que diz respeito a consumo material
- hoje, a maior parte das pessoas pode fazer escolhas.
Por que então o capitalismo é visto por alguns como um mal?
Toda recessão,
não importa se severa ou branda, produz questionamentos sobre se estamos
realmente fazendo o melhor que podemos. Isso não é ruim. Um dos temas de
"A Imaginação Econômica" é que os gênios da economia sempre pensaram
que nós poderíamos fazer melhor.
Mas não acho
que esses protestos sejam comparáveis às demonstrações de fúria que foram
vistas durante a Grande Depressão, nos anos 30. Hoje, há uma rede de proteção
muito maior. Muitos países podem proteger a população.
É o caso do Brasil?
Sim. A grande
motivação de John Maynard Keynes e Irving Fisher para advogar pela intervenção
estatal como modo de limitar a recessão - opondo-se à ideia de Friedrich Hayek e
Joseph Schumpeter de deixar a natureza seguir seu curso - era evitar os riscos
políticos.
Não é que eles
pensassem que a economia não se recuperaria sozinha, mas que as pessoas iriam
buscar soluções que tornariam os desastres piores. Na América Latina, o maior
risco político sempre foi o populismo. Na Europa Ocidental e na Ásia, o
comunismo.
A sra. diria que o socialismo perdeu a batalha como alternativa
ideológica?
O que está
falido é a ideia de que um sistema controlado pelo governo poderá produzir uma
performance econômica superior, uma performance social superior.
Essa
grandiosidade, a não ser para um número pequeno de pessoas, está morta por ora.
A ideia de que há um modelo único que será seguido por todos para atingir
sucesso econômico não é comprovada por evidência empírica.
Mas, se você
está falando sobre socialismo como aquele do Estado de bem-estar social, acho
que ele está aqui para ficar.
Recentemente você citou "O Capital", de Marx, como um dos
piores livros já escritos.
Eu me diverti
enquanto escrevia sobre marxismo. Marx era realmente esperto. Mas,
infelizmente, ele nunca entendeu, ou quis entender, a coisa a que ele se
dedicava, que era a economia inglesa.
Estudei
economia depois de me formar em literatura. Estava em desvantagem. Era tão
difícil, para mim, que nunca terminei meu PhD. Mas fiquei chocada quando
percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros. Os
erros dele são tão elementares!
As pessoas têm suspeitado da economia como ciência, dizendo que não
previu a crise.
Fazemos o
melhor em termos de resolver as questões econômicas, e não há uma alternativa
real ao pensamento econômico. Não é como na psicologia ou na engenharia, em que
teorias competiram por território.
Você disse durante uma entrevista que, se pudesse escolher um livro para
o presidente dos EUA ler, seria "A Imaginação Econômica". Em que essa
leitura mudaria a política econômica americana?
Eu disse isso?
[Risos] Foi realmente sagaz. Acho que, em tempos de crise, ter liderança é
realmente importante.
As políticas de
Franklin D. Roosevelt não fizeram nada para terminar com a Grande Depressão. As
de Herbert Hoover, idem. As pessoas não sabiam o que fazer. Mas eles exalavam
otimismo - não um otimismo ingênuo, de que o céu está limpo, mas a confiança de
que, na economia de mercado e na democracia, há fundamento para sermos
otimistas.
O que eu
gostaria de ver é o presidente dos EUA, seja ele quem for, inspirar esse tipo
de confiança. Será útil para as pessoas enxergarem que esse não é o fim do
progresso. É um problema solucionável.
Na Europa, a impressão que se tem é de que não há solução.
Me surpreende
que ainda haja quem argumente que não fazer nada é melhor do que fazer. Que
equilibrar o Orçamento é prioridade máxima. Essa ideia não funcionou nos anos
1930!
As pessoas
falam em uma "crise europeia", mas hoje há coisas como o
seguro-desemprego. A crise não está causando o tipo de sofrimento visto na
década de 30. Agora, há um grande colchão. Eles [os europeus] são tão ricos! As
pessoas têm tempo de pensar no que funciona melhor. Não foi assim nos EUA.
Estive na
Polônia, no outono passado. Todas as vitrines, nos shoppings, tinham como alvo
o público jovem. Todas tinham descontos para estudantes. Minha filha me
perguntou: "Ei, mãe, mas como estudantes conseguem comprar aqui?"
"Uma Mente Brilhante" era sobre uma pessoa. "A Imaginação
Econômica", sobre uma ciência. São abordagens opostas?
Sim. Foi isso o
que me deu trabalho. "Uma Mente Brilhante" foi uma tarefa de
repórter. Só um jornalista conseguiria fazer. Não havia textos de referência,
foram necessárias centenas de entrevistas.
Em "A
Imaginação Econômica", lidei com ideias. Foi como escrever dez biografias
diferentes. Organizar tantos personagens e teorias em uma história linear
exigiu muito esforço. Não sou uma grande pensadora. Sou boa para os detalhes e
para as conexões.
Qual seria o resultado de "A Imaginação Econômica", se você
não fosse jornalista?
Nenhum
economista escreveria esse livro. Eles não dedicariam o tempo deles para isso.
É preciso ser um generalista. Cada pessoa, cada evento sobre os quais escrevi
no livro tem uma indústria de acadêmicos por trás dele.
Acadêmicos não
fazem isso, e não deveriam - mas jornalistas podem entrar em um assunto em
"estado de ignorância", confiando na sua habilidade de reunir informações
e contar histórias.
Nesse processo, você resgatou personagens esquecidos pelas narrativas
tradicionais, como Beatrice Potter e Alfred Marshall.
E Irving
Fisher. Quando entrevistei [o economista] Milton Friedman, ele me disse
voluntariamente que o maior economista americano do último século foi Fisher.
Mas ninguém fora do meio econômico sabe quem ele é. Ele desapareceu do
conhecimento popular.
É como Alfred
Marshall, que todos tratam como um vitoriano fora da realidade, mas que era
muito mais consciente sobre a situação inglesa do que Marx.
Acho isso
engraçado. Como é que Marx, o cara que estava errado, terminou como um santo e
Marshall, o cara que era realmente uma força criativa, teve suas contribuições
minimizadas?
Você esteve ocupada com grandes projetos nos últimos 15 anos. Qual é o
impacto na sua vida?
No final de
"A Imaginação Econômica", disse aos meus filhos - se eu disser que vou
escrever um livro de novo, por favor peguem uma arma e atirem em mim.
Quando você
está fazendo uma reportagem, pode entregar o texto ao editor e aproveitar o fim
de semana. Quando escreve um livro, está sempre se sentindo culpado. Ou está
trabalhando, ou está evitando trabalhar.
Mas foi bom que
eu tenha demorado tanto para escrever esse livro. A única época em que as
pessoas se interessam por economia é durante recessões.
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