Recentes dois artigos do Luiz Carlos Mendonça de Barros publicados
no VALOR avaliam a situação econômica brasileira, bem como previsões para 2014.
Neste, o foco é a atual inflação vista por ortodoxos e heterodoxos.
É muito
triste para o analista acompanhar o debate atual sobre a política monetária do
Banco Central (BC). Este sentimento nasce principalmente em função da volta da
inflação para o centro das discussões, depois de mais de dez anos de
esquecimento por parte da sociedade. Esta nossa sensação de "déjà vu"
fica reforçada pelo aparecimento de velhos protagonistas de corte heterodoxo -
com suas mesmas ideias e soluções do passado - ao lado de novos economistas
liberais, com os mesmos erros e utopias de seus colegas mais velhos. Ou seja, em
mais de 30 anos, os membros destes dois grupos não esqueceram nada, mas também
não aprenderam nada de novo.
Como escrevi acima, considero
um retrocesso voltar à questão da inflação nos termos que vêm sendo colocados
pela mídia, aqui e no exterior. Em um
extraordinário trabalho a quatro mãos, os presidentes Fernando Henrique Cardoso
e Lula conseguiram convencer a sociedade brasileira que a estabilidade de
preços é uma condição absolutamente necessária para que o crescimento econômico
seja perene. Mais do que isto, que para atingir este objetivo é preciso ter um
Banco Central comprometido com uma meta clara para a inflação e com um mínimo
de independência para persegui-la ao longo do tempo.
Aliás, é bom lembrar que foi
por conta deste compromisso que a economia brasileira cresceu continuadamente
entre 1994 e 2008, apesar das crises que enfrentamos. Nestes 14 anos, a renda
real do brasileiro cresceu mais de 3,5% ao ano e a parcela da sociedade que
vive na economia de mercado passou de 34% para mais de 60%. Um resultado incrível
e que ganhou reconhecimento internacional. Pensava eu que, por isto, estivessem
sepultadas de vez as teorias alternativas que sempre fizeram parte do programa
de ação do Partido dos Trabalhadores e de parte da esquerda brasileira.
Também por isso me surpreendeu
quando a presidenta Dilma começou a deixar de lado este compromisso com o
aparecimento de alguns entraves ao crescimento da economia. Ela não percebeu
que o problema tinha sua origem em questões estruturais não enfrentadas
adequadamente nos anos Lula e no início de seu mandato. No começo, estas
mudanças foram sutis, mais relacionadas a intervenções pontuais do governo.
Mas, a partir da frustração com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no
ano passado, as ações passaram a ser mais abrangentes, enfraquecendo o
arcabouço macroeconômico que havia prevalecido até então.
Nos anos Lula o governo
considerava os mercados como um instrumento de ação do governo na busca da
geração de renda para, a partir daí, alterar a natureza da distribuição dos
frutos do crescimento. De certa forma, o governo Lula utilizou-se da mesma
estratégia que os chineses desenvolveram nos últimos anos para construir uma
nova economia.
Já a presidenta Dilma colocou a
ação do governo como peça central da política econômica, sujeitando a ação
privada a um papel apenas complementar e secundário. Ao fazer isto recolocou o
ideário do PT tradicional - e também do PDT brizolista - novamente no comando
de suas ações. Daí o teor de suas declarações recentes de que não concorda com
a utilização dos juros como instrumento de redução do consumo privado no
combate à aceleração da inflação. E foi mais longe ainda, ao resgatar a antiga
e desgastada imagem do remédio matando o paciente.
Mas vamos também olhar de forma
crítica para o outro lado do espectro ideológico e que procura vender a imagem
de que estamos próximos a um total descontrole da inflação. O gráfico abaixo
mostra, de forma clara, dois momentos distintos dos números do IPCA nos últimos
anos. No primeiro, que corresponde à passagem do ponto A para o B, temos um
período de desinflação em função da valorização do real e da existência de
espaços produtivos ociosos no tecido econômico, como o índice de desemprego de
dois dígitos. Por isto a inflação chega a ficar momentaneamente abaixo do
centro da meta do BC entre 2006 e 2007.
Já entre B e C temos um período
em que pressões inflacionárias por conta da ocorrência de vários choques
externos - câmbio e commodities - em um ambiente de redução rápida dos espaços
ociosos na economia, levam a inflação a mais de 6% ao ano.
Em resumo,
nos últimos anos, mesmo durante o período de um Banco Central ortodoxo e com
liberdade de ação, a inflação no Brasil nunca ficou abaixo dos 5% ao ano por um
período mais longo. Um sinal claro de que não conseguimos sair da armadilha de
um sistema de preços indexados à inflação passada e, portanto, ultrassensível a
choques externos de oferta. Por isto, quando voltamos agora a uma situação
limite e perigosa, temos que buscar uma política de combate a inflação menos
rudimentar do que a proposta pelos dois lados do espectro ideológico que domina
o debate econômico nestes dias.
Não serão
apenas medidas clássicas como a elevação da taxa Selic que vão tirar a dinâmica
de aumento de preços da perigosa trajetória atual. Temos que voltar os olhos ao
Plano Real e buscar na sua agenda um conjunto abrangente de medidas de política
econômica.
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