Delfim Netto, na FOLHA,
comenta a atual situação fiscal e cambial brasileira.
A situação fiscal da
economia brasileira e o seu equilíbrio externo apresentam alguns sinais
nebulosos.
Nada que possa ser considerado ameaçador no curto prazo, mas cuja evolução
exige cuidado. O último "Fiscal Monitor do FMI" ("Fiscal
Adjustment in a Uncertain World", April 2013) compara a situação fiscal
dos países do mundo entre 2008 (o ano em que se iniciou a crise que teima em
não terminar) e 2012.
A situação do Brasil revela
três fatos importantes: 1º) a crise não produziu um aumento substancial da relação
dívida pública bruta/PIB; 2º) esta estabilizou-se em nível desconfortável
quando comparada com a dos outros países emergentes; e 3º) a relação dívida
pública líquida/PIB é muito mais alta do que a deles.
Os efeitos do nível de endividamento e das
exigências de seu financiamento devem exercer alguma pressão sobre a formação
da taxa de juros real. Por outro lado, como a participação do financiamento
externo é relativamente baixo, tudo se passa hoje como se o Brasil estivesse
endividado em sua própria moeda, o que reduz o seu risco. O problema é que a nossa relação dívida pública
bruta/PIB continua igual ao dobro da dos países emergentes. É a quarta mais
elevada do mundo.
Um fato curioso é revelado pelos números da
tabela: a queda da relação entre a dívida líquida e a dívida bruta. Vemos que
em 2008 ela era menos discrepante da média dos países emergentes (69% contra
60%, ou seja, 15% de diferença). Em 2012 a distância aumentou (70% contra 51%,
ou seja, 37% de diferença). Isso sugere que provavelmente estamos misturando um
pouco menos do que deveríamos, de dívida "bruta" no cálculo da
"líquida". É claro que a situação não
é a mesma de 2008 (basta olhar para a acumulação de reservas), mas é inegável
que sem adequado esclarecimento, criam-se dúvidas sobre a situação fiscal.
Para se ter uma ideia do que significa uma
dívida pública bruta/PIB de 68,5%, basta lembrar que antes da crise (2008),
essa era a relação na Alemanha, 66,8% (hoje é de 90,3%), e na França, de 68,2%
(hoje é de 92,9%). De qualquer forma não acreditamos que a correção eleve a
relação dívida líquida/PIB em muito mais do que 3% ou 4%. A questão é que ela
já é muito elevada quando comparada com a média dos outros países emergentes
(35,2% contra 24,7%).
Uma boa solução para
melhorar a credibilidade dos números fiscais, que sentiram os efeitos das
inúteis manobras contábeis, seria aprovar o projeto de lei que cria o Conselho
de Gestão Fiscal. Estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, dorme
esquecido no Congresso há pelo menos uma década.
O segundo assunto que ocupou o tempo dos
analistas na última semana foram os resultados do balanço de transações
correntes do primeiro trimestre, que atingiu 4,31% do PIB, contra 2,41% no seu
homólogo de 2012. A balança comercial revelou redução de US$ 7,6 bilhões e
depende de esclarecimento sobre os registros das importações da Petrobras.
As previsões do BC para o
ano são menos sombrias: superávit comercial de US$ 15 bilhões, com as
exportações crescendo 8,6%, e as importações, 11,6%. A estimativa para o
déficit em transações correntes é da ordem de US$ 67 bilhões, quase igual ao
montante dos investimentos diretos esperados para 2013, algo como US$ 65
bilhões.
Entretanto, com as incertezas que cercam a economia, é natural que esses
números sejam vistos com certa desconfiança.
Tal resultado não deveria ser surpresa,
porque o comportamento da taxa de câmbio nominal e o salário nominal, ambos
produto das próprias políticas social e econômica (ver gráfico), produziu
fantástica valorização do câmbio real (a relação entre o câmbio nominal o
salário real). Ela explica boa parte do persistente aumento do déficit em
transações correntes. Um significativo montante desse déficit financia o
consumo e não o investimento, o que tem sérias implicações para o longo prazo.
As alterações do câmbio
real levam, em média, dois anos para influir no déficit em transações
correntes. É o tempo que nos resta - em condições normais de pressão e
temperatura - para reduzi-lo a partir de 2015.
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