Dos textos que li sobre os protestos do final do ano passado na América Latina, um dos mais interessantes foi o de Sebastian Edwards, professor da UCLA (bit.ly/39iyhDc). Edwards tenta explicar porque no Chile, depois de o PIB per capita mais que triplicar entre 1985 e 2018, a desigualdade cair, até mais que no Brasil, entre 2000 e 2016, e o país conquistar o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano da América Latina, o povo foi (e vai) para as ruas protestar com tanta força, a ponto de se querer trocar a Constituição atual.
A resposta para ele é que as pessoas percebem os resultados do modelo de desenvolvimento adotado pelo país de forma diferente do que mostram os indicadores econômicos. Edwards ilustra isso com a posição do Chile no Índice de Qualidade de Vida construído pela OCDE (bit.ly/2x6quu3). Dentre os 40 países para os quais há dados para 2017, o Chile está na 34ª posição, apenas uma à frente do Brasil, um país cuja renda per capita é 37% menor. No geral, há uma correlação entre renda e posição no ranking do indicador, mas essa é menos que perfeita: Austrália e Islândia, por exemplo, estão mais bem situadas do que os EUA, ainda que tenham PIB per capita mais baixo.
Dentre oito fatores que podem impactar a felicidade, segundo Layard, o aumento da renda está em 5º lugar
Dos 11 indicadores que compõem o índice, o Brasil fica na frente do Chile em cinco: meio ambiente, saúde, satisfação com a vida, comunidade (Chile é o 4º pior entre os 40) e engajamento cívico (Chile é o pior dos 40 países). O Chile, por sua vez, supera o Brasil em renda, moradia, empregos, educação, equilíbrio de vida e segurança (neste o Brasil tem a pior posição entre os 40 países).
Essa discussão acabou me levando ao recém-lançado livro do economista e professor do London School of Economics, Richard Layard, “Can We Be Happier? Evidence and Ethics” (bit.ly/39dVExE). Layard é uma espécie de guru da proposta de que o objetivo principal das políticas públicas, em especial da política econômica, não deveria ser promover o aumento do PIB, mas da felicidade.
No livro, Layard trabalha com várias pesquisas sobre o que faz as pessoas felizes e que ações as empresas, os governos e outros atores podem desenvolver nesse sentido. O contexto é o dos países ricos, de forma que não é imediato transferir suas conclusões para países como o Brasil e o Chile. Mas me chamou a atenção uma passagem em que ele observa que o populismo nos países ricos nada mais é que a manifestação de uma insatisfação antiga, mas que só agora vem à superfície, pela perda de legitimidade das elites, com a crise de 2008, e “a legitimação pelas mídias sociais da rudez”. Para mim, bate com o visto ano passado na América Latina.
Dentre oito fatores que podem impactar a felicidade das pessoas, o aumento da renda aparece em quinto lugar. Mais importante, nessa pesquisa, é, em ordem crescente, ter um parceiro, ter saúde física, ter um trabalho de boa qualidade e, principalmente, ter saúde mental. O tema da saúde mental ocupa boa parte da discussão no livro, com Layard argumentando que se dá pouca atenção a um problema que causa muito sofrimento a muita gente. O livro também aponta que estar desempregado causa infelicidade e que, mais importante do que crescer a renda, é minimizar as flutuações cíclicas, mantendo baixo o desemprego.
O livro também discute alguns resultados do Relatório Mundial da Felicidade, produzido pela ONU (worldhappiness.report/), que ordena um conjunto de 156 países pelo seu grau de felicidade, discutindo como esta evoluiu no último decênio. No relatório de 2019, o Brasil aparece na 32ª posição, seis atrás do Chile. A diferença no valor do indicador é, porém, pequena e explicada pelo diferencial de renda. Finlândia, Dinamarca, Noruega e Islândia ocupam as primeiras posições.
É desanimador examinar a evolução temporal dos componentes desse indicador no caso brasileiro. Pioramos bastante na confiança no governo nacional, na qualidade da democracia e na qualidade dos serviços entregues à população, e um pouco em termos de apoio social, liberdade para fazer escolhas e generosidade. Mas o mais assustador são os resultados para a questão de se “é possível confiar na maioria das pessoas”: apenas 7% dos brasileiros acreditam que sim, contra 12% no Chile e valores entre 40% a 60% nos países ricos e China.
No seu livro, mesmo sem explicitar isso, Layard em vários momentos defende posições que poderiam ser consideradas conflitantes com o modelo neoliberal, em função do individualismo, do egoísmo e do isolamento social que este parece trazer junto. Layard também defende um Estado mais ativo; por exemplo, no tratamento e ajuda a pessoas com problemas de saúde mental.
Edwards vai mais longe. Para ele, os protestos no Chile vão mudar dramaticamente a forma como o país funciona: “O experimento neoliberal está morto”, vaticina ele. O mais provável agora é que o Chile tente copiar o modelo dos países nórdicos, com uma sociedade mais igualitária e um papel mais ativo para o Estado, que se responsabilizaria por prover serviços em saúde e educação. Em síntese, vai focar mais na felicidade e menos no PIB.
Em um momento em que estamos buscando (necessárias) reformas de cunho liberal, esses são ensinamentos que deveriam ser levados em conta.