terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VALOR entrevista presidente da AKB.


Mudar a periodicidade de cálculo da inflação anual acumulada para efeito de cumprimento da meta oficial, preferencialmente para 24 meses, dando tempo para absorção de choques de oferta imprevisíveis e passageiros, é uma das receitas do economista Luiz Fernando de Paula, 52 anos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), entidade que congrega seguidores do pensamento do economista inglês John Mainard Keynes (1883-1946).

"Eu diria que se no próximo ano tivermos uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr", disse. Para ele, o cenário externo adverso abre espaço para uma política econômica com juro menor e real menos valorizado.

Na entrevista que deu ao Valor ele defendeu também a mudança da remuneração da Caderneta de Poupança (TR mais 6% ao ano) como forma de não atrapalhar a queda dos juros e disse que, embora a presidente Dilma Rousseff tenha recebido uma "herança maldita", representada pela crise internacional, a política monetária está no rumo certo. Também elogiou a condução da atual diretoria do Banco Central (BC) e afirmou que o país ainda pode crescer em meio à crise, baseado no mercado interno, desde que a crise não se aprofunde ainda mais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Recentemente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira disse que agora temos um Banco Central nacional. As mudanças no BC marcam uma diferenciação clara da política econômica de Dilma em relação à de Lula? Que outras características marcam as diferenças entre as duas políticas econômicas?

Luiz Fernando de Paula: Sem dúvida, o BC passou a ter uma atuação mais técnica e mais independente do mercado financeiro, o que deve ser saudado. O que o BC, na gestão de Alexandre Tombini, está fazendo é não ficar olhando a economia apenas pelo retrovisor, mas também passando a olhar o que poderá acontecer com a economia para a frente. Isso faz sentido porque no regime de metas de inflação a previsão da inflação é um elemento fundamental, já que a taxa de juros tem efeito cerca de seis meses para frente. Contudo, é importante destacar que não há uma mudança no regime de política econômica, em que pese a grita geral dos "falcões do mercado" quando o BC reduziu no fim de agosto a taxa de juros. Há alguma diferenciação na condução da política econômica dentro do marco do regime vigente. Procura-se resgatar o sentido de uma maior coordenação entre política monetária e política fiscal, com vista à redução na taxa de juros básica da economia, que é a grande "jabuticaba" brasileira. A piora no cenário internacional abre uma janela de oportunidade para uma mudança no mix "juros altos-câmbio apreciado", que deve ser aproveitada.

Valor: Como o sr. analisa a economia neste primeiro ano de mandato da presidente? A crise econômica restringiu a gestão a ações reativas ou é possível enxergar uma gestão propositiva mesmo durante a crise?

Paula: Dilma recebeu uma "herança maldita", mas o mesmo pode-se dizer de quando Fernando Henrique Cardoso e Lula iniciaram seus governos. No caso da Dilma, ela herdou uma piora crescente no cenário internacional, como o aumento nos preços de commodities, com impactos sobre a inflação doméstica, e sobretudo os desdobramentos da crise nos EUA e na zona do euro que já começam a ter impacto sobre o crescimento da economia chinesa, nossa grande importadora de commodities. A China, por conta das pressões inflacionárias, não poderá dar a virada que fez em 2009, quando redinamizou a economia doméstica com forte crescimento dos investimentos públicos em infraestrutura. Tudo isso, obviamente, vai ter impacto negativo sobre a economia brasileira. Contudo, como dizem os orientais "crise é oportunidade", e o Brasil pode aproveitar a ocasião para fazer uma espécie de "virada", crescendo para o mercado interno, sem se descuidar do problema da restrição externa ao crescimento, isto é, evitando déficits crescentes em transações correntes. Assim, acredito que é possível fazer uma gestão propositiva mesmo durante a crise.

Valor: Entramos em nova fase de estímulo ao crescimento. Como evitar a recessão sem realimentar a inflação?

Paula: Olha, qualquer prognóstico sobre 2012 é complicado. Há variáveis aí que você não domina. A não retomada do crescimento americano - não é que os Estados Unidos vão entrar em recessão -, que efeitos terá sobre a China e, consequentemente, sobre as exportações brasileiras? O Brasil já vem com uma desaceleração endógena, independente da crise. Essa desaceleração tem um caráter conjuntural e um estrutural. Conjuntural é que, do ponto de vista dos componentes da demanda, todos contribuíram para a desaceleração. O investimento se desacelerou, o consumo privado se desacelerou e também as exportações líquidas e o gasto do governo por conta da manutenção do superávit primário. A economia patinou. A questão do câmbio teve impacto forte do ponto de vista de uma possibilidade de crescimento pelo lado das exportações. E tem o lado estrutural que é a questão que você tem uma tendência à apreciação da taxa de câmbio que vem ali desde 2005 muito forte. A indústria vinha dando alguns sinais de um processo de desindustrialização que não se fazia sentir porque o mercado interno estava crescendo de forma muito acelerada. Compensava-se parcialmente o desestímulo que vinha pelo lado do câmbio. Agora, o que se está observando desde 2010, e mais agudamente em 2011, é que o movimento defensivo da indústria foi no sentido de importar, ou seja, teve um crescimento das importações que entra pelo lado dos bens de consumo, dos bens de capital e dos insumos básicos. Isso me parece que chegou no osso da indústria. Eu acho que chegamos nesse ponto de preocupação, mas eu vejo que, por outro lado, você tem alguns elementos interessantes do ponto de vista da política econômica, uma tentativa de mudança do mix de política e eu acho que nós podemos tentar dar uma virada para o mercado interno. É difícil fazer comparações históricas, mas acho que a gente está em uma situação um tanto semelhante à da década de 30, quando tivemos a crise do modelo agroexportador e a economia voltou-se para o mercado interno, com um processo de substituição de importações, e teve um crescimento vigoroso em meio a uma crise mundial. A partir de 1932 o Brasil já estava voltando a crescer. Evidentemente que a situação é diferente. Nós temos uma indústria hoje. Mas uma indústria que está sendo castigada pela política de câmbio e política monetária. Eu acho que se o governo conseguir dar essa virada, fazendo uma política bem pragmática, mas firme, acho, quem sabe, que a gente possa aproveitar a ocasião para crescer de forma vigorosa.

Valor: Essa guinada pode ser feita com a economia relativamente aberta, como hoje, ou é preciso algum esforço de proteção à indústria? E, novamente, pisar no acelerador para dentro não pode desencadear novo surto inflacionário?

Paula: Olha, economia sempre tem riscos. De qualquer forma, de 2000 a 2011 vários países tiveram uma aceleração da taxa de inflação. Foi o caso da China, da Índia. Claro, inflação é sempre preocupante. Mas não é o pior dos mundos. Eu diria que se no próximo ano a gente tiver uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr. Agora, tudo depende dos desdobramentos da crise mundial. Pode ser que os efeitos se configurem mais graves e, além dos efeitos mais imediatos. Você tem o efeito expectacional que é importante, mas que é subjetivo, difícil de mensurar. Perante a crise é natural que as pessoas ponham o pé no freio porque não sabem qual o tamanho do tombo que vem pela frente. Então, os consumidores vão poupar mais e gastar menos, os empresários vão querer investir menos, os banco vão querer emprestar menos...

Valor: Quando começou a fazer a redução da taxa de juros, o BC foi criticado pelo mercado como subordinado à vontade política da presidente, que pediu a redução dias antes. Agora, se fala que o BC demorou a agir diante da crise, como ocorreu em 2008/09, resultando daí a desaceleração excessiva do PIB e, particularmente, do consumo das famílias. Quem está com a razão?

Paula: Certamente, não tem razão quem criticou a política de redução de juros. O BC, como assinalado, teve um comportamento "forward-looking" (de olhar para a frente). O que se espera de um bom banqueiro central é justamente alguma capacidade de discernimento perante cenários nebulosos. Em dezembro de 2010 ele adotou um conjunto de medidas macroprudenciais, parcialmente relaxadas recentemente, visando a redução dos prazos e desaceleração do crédito ao consumidor (veículos e pessoal), que teve um efeito importante de evitar uma bolha de crédito, mas que acabou afetando negativamente os gastos das famílias. O BC não sabia ao certo quais seriam os efeitos de tais medidas. Junto com isso, há uma desaceleração na taxa de investimento em curso, em função de uma combinação entre efeitos da longa apreciação cambial sobre desempenho das exportações líquidas, arrefecimento do consumo das famílias e política de contenção dos gastos públicos. Há um processo de desaceleração endógeno do setor industrial no Brasil, que poderá ser agravado pela piora no cenário externo. Por isso a economia estagnou no segundo semestre de 2011.

Valor: Diante do quadro doméstico e internacional, o que esperar de 2012?

Paula: É difícil fazer prognósticos em função de um cenário internacional bastante problemático, cujos desdobramentos são muito incertos. Curiosamente, o aumento no salário mínimo, que seria uma espécie de "bomba relógio" em 2012 em função de seus efeitos fortemente expansionistas sobre as transferências previdenciárias e sobre e renda agregada da economia, servirá para evitar uma desaceleração maior no gasto doméstico. O governo terá que acompanhar com lupa o comportamento da economia brasileira, mantendo sua política de redução de juros e, se for necessário, adotando algumas medidas adicionais de estímulo, como redução no compulsório dos bancos e estímulos fiscais pontuais ao consumo. Um esforço de crescimento nos investimentos públicos em infraestrutura poderá contribuir para usar o investimento autônomo de forma contracíclica, já que alguns dos instrumentos usados em 2008-09 não estarão disponíveis, como a expansão do crédito dos bancos públicos. Enfim, se conseguirmos crescer em torno de 4% em 2012, mantendo a taxa de inflação próximo ao centro da meta, ainda que um pouco maior, será uma vitória.

Valor: Em recente seminário de partidos de esquerda vários economistas pediram a desvalorização do real como saída para conter a perda de competitividade da indústria doméstica. É possível o país abandonar o câmbio flutuante e manter o regime de metas de inflação?

Paula: Sem dúvida, há fortes indícios de que a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização precoce, isto é, uma desindustrialização que se inicia com um nível de renda per capita menor ao observado nos países desenvolvidos e sem atingir uma certa homogeneidade nos níveis de produtividade entre diferentes setores. O valor adicionado da indústria de transformação no valor agregado total caiu de 17,1% no segundo trimestre de 2007 para 15,3% no segundo trimestre de 2011, segundo dados da professora Carmem Feijó, da Universidade Federal Fluminense. Por outro lado, o coeficiente de penetração das importações, medido pela Confederação Nacional da Indústria e correspondente à participação dos produtos importados no consumo domésticos dos bens industriais, cresceu de 12,1% em 2003 para 21,5% em 2011, sendo que a balança comercial brasileira é estruturalmente deficitário em bens de maior intensidade tecnológica. Há ainda uma desindustrialização relativa em curso também, pois o crescimento do setor industrial dos outros países emergentes tem sido bem acima do crescimento brasileiro. Acredito que a redução na taxa real de juros, somada aos controles de capitais, poderá contribuir para termos uma taxa de câmbio mais competitiva, sem inviabilizar o regime de metas de inflação. Eu avaliaria seriamente a possibilidade de se introduzir um imposto sobre as exportações de algumas commodities, em caso de termos um câmbio mais depreciado.

Valor: O regime de metas de inflação ainda é o meio mais eficiente de controle dos agregados monetários para manutenção da estabilidade macroeconômica?

Paula: Depende do que se entende por estabilidade macroeconômica. Meu entendimento é que estabilidade macroeconômica significa criar condições para compatibilizar crescimento econômico sustentado, estabilidade financeira e estabilidade de preços. Países que adotaram regime de metas de inflação em geral já vinham de uma tendência de redução na taxa de inflação. Países como China e Índia, com crescimento vigoroso nos últimos 20 anos e sem descontrole inflacionário, utilizam outro regime de política macroeconômica, com conversibilidade restrita na conta capital, câmbio administrado, semifixo no caso da China e flutuante administrado no caso da Índia, e sem uso de um regime de metas de inflação. No caso do Brasil, no momento atual, eu sugeriria algumas mudanças no regime de metas de inflação, como o caso de uma mudança no período de convergência da inflação corrente para a meta, passando do ano calendário para, por exemplo, "inflação acumulada em 12 meses" ou para 24 meses. A ideia subjacente é que choques não previsíveis têm efeitos defasados na economia, de modo que o cumprimento da meta em apenas um ano - se possível - é mais custosa em termos de crescimento do produto e do emprego. Para períodos mais longos ou móveis, seria possível atenuar esses efeitos, sem necessidade de uma resposta mais abrupta da taxa de juros.

Valor: Realisticamente, qual o mix de política econômica a se esperar para 2012?

Paula: Uma busca de mudar o mix de política econômica para uma taxa de juros mais baixa e um câmbio mais depreciado. O governo poderia aproveitar a ocasião de tendência à redução na taxa de juros para fazer uma alteração maior no perfil da dívida pública, diminuindo significativamente a participação de títulos indexados à Selic (LFTs) no total da dívida pública mobiliário, hoje na casa dos 30%. Isso melhoria o funcionamento dos canais de transmissão da política monetária e contribuiria sobremaneira para o desenvolvimento do mercado de títulos corporativos privados. Eu defendo que o governo utilize uma política de Imposto de Renda mais agressiva para desestimular as aplicações de curto prazo. Outro elemento da indexação financeira que o governo Lula tentou mexer, mas acabou que não precisando, mas que a Dilma vai ter que mudar, é algo extremamente popular: a remuneração da poupança. Você não pode manter a TR (Taxa Referencial) mais 6%. O que vai acontecer? Em algum momento, quando a taxa de juros cair as pessoas vão correr para as aplicações de poupança. Quando começar a chegar perto disso o governo vai ter que mexer. Ou vai ter que manter a taxa de juros para não provocar essa corrida de recursos. Vai ter que mexer nisso e colocar remuneração em termos de mercado. É um negócio extremamente complicado, é uma coisa sagrada, vem desde os anos 1970, mas vai ter que se mexer nisso.

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