quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A luta continua.


MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje. 

A trégua será passageira; no início do ano os governos da Europa voltarão aos mercados para rolar dívidas

De certa forma, 2011 chega ao fim parecendo 2001: naquela época, ninguém no mercado, ou no público em geral, tinha mais paciência com a crise argentina; agora, o fastio refere-se à trama europeia.

Como o risco sistêmico e os recursos envolvidos são incomparavelmente maiores, a tendência é que a crise europeia dure mais tempo do que a argentina. Além do que, gerações de administradores públicos europeus construíram suas carreiras sobre o projeto da união monetária -logo, uma capitulação seria muito custosa.

Os eventos recentes representam uma tentativa de recolocar o problema em um estágio crônico, visto que a fase aguda, se prolongada, tende a levar a um desenlace desordenado.

No que tange ao sistema bancário, foi notável a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de realizar operações de suprimento de liquidez de três anos, reduzir o recolhimento compulsório e, importante, relaxar os critérios para aceitação de garantias bancárias -que podem chegar a incluir empréstimos, em vez de apenas títulos de alta liquidez e de baixo risco.

Tais medidas devem reduzir, ainda que sem eliminar por completo, o risco de um "momento Lehman" europeu. Mas o progresso na direção do reforço das políticas fiscais foi bem mais limitado.

O resultado da cúpula de 8 e 9 deste mês mostrou avanços parciais na questão do aumento da disciplina fiscal, mas não logrou convencer os mercados, em parte porque a estrutura de monitoramento e sanções pode padecer de vulnerabilidades políticas similares às que viciaram a implementação do Pacto de Estabilidade desenhado nos anos 1990.

Mas, em parte, o desapontamento com essa última reunião de cúpula reflete dúvidas mais fundamentais sobre a solvência de diversos países do continente a médio prazo, que estão relacionadas às perspectivas de crescimento muito ruins.

Simplificando: a sustentabilidade da dívida depende da comparação entre a taxa de crescimento do produto nominal (que determina o ritmo de crescimento das receitas) e a taxa de juros cobrada sobre a dívida. Quanto maior for o crescimento do produto e menor for o encargo de juros, mais fácil será estabilizar ou reduzir a dívida.

Comparado com o caso brasileiro, salta aos olhos que o custo do financiamento da dívida de países como Espanha e Itália ainda é relativamente baixo, inferior a 10% ao ano. Ocorre que as perspectivas de crescimento dessas economias são desalentadoras.

A taxa média de crescimento da Espanha foi de 2,4% entre 2000 e 2010, com desempenho bastante expressivo, expansão média de 3,5%, durante o boom imobiliário de 2003 a 2007. Esse é precisamente o problema: os mercados questionam a dependência do crescimento espanhol em relação ao setor de construção.

A situação italiana é mais dramática. A taxa de crescimento média entre 2000 e 2010 foi de meros 0,6% ao ano -ou 1,5%, se quisermos excluir o período da crise. Com isso, não é necessária uma taxa de juros muito elevada para colocar a dívida em uma trajetória insustentável.

Ainda assim, com o BCE atuando como bombeiro, mirando os focos de incêndio mais graves, e tendo a maioria dos países da região já completado seus planos de financiamento para o ano, um período de trégua pode ocorrer.

Mas a trégua pode ser passageira. Já na segunda metade de janeiro, e em especial a partir de fevereiro, os governos da Europa terão de voltar aos mercados. A Itália, por sinal, terá de fazer a rolagem de € 53 bilhões (e a Espanha, de € 14 bilhões) no mês.

Até lá, ou os governos do continente avançam convincentemente em uma agenda de reformas pró-crescimento (leia-se liberalização de mercados de trabalho e produtos, que ferem interesses politicamente poderosos) ou o bombeiro terá de atuar de forma muito mais intensa -a expansão monetária quantitativa europeia pode vir para evitar uma crise maior, e não como fruto de uma estratégia deliberada das autoridades.

Em outras palavras, para o BCE, a escolha pode vir a ser monetizar para não quebrar.

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