MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje.
A trégua será passageira; no início do
ano os governos da Europa voltarão aos mercados para rolar dívidas
De certa forma, 2011 chega ao fim
parecendo 2001: naquela época, ninguém no mercado, ou no público em geral,
tinha mais paciência com a crise argentina; agora, o fastio refere-se à trama
europeia.
Como o risco sistêmico e os recursos
envolvidos são incomparavelmente maiores, a tendência é que a crise europeia
dure mais tempo do que a argentina. Além do que, gerações de administradores
públicos europeus construíram suas carreiras sobre o projeto da união monetária
-logo, uma capitulação seria muito custosa.
Os eventos recentes representam uma
tentativa de recolocar o problema em um estágio crônico, visto que a fase
aguda, se prolongada, tende a levar a um desenlace desordenado.
No que tange ao sistema bancário, foi
notável a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de realizar operações de
suprimento de liquidez de três anos, reduzir o recolhimento compulsório e,
importante, relaxar os critérios para aceitação de garantias bancárias -que
podem chegar a incluir empréstimos, em vez de apenas títulos de alta liquidez e
de baixo risco.
Tais medidas devem reduzir, ainda que
sem eliminar por completo, o risco de um "momento Lehman" europeu.
Mas o progresso na direção do reforço das políticas fiscais foi bem mais
limitado.
O resultado da cúpula de 8 e 9 deste mês
mostrou avanços parciais na questão do aumento da disciplina fiscal, mas não
logrou convencer os mercados, em parte porque a estrutura de monitoramento e
sanções pode padecer de vulnerabilidades políticas similares às que viciaram a
implementação do Pacto de Estabilidade desenhado nos anos 1990.
Mas, em parte, o desapontamento com essa
última reunião de cúpula reflete dúvidas mais fundamentais sobre a solvência de
diversos países do continente a médio prazo, que estão relacionadas às
perspectivas de crescimento muito ruins.
Simplificando: a sustentabilidade da
dívida depende da comparação entre a taxa de crescimento do produto nominal
(que determina o ritmo de crescimento das receitas) e a taxa de juros cobrada
sobre a dívida. Quanto maior for o crescimento do produto e menor for o encargo
de juros, mais fácil será estabilizar ou reduzir a dívida.
Comparado com o caso brasileiro, salta
aos olhos que o custo do financiamento da dívida de países como Espanha e
Itália ainda é relativamente baixo, inferior a 10% ao ano. Ocorre que as perspectivas
de crescimento dessas economias são desalentadoras.
A taxa média de crescimento da Espanha
foi de 2,4% entre 2000 e 2010, com desempenho bastante expressivo, expansão
média de 3,5%, durante o boom imobiliário de 2003 a 2007. Esse é precisamente o
problema: os mercados questionam a dependência do crescimento espanhol em
relação ao setor de construção.
A situação italiana é mais dramática. A
taxa de crescimento média entre 2000 e 2010 foi de meros 0,6% ao ano -ou 1,5%,
se quisermos excluir o período da crise. Com isso, não é necessária uma taxa de
juros muito elevada para colocar a dívida em uma trajetória insustentável.
Ainda assim, com o BCE atuando como
bombeiro, mirando os focos de incêndio mais graves, e tendo a maioria dos
países da região já completado seus planos de financiamento para o ano, um
período de trégua pode ocorrer.
Mas a trégua pode ser passageira. Já na
segunda metade de janeiro, e em especial a partir de fevereiro, os governos da
Europa terão de voltar aos mercados. A Itália, por sinal, terá de fazer a
rolagem de € 53 bilhões (e a Espanha, de € 14 bilhões) no mês.
Até lá, ou os governos do continente
avançam convincentemente em uma agenda de reformas pró-crescimento (leia-se
liberalização de mercados de trabalho e produtos, que ferem interesses
politicamente poderosos) ou o bombeiro terá de atuar de forma muito mais
intensa -a expansão monetária quantitativa europeia pode vir para evitar uma
crise maior, e não como fruto de uma estratégia deliberada das autoridades.
Em outras palavras, para o BCE, a
escolha pode vir a ser monetizar para não quebrar.
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