quarta-feira, 25 de julho de 2012

Um cenário pessimista.


Hoje, na FOLHA DE S. PAULO, uma entrevista pessimista com o professor de economia e ciência política Barry Eichengreen.

Ele está pessimista com o cenário que se desenha para a economia mundial. O aprofundamento da crise de confiança na Europa com o que ele vê como a provável saída da Grécia da zona do euro é a pior de suas expectativas, mas não a única ruim.

Os EUA continuam tropeçando na regulamentação do sistema bancário -- ao menos no médio prazo, um desejo mais do que uma realidade -- e os mercados emergentes ainda não dão conta de puxar o crescimento mundial como se esperava há meses.

Eichengreen, que leciona na prestigiosa Universidade de Berkley e dá palestra a convidados nesta quarta em São Paulo, está tão pessimista que está revendo seu livro mais recente, "Privilégio Exorbitante" (Campus, 2011) para corrigir a "expectativa superestimada" para a moeda única europeia e seu papel no mercado global.

"Ninguém que escrevesse há dois anos poderia imaginar quão incompetentes seriam os esforços da Europa em lidar com a crise seriam", disse ele à Folha

Folha - Há um desencanto nos últimos meses com os mercados emergentes, particularmente com o Brasil, após taxas de crescimento mornas. O "hype" foi exagerado ou os emergentes não deram conta de puxar o crescimento global sozinhos, como alguns esperavam?
Barry Eichengreen - O "hype" foi excessivo, sem dúvida. Muito do que vimos reflete o crescimento insustentavelmente alto da China, que alimentou sua demanda por exportações de produtos básicos do Brasil e da Rússia. Nenhuma economia cresce a 10% ao ano para sempre.
Também acho que economias como o Brasil poderiam ter feito mais para conter o crescimento dos gastos e o endividamento da população nos momentos de pico, para que houvesse mais espaço hoje para incentivar os gastos domésticos.

Um ano e meio após o lançamento de "Privilégio Exorbitante", o sr. acrescentaria algo à sua análise? Vimos o dólar se recuperar, em alguma medida, mas os obstáculos a manutenção de seu status como moeda internacional continuam lá.
A nova edição, que sai no mês que vem, terá um prefácio que responde isso. Claramente, o livro superestimou a perspectiva do euro em emergir como uma moeda internacional de primeira linha -- e ninguém que escrevesse há dois anos poderia imaginar quão incompetentes seriam os esforços da Europa em lidar com a crise.
Mas ele também subestimou o progresso que a China faria em internacionalizar o yuan. As iniciativas políticas mais recentes são impressionantes, e o yuan está aí, mais rápido do que se imaginava.
Apesar do debate sobre regulamentação do mercado financeiro, ainda há muita resistência dos grandes bancos privados. Episódios recentes, como o do HSBC, mostram que estamos longe do equilíbrio, embora haja mais atenção ao tema.

O que é necessário, no curto prazo, para garantir que o sistema financeiro não provoque outra crise, e quais são os obstáculos à regulamentação efetiva?
Os bancos são politicamente poderosos; nos EUA eles são grandes doadores e fazem parte das Comissões Bancárias do Senado e da Câmara, que criam as leis de regulamentação. Com isso, não surpreende que não tenha acontecido uma varredura dessas instituições nem mesmo depois da crise.
Eu gostaria de ver os grandes bancos quebrarem, a reinstituição adequada da Lei Glass-Steagall [promulgada em 1933 para conter a especulação e revogada em 1999] e exigências de capital muito maiores para esses bancos. Mas sou cínico demais para acreditar que ocorra na minha geração.

Alguns analistas e economistas preveem um colapso do euro. O sr. vê esse risco? E se as economias menores e mais problemáticas, como a Grécia, deixarem a zona do euro, isso pode levar a um colapso total ou, ao contrário, tornaria os demais países-membros mais saudáveis?
Certamente o risco está lá, menos pelas razões econômicas (os passos econômicos que a Europa precisa para resolver a crise são claros) e mais por razões políticas.
Há uma deterioração da confiança política na Europa: os países não confiam uns nos outros, e a população não confia em seus governos. Isso torna muito difícil, embora não impossível, implementar as políticas econômicas necessárias.
A essa altura, a saída da Grécia da zona do euro é praticamente certa, não porque não haja medidas econômicas para evitá-la, mas porque não há mais desejo político de evitar. Isso vai prejudicar o restante da zona do euro.
Uma vez que um país possa sair, os investidores começarão a perguntar qual é o próximo. A falta de confiança virará um problema que levará muito tempo para se resolver.

Qual seria a consequência de um colapso?
Honestamente, ninguém sabe, pois nunca houve o colapso de uma união monetária. Duvido que seja um processo ªadministrávelº. Os estragos seriam muito mais graves do que os causados pelo fim da conversibilidade na Argentina, em 2001-2 [quando o país abandonou a paridade cambial com o dólar e deu calote].

E se tudo der errado com o dólar e o euro, o que países como a China e o Brasil teriam de fazer para que suas moedas de fato se tornassem moedas internacionais?
Não acho que nem o yuan nem o real possam ser moedas internacionais de peso nos próximos 10 ou 20 anos. O Brasil e a China teriam de aumentar a escala de seus mercados financeiros, aumentar sua liquidez e fortalecer a estabilidade macroeconômica. A China teria de abrir comercialmente seus bancos e abandonar os controles de capital. O Brasil teria de acabar com os impostos à entrada de dinheiro estrangeiro. É um processo que levaria décadas, e não anos.

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