Reconheço que o
domingo de hoje é um dia com muitas festas, no entanto este blog procura,
sempre que possível, manter-se atualizado com o mundo da economia e, isso
posto, não poderia deixar de publicar o excelente artigo do colega SAMUEL
PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela
USP, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e que escreveu esta
coluna na Folha de S. Paulo de hoje.
Com o início da campanha do segundo turno na
quinta-feira, o programa eleitoral da presidente Dilma Rousseff apresentou
diversas manchetes de jornais com vários dados referentes à década de 90 e outros
referentes à década de 2000. Há nesta estratégia uma série de truques de
retórica.
Ao primeiro chamaremos de "efeito Bruna
Marquezine". Circula na internet um divertido meme com a foto da criança
Bruna nos anos FHC, e outra, da bela mulher em que se transformou, nos anos
Lula. A brincadeira é que a retórica petista sugere que a transformação é
consequência das políticas dos governos petistas.
Inúmeras melhoras ocorridas na sociedade
brasileira nos últimos 30 anos são avanços vegetativos associados à evolução
natural da sociedade. Boa parcela da queda da desigualdade na última década
segue da melhora educacional --que tem ocorrido desde os anos 40, com forte
aceleração em seguida à redemocratização-- em associação ao fim de nossa
transição demográfica. Pela primeira vez somos uma sociedade com escassez de
trabalho. Nada disto deve-se ao PT no governo.
A propaganda petista gosta de apresentar
números impressionantes que fulguram ante cifras bem menores da era FHC. Em
muitos casos essas comparações representam a evolução natural de programas e
realizações a partir de largadas necessariamente modestas na fase que se seguiu
ao fim do caos hiperinflacionário. Foi um período no qual o país teve de
concentrar recursos escassos e energia política nas penosas reformas
estruturantes, que foram a base para os avanços posteriores e contra as quais o
PT lutou com todas as forças.
O segundo truque retórico é a
descontextualização da informação. Por exemplo, a dívida pública no governo FHC
cresceu. O que não se fala é que mais da metade do crescimento da dívida
pública no período resultou da assunção de dívidas passadas que não estavam
contabilizadas. Este fato está bem documentado no texto para a discussão de
janeiro de 2004 do Ipea "Os Passivos Contingentes e a Dívida Pública no
Brasil: Evolução Recente (1996-2003) e Perspectivas (2004-2006)".
Por exemplo, afirmar que a inflação foi mais
elevada com FHC do que com o PT é não reconhecer que antes de FHC havia
hiperinflação e que a sociedade melhorou: 7% ao ano no período FHC é conquista;
7% hoje é derrota.
O terceiro truque retórico, que remete ao gênio
da comunicação nazista Joseph Goebbels, é repetir uma mentira até que seja
verdadeira. Por exemplo, repetir que FHC quebrou o país três vezes quando
naquele período nunca quebramos. Monica de Bolle na seção "Tendências e
Debates" da Folha de sexta-feira (10) elucida a questão.
O quarto truque retórico é escolher
estatísticas e bases de comparação de forma oportunista. Este é o caso quando
se afirma que o desempregou caiu 7,6 pontos percentuais, dos 13,0% de 2003 para
os 5,4% de 2013. Esta informação de desemprego refere-se à Pesquisa Mensal de
Emprego do IBGE. Abrange somente seis regiões metropolitanas. A taxa de
desemprego medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do
IBGE, que abrange todo o território nacional, apresenta redução de 3,2 pontos
percentuais, de 9,7% em 2003 para 6,5% em 2013.
Se tomarmos como base de comparação 2002,
último ano de FHC, o desemprego caiu 2,6 pontos percentuais, de 9,1% para 6,5%.
Queda bem menos brilhante se considerarmos a dinâmica demográfica muito
favorável.
O quinto truque retórico é simplificar um
debate ao máximo de forma a demonizar seu adversário e incutir medo na
população. Esta estratégia foi empregada à larga para desconstruir Marina
Silva.
Fui recentemente alvo dessa estratégia. Na
coluna de 29 de junho abordei o tema da cobrança de mensalidade em
universidades, públicas ou privadas. O tema foi tratado de forma conceitual e
no contexto das dificuldades de financiamento da USP e do reconhecimento do
enorme sucesso do Fies, uma das vitrines, com todos os méritos, do atual
governo. Na retórica petista eu quero privatizar as universidades federais,
algo que nunca passou pela minha cabeça.
O arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger
Dilma. Em nada ajuda a evolução da sociedade.
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