Texto na revista ÉPOCA desta semana, relaciona as as diferenças nas ideias econômicas de Aécio Neves e Dilma Rousseff e isso é muito importante neste momento de eleições.
Para os meus ainda fiéis leitores e eleitores, uma boa reflexão ainda nesta semana, antes do dia 26.
Os candidatos Aécio Neves, do PSDB, e Dilma Rousseff, do PT,
rolaram na lama nos últimos dias, atracados numa violenta briga eleitoral.
Acusações e denúncias têm seu papel no debate. Parte dos eleitores decide o
voto na suposição de que um candidato seja mais honesto que outro. Mas a parte
dos eleitores que prefere escolher ideias se sente abandonada, ao tentar
encontrar algum diamante no meio do lamaçal. Por isso, vale a pena avaliar com
carinho as ideias em confronto. Os dois candidatos e seus partidos representam
hoje visões bem distintas sobre como funciona a economia e como um governo pode
contribuir com a prosperidade dos cidadãos. Para esclarecê-las, convidamos
economistas ligados às duas campanhas a explicar suas ideias.
Tanto o ideário econômico de Aécio como o de Dilma resultam da
interação de diferentes correntes de pensamento. No caso de Aécio, a mais
evidente no momento é o princípio do liberalismo econômico. Na tradição
brasileira, liberais defendem que o Estado seja comedido. Cabe ao governo
cumprir funções fundamentais, como prover segurança, educação, ou garantir a
estabilidade econômica – controlar a inflação, dar bom rumo às contas públicas
e revelar com transparência como cumpre essas tarefas. “O PSDB de hoje acredita
que cabe ao mercado usar os recursos da melhor forma possível e ao Estado criar
regras apenas para corrigir as falhas de mercado”, diz o economista Fernando
Holanda Barbosa Filho, professor do Ibre-FGV.
Liberal em economia, no Brasil, é o governo que dá o máximo de
liberdade possível aos agentes, como os profissionais e as empresas. Por esse
credo, se o cenário econômico for estável e as regras claras, as empresas farão
planos, investirão e criarão empregos. O grande nome dessa corrente no Brasil é
o economista Eugênio Gudin (1886-1986). Mas não há sentido em chamar Aécio e o PSDB de
economicamente liberais, muito menos xingá-los de “neoliberais”. O liberalismo
é um princípio, não um programa de governo. Pode-se usá-lo com diferentes
intensidades. No Brasil, uma boa dose seria bem-vinda, pois nossa economia
ainda é fechada ao mundo, tem presença exagerada do Estado em comparação com
países desenvolvidos e barra com burocracia o caminho dos empreendimentos.
Resolver esses entraves exige uma aplicação bem calibrada de liberalismo.
A influência dos economistas liberais no PSDB começou no governo
Itamar Franco, em 1993. O então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso,
incumbido de enfrentar a hiperinflação, reuniu um grupo deles. A reunião
resultou no Plano Real e no fim da hiperinflação. Esses economistas mantiveram
sua influência no governo Fernando Henrique, a partir de 1994. Eles
apresentaram ao país conceitos importantes de gestão pública, como
responsabilidade fiscal, metas de inflação e agências reguladoras com
autonomia, de que nos beneficiamos até hoje. O pensamento econômico liberal
deverá se manter em alta no partido, caso Aécio seja eleito, porque se opõe
frontalmente à estratégia econômica do governo Dilma. “Há duas visões do que é
incentivo a quem produz e cria empregos. Para o PT, é dar dinheiro, subsídio,
financiamento. Para o PSDB, é criar regras atraentes, inspirar credibilidade,
confiança”, diz a economista Monica de Bolle, doutora em economia pela London
School of Economics. Pesquisadora visitante no Wilson Center, nos Estados
Unidos, ela hoje prepara um livro crítico sobre o governo Dilma Rousseff.
O liberalismo dos economistas que apoiam Aécio é temperado com a
social-democracia. Trata-se de uma ideia nascida na Europa, na segunda metade
do século XIX. Originalmente, defendia uma transição pacífica do capitalismo
para o socialismo. Ao longo do século XX, evoluiu. Deixou para trás conceitos
empoeirados, como o conflito de classes e a vilipendiação do empresário. Na
concepção moderna, busca justiça social sem abrir mão da economia de livre
mercado. Esse conceito fundamental norteou a criação do PSDB, em 1988.
Dilma também se alimentou de duas fontes principais para formar seu
credo econômico. Ela é uma desenvolvimentista. Essa corrente de pensamento
surgiu em países subdesenvolvidos, em reação à Grande Depressão, iniciada em
1929. A crise varreu o mundo – no Brasil, sumiram os empregos na lavoura
cafeeira, principal atividade do país naquela época. Nesse cenário, surgiram
economistas dispostos a não dar chance ao acaso e garantir o desenvolvimento
por meio de planejamento estatal. No Brasil, o principal nome dessa escola
econômica foi Celso Furtado (1920-2004). Dilma, como boa desenvolvimentista,
acredita que cabe ao governo mais que regular e garantir estabilidade. Por essa
visão de mundo, cabe ao Estado fazer o que for necessário para promover o
crescimento – investir, contratar, emprestar ou produzir ele mesmo. A “nova
matriz econômica” defendida pelo governo Dilma nos últimos anos consistiu em
tolerar mais inflação, oferecer mais crédito e estimular o consumo. Essa
receita deveria incentivar as empresas a investir mais, para atender os
consumidores. Esse resultado, até o momento, não apareceu. O governo passou
também a agir de maneira pontual, com subsídios e intervenções em setores que
considerou estratégicos e com apoio a grandes empresas que considerou ter
chances de se tornar multinacionais com poder de fogo global. Esse curso de
ação manteve empacados o investimento e a produtividade. Seu efeito positivo
foi disseminar o surgimento de empregos, mesmo que de baixa remuneração e
qualificação. A combinação de baixo desemprego, aumento real do salário mínimo,
expansão do Bolsa Família e da oferta de crédito teve efeito poderoso no
bem-estar dos brasileiros durante a maior parte dos 12 anos de governo petista.
“O PT dá mais ênfase às políticas sociais. Por essa visão, o Estado é
importante para contribuir com a redução das desigualdades sociais, porque o
mercado é incapaz de propiciar isso à população excluída do sistema. Estamos
num país com desigualdades muito gritantes”, afirma o economista Fabrício de
Oliveira, ex-professor da Unicamp e da UFMG. Oliveira foi um dos economistas a
assinar o manifesto “O Brasil não quer voltar atrás”, de apoio a Dilma,
publicado na terça, dia 14.
A outra fonte em que bebe o pensamento econômico de Dilma é o
trabalhismo. Ela iniciou carreira no PDT, representante de uma esquerda
moderada e pragmática, orientada para a conquista de resultados para os
assalariados. O PT nasceu em 1980, num momento em que o ideário socialista
ainda cativava, mundo afora, os idealistas ingênuos, os desiludidos com a
democracia e os desinformados de economia – ainda que já se comprometesse mais
com resultados práticos do que com princípios ideológicos. Mesmo assim, o PT
era um partido sectário, que tendia a dividir o mundo em explorados e
exploradores. Essa visão de mundo evoluiu gradualmente, à medida que ganharam
força, no exterior, movimentos trabalhistas mais dispostos a negociar e a
buscar resultados práticos. Formou-se nesse caldeirão o maior líder do PT, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma ingressou no PT em 2001 e
mostrou-se mais apegada a ideologias que Lula. No momento, é difícil ver isso
como uma vantagem.
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