Gustavo H.B. Franco, O Estado de S.Paulo
26 de abril de 2020 | 04h00
Com um mês e meio do início oficial da pandemia (a declaração da Organização Mundial da Saúde é de 11 de março), o estrago sobre a economia é imenso e, pior, não está completo.
As primeiras projeções para o crescimento do PIB em 2020 começaram a aparecer, o aspecto é péssimo, mesmo considerando as dosagens elevadas de pudor e genuína contrição nesses primeiros esforços.
Estamos falando de quedas superiores a 5% para 2020, mas, na hipótese otimista e irreal, que no segundo semestre de 2020 voltaremos à “normalidade pré-corona”, o que nem mesmo a Militância Bolsonarista da Terceira Idade de Taubaté acredita que vá acontecer.
Na verdade, se os números do segundo semestre forem afetados por alguma restrição espontânea de mobilidade e consumo, o que é bem provável, a conta para o PIB em 2020 vai ficar mais próxima de uma queda de dois dígitos.
A mesma dinâmica se observa para o resto do mundo, para o qual a projeção do FMI é de 3% de queda, mas na improvável hipótese de uma recuperação forte no segundo semestre.
Terrível.
Além de terrível, pode-se certamente acrescentar “inesperado” e talvez um “imerecido”. Mas não vale discutir, nem tem muita importância mesmo, pois é o que temos para hoje e o que vale, para a política, é o que os advogados designam como “responsabilidade objetiva”, ou, na linguagem do Conselheiro Acácio, a responsabilidade é do responsável independentemente de culpa ou merecimento. Vai para a conta da liderança.
De acordo com um velho teorema que aprendi em Brasília, e de aplicação global, é muito difícil a liderança política se aguentar (na próxima eleição) com a economia naufragando desse jeito, independentemente de culpa e dolo.
Isso é mais ou menos como dizer que nenhum tripulante graduado do Titanic tem muita chance de ser popular junto aos passageiros e seus familiares. Fica ainda mais difícil quando houver gente morrendo sem conseguir entrar nas UTIs, sobretudo na periferia da Belíndia. Por ora, vamos lembrar, a “curva” brasileira reflete a evolução na nossa população belga, daqui para frente, no entanto, vai ser como na Índia.
Claro que um ou outro líder pode destoar: Boris Johnson, por exemplo, ao ficar doente, experimentou o equivalente à facada de Bolsonaro durante a eleição, e vai sair da crise melhor que a média, assim como Jair Bolsonaro, por conta da “gripezinha”, entre outras malcriações e maus exemplos, vai sair pior, muito pior.
Sendo assim, e considerando que o fenômeno é global, o prognóstico é ruim para os políticos no poder, de modo que, provavelmente, vamos ter o encerramento desses populismos de quinta categoria ocorrendo em vários países, incluindo este aqui onde estamos. A ver.
Há algo de perverso, todavia, nessas más notícias do PIB saindo justamente no ápice do debate sobre a transição do confinamento geral para algo diferente, cujos protocolos estão ainda em discussão. A sofreguidão com as consequências políticas de um PIB muito ruim pode enviesar a decisão para uma abertura muito grande ou muito rápida, o que pode custar vidas e levar à volta de medidas mais restritivas no segundo semestre do ano, arruinando de vez o PIB de 2020.
Tudo isso não obstante, o presidente, neste mês e no meio da pandemia, deu duas demonstrações de desapreço à autonomia dos órgãos de Estado que lidam com a Saúde e com a Polícia, e que resultaram nas demissões dos ministros Mandetta e Moro.
É natural que o mercado financeiro volte a flertar um terceiro pavor que seria o desapreço à autonomia dos órgãos de Estado que lidam com a Economia e a possível substituição do ministro Paulo Guedes por “alguém mais afinado”, e “que possa interagir” com o presidente. Essa possibilidade precisaria ser afastada o mais rápido possível: o presidente teve 40 minutos em cadeia nacional para fazê-lo, mas, quando não falou de Sérgio Moro, tratou de aquecimento da piscina.
Por tudo isso, o ministro Guedes precisa ficar maior, e a turma do gabinete do ódio precisa ficar menor. Não existe outra receita para baixar a temperatura dessa crise.