sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Para além do vaivém das Bolsas.

O keynesiano LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta sobre as últimas turbulências econômicas.

Incríveis as oscilações de preços nos mercados financeiros nas últimas duas semanas. Depois de um longo movimento de quedas diárias, e que destruiu trilhões de dólares de valor nos três cantos do mundo, estamos agora vivendo um vaivém insensato. Em um dia os preços das ações -no Brasil e no mundo- caem mais de 4%; no dia seguinte, sobem com a mesma intensidade, para em seguida voltar a cair forte.

Essa mesma gangorra acontece com a cotação do franco suíço, do iene japonês e do ouro, ativos vistos pelo mercado como mais seguros do que o dólar americano.

A moeda suíça -uma das mais estáveis do mundo- chegou a se valorizar em mais de 5% em relação ao dólar em um só dia. Mesmo os títulos emitidos pelo Tesouro americano tiveram seus preços flutuando diariamente em níveis também muito acima do padrão histórico.

Isso apesar de serem eles os títulos financeiros de maior liquidez em circulação no mundo e, portanto, difíceis de serem manipulados pelos especuladores.

Vou usar um derivativo que mede a variação dos preços das ações na Bolsa de Nova York -o chamado índice VIX- para dar ao leitor da Folha uma ordem de grandeza da loucura deste período. O VIX, que em tempos normais vale 15 pontos, chegou a mais de 40 nesta semana.

As perguntas que chegam hoje a todos os que ocupam um espaço de reflexão sobre economia e finanças são quase sempre as mesmas: como explicar esse estado de irracionalidade coletiva, e do que depende a volta de um comportamento mais previsível aos mercados?

A causa mais importante de toda essa volatilidade é, sem dúvida nenhuma, a volta do risco de uma nova recessão nos Estados Unidos.

Essa ameaça -que, por vários meses, parecia afastada- voltou com força a partir da divulgação do crescimento do PIB americano no segundo trimestre deste ano e, principalmente, das revisões dos números relativos aos trimestres anteriores.

As estatísticas mostraram a todos duas verdades explosivas: a recessão em 2009 foi mais profunda do que medida anteriormente e o crescimento no início deste ano foi muitíssimo mais fraco do que o que havia sido medido pelo governo americano e por instituições privadas há alguns meses.

O quase pânico que se instalou nos mercados após a divulgação desses dados deveu-se ao reconhecimento de que as medidas que vinham sendo tomadas pelo governo e pelo Fed não estavam sendo suficientes para colocar a maior economia do mundo de volta à rota do crescimento sustentado. Tinha havido uma recuperação ao longo de 2010, mas os números agora revelavam que isso tinha sido apenas um espasmo de crescimento.

Além disso, mesmo os mais fervorosos economistas keynesianos, como eu, sabiam que não existem novos medicamentos a serem ministrados ao paciente. E todos sentiam a frustração de reconhecer que os ensinamentos e os conselhos do velho mestre não estavam funcionando desta vez.

No meio dessa decepção, a crise criada pelo impasse na renegociação do teto da dívida pública americana funcionou como elemento adicional no imaginário já pessimista dos mercados. A recuperação da economia dos Estados Unidos, todos sabem, é um elemento fundamental para que a Europa possa administrar sua própria crise fiscal.

Na medida em que a confiança nesse cenário desaparecia e se transformava em um fantasma recessivo das piores proporções, a crise europeia mudava de dimensão.

Com esse futuro negro à frente, o mercado passou a criar seus próprios monstros. O maior deles foi o mito da fuga dos investidores tanto dos títulos emitidos pelo governo americano como do dólar.

Felizmente, essa ameaça durou apenas um fim de semana, pois na segunda feira seguinte à decisão da agência Standard & Poor's os investidores corriam para comprar esses papéis e a moeda americana.

Com os mercados mais calmos, e bem mais baratos, creio que teremos um período de maior racionalidade à espera de novos dados econômicos que mostrem a economia ainda crescendo e do início de um entendimento no Congresso americano sobre a questão fiscal nos EUA.

Teste: adivinhe o país!

MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre os últimos acontecimentos mundiais de revoltas populares até em países com uma qualidade de vida excepcional.

Hoje começamos com um teste. Selecione o país de onde vem a seguinte notícia: "Nas últimas semanas, ruas e praças foram tomadas por milhares de pessoas que protestam contra o governo. Em alguns lugares, os protestos se tornaram muito violentos". Os países entre os quais você pode escolher são: Azerbaijão, Chile, China, Espanha, Filipinas, Grécia, Indonésia, Israel, Portugal, Reino Unido, Rússia, Tailândia.

A resposta é fácil: em todos. E, é claro, a lista poderia incluir Bahrein, Egito, Jordânia, Marrocos, Líbia, Síria, Tunísia e Iêmen, entre outros. Este ano começou com a Primavera Árabe e continuou com o verão furioso.

A fúria das ruas se tornou contagiosa, e a indignação popular se globalizou. É impossível diferenciar uma foto de jovens enfrentando a polícia em Santiago do Chile de outra foto mostrando a mesma imagem em Londres. Ou uma que mostra os indignados acampados na Porta do Sol, em Madri, de outra com as barracas de campanha dos milhares de manifestantes nas praças de Tel Aviv.

É tentador procurar uma mesma explicação para todos esses protestos. Embora seja fato que a má situação econômica, a desigualdade e a falta de oportunidades para os jovens estejam presentes em muitos deles, é mais verdadeiro ainda que cada um desses protestos é movido por forças muito próprias.

Os jovens chilenos saem às ruas porque querem educação melhor; os ingleses, porque querem roubar um aparelho de TV. Os israelenses protestam contra a falta de moradia, e os indignados espanhóis porque... não sei bem por quê.

Por tudo. No Reino Unido, a discussão pública sobre as causas dos saques é especialmente reveladora. Cada um tem uma explicação diferente: famílias fracas e desfeitas, ineptidão policial, imigração, multiculturalismo, discriminação racial, as políticas sociais, os cortes orçamentários, a desigualdade econômica, a tolerância diante dos comportamentos antissociais, os defeitos do sistema de ensino, a overdose de BlackBerries e redes sociais e muito mais. Essa variedade de explicações significa que ninguém entende a origem dessa repentina explosão de violência nas ruas.

Mas, embora não saibamos o que aconteceu nesta semana no Reino Unido, contamos com uma análise rigorosa e recente da instabilidade social que houve na Europa entre 1919 e 2009. Jacobo Ponticelli e Hans-Joachim Voth, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, acabam de publicar um ensaio fascinante em que, utilizando uma enorme base de dados sobre 26 países europeus, constatam que, nesses 90 anos, "os cortes nos gastos públicos elevaram significativamente a frequência de distúrbios, marchas antigoverno, greves gerais, assassinatos políticos e tentativas de derrubar a ordem estabelecida".

Não constitui surpresa, mas é bom que alguém o tenha comprovado cientificamente. Assim, considerando que os cortes nos gastos públicos já se tornaram inevitáveis em muitos países, já sabemos o que devemos esperar. A fúria das ruas deste verão vai se prolongar. São afortunados (e poucos) os países que a poderão evitar.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A receita de DELFIM para o caos.

Antonio Delfim Netto, no Valor Econômico de hoje e sua receita para o caos. Como sempre, uma ótima leitura.

O mercado é a manada, é a imitação

Houve novidade na última semana? Nenhuma! Talvez apenas a confirmação que a "racionalidade" dos agentes no mercado é a mesma dos carneiros de Panurge, o célebre personagem criado por Rabelais: tendo sido um deles jogado ao mar, foi fielmente seguido pelos outros. O mercado é a "manada". É a "imitação". É o contágio. É a busca da segurança na insegurança: todos seguem todos, supondo que o vizinho sabe o que está fazendo. Aliás, foi aquele o exemplo dado pelo maior matemático do século XIX, Henry Poincaré (1854-1912), para não dar o grau máximo à tese de Louis Bachelier, o criador da economia financeira, cujo elegante modelo supunha que o comportamento dos agentes fosse independente...

O fato lamentável é que o "mercado em geral" deixou de observar o único mercado em que a possibilidade de um "default" dos EUA seria visível: o próprio mercado dos títulos do Tesouro! Como de costume, o Tesouro continuou vendendo semanalmente (até a última semana de julho), cerca de US$ 80 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias, um ano e dois anos (com demanda igual a quatro vezes o total vendido) e com taxa de juros declinante. Esse é o claro fato que nele sempre se considerou um evento de probabilidade nula (ainda que não impossível): os EUA, depois de 250 anos de construção da maior credibilidade do mundo, virem a reconhecer um "default" no cumprimento de obrigações com relação a sua dívida pública.

Não pode haver dúvida. Os EUA estão diante de grave problema: a ocasional disfuncionalidade da sua administração política. O Congresso, dominado por radicalismos, tem dificultado fortemente uma ação adequada do Executivo. A discussão farsesca sobre a ampliação do teto da dívida americana que perturbou todos os mercados (menos o dos próprios títulos da dívida como mostramos acima!) é um sinal daquela disfuncionalidade que aumentou de forma irresponsável a volatilidade de todas as economias do mundo. Ao mesmo tempo, ajudou a ampliar as incertezas sobre a solvência de alguns países da Eurolândia. Infelizmente, esses fazem parte de uma comunidade que, seguramente, não é uma área monetária ótima, não tem mecanismo de controle efetivo sobre as finanças de cada participante e seu Banco Central está mais perplexo e dividido internamente do que o Fed.

Para encurtar uma longa história é preciso reconhecer que a única solução para esses problemas é uma aceleração do crescimento econômico contra o qual, infelizmente, conspiram: 1º) as políticas contracionistas impostas a alguns países; e 2º) a falta de coordenação capaz de impor, pelo ajuste negociado das taxas de câmbio, um reequilíbrio do comércio mundial.

Para o mundo em recessão, a disputa entre as sugestões "neoclássicas" e as "keynesianas" são completamente irrelevantes, uma vez que é visível e palpável o imenso desemprego e a redução do uso do capital físico. Obviamente o que lhes falta é demanda global, isto é, a soma da demanda privada com a pública. A primeira encolheu diante das amargas consequências da imensa patifaria do sistema financeiro, feita sob os olhos complacentes dos governos que estimularam a destruição da regulação produzida nos anos 30 (criada em resposta às mesmas safadezas feitas pelo mesmo sistema financeiro e repetidas nos anos 90). A causa básica da redução da demanda foi a destruição do "circuito econômico" produzido pelo colapso instantâneo do sistema financeiro, resultado da miopia com que foi tratado o problema do Lehman Brothers.

Não é preciso ser macroeconomista para saber que a única forma de manter a demanda global, em tal circunstância, é ampliar a demanda pública, que é o remédio keynesiano. É preciso insistir que o aumento da demanda pública (pela ampliação do gasto) pode ser eficaz para ampliar o uso dos recursos "desempregados" pela queda da demanda do setor privado se, e unicamente se, estimular um aumento do consumo ou do investimento do próprio setor privado. O problema com um certo keynesianismo é esquecer Keynes. O resultado final do aumento da demanda pública só será funcional se alterar as "expectativas" do consumidor (que vê - no futuro opaco - a possibilidade de encontrar emprego) e recuperar o espírito animal do investidor (que vê - no futuro opaco - o renascimento da demanda).

O famoso "multiplicador" dos gastos públicos depende do "estado de espírito" dos agentes econômicos e só pode ser conhecido "a posteriori". É até possível obter uma ampliação do crescimento com uma redução do gasto público ou dos impostos (multiplicador negativo!) em condições excepcionais de "expectativas". A política funcionou muito mal nos EUA e na Europa porque os governos foram incapazes de cooptar a confiança do setor real das suas economias, aquele que emprega e investe. Protegeram o setor financeiro criador da desgraça (da qual eles mesmos foram coadjuvantes) e foram incapazes de restabelecer a confiança necessária ao pleno funcionamento do "circuito econômico".

É por isso que a receita neoclássica de mais "aperto" fiscal e mais aumento de impostos é um equívoco. Não pode levar a lugar nenhum porque não estimulará o uso dos recursos "desempregados" na aceleração do crescimento, que é a única solução do problema no longo prazo.

Mas e a recomendação da abandalhada S&P?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Gustavo Franco.

A entrevista de Eleonora de Lucena com GUSTAVO FRANCO, hoje na FOLHA DE S. PAULO está imperdível. Para FRANCO, "teremos uma marcha lenta no Primeiro Mundo em razão da necessidade de corrigir os excessos fiscais. Não há espaço para políticas keynesianas de gasto nem para redução dos juros." Na realidade, ele avalia que a crise pode significar "o fim de uma era de keynesianismo fácil".
Folha - Qual o impacto da decisão da Standard & Poor's de rebaixar os EUA? Gustavo Franco - No primeiro momento é simbólico, pois os EUA continuam AAA em duas outras agências. As determinações estatutárias de fundos de pensão e dos bancos centrais geralmente falam de grau máximo em duas agências. Acho que é um belo "wake up call" [chamada para despertar], pois fica claro que a disciplina que se exige de todos num mundo interconectado também deve ser praticada e cobrada na potência central.
Por que as Bolsas caíram? É, de fato, por causa de temores de recessão ou há outros ingredientes? Sim, há temores quanto à recessão, sobretudo no hemisfério Norte, mas o que torna as coisas mais preocupantes é a situação fiscal no Primeiro Mundo, onde as dívidas dos governos chegaram a patamares tão altos que a sensação é a de que se esgotou a capacidade desses países fazerem políticas fiscais expansionistas.
Os governos devem colocar mais dinheiro no mercado financeiro? Haverá nova socialização das perdas? Não é a situação de 2008, não há bancos a salvar. Ao menos por ora, nunca se sabe. A natureza do problema é outra: os países se engasgaram com tanta "socialização das perdas" por cima de "socializações de ganhos" e conquistas sociais e excessos de gasto público em geral.
Se as agências de risco erraram de forma tão dramática em 2008 (não prevendo o colapso do Lehman; qualificando os bancos da Islândia como AAA) e também agora nos cálculos do rebaixamento dos EUA, por que elas seguem tão importantes? Elas vão ser "rebaixadas" por governos e outras instituições? Essa é uma boa pergunta. Em boa medida, na segunda-feira [hoje] os mercados estarão se perguntando se a Standard & Poor's está com essa bola toda. Normalmente as agências reagem defasadamente ao que todo mundo já sabe, padrão que se repete dessa vez. E erram o tempo inteiro, sim e, em muitos casos, no contexto de conflitos de interesse. O Tesouro Americano contesta os cálculos da S&P. Uma das revelações desta segunda vai ser a importância que os mercados atribuem às agências de risco.
Se os títulos dos EUA estão com pior avaliação, qual a opção? Títulos alemães? Títulos dos EUA.
Estamos entrando num período de recessão mais longo e profundo? Recessão é uma palavra forte, não é bem isso. Cresce a consciência de que teremos uma marcha lenta no Primeiro Mundo em razão da necessidade de corrigir os excessos fiscais. Não há espaço para políticas keynesianas de gasto nem para redução dos juros, que já estão no chão. De onde vai vir o crescimento?
De onde? O capitalismo não consegue mais fazer crescimento? Seria errado pensar assim, a julgar pelos quatro séculos de bons serviços que o capitalismo tem com este planeta, e também porque não há alternativa. O desafio será o de direcionar políticas públicas para trabalhar fatores como produtividade, inovação, regulação, ambiente de negócios, infraestrutura e num contexto de economia fiscal, de modo a elevar a confiança da economia privada, de empresas e consumidores.
Se recessão é uma palavra forte, como o sr. definiria a situação atual? Estagnação? Apenas baixo crescimento, ao menos durante o período de acomodação dos efeitos financeiros e fiscais de crise. Há certa ansiedade nesses países, pois há muito crescimento na Ásia e, em menor escala, no Brasil.
Em termos históricos essa recessão seria comparável à recessão de 29 ou à do final do século 19, que resultou no declínio da Grã-Bretanha e na ascensão dos EUA e da Alemanha? A crise de 1929 é uma fonte inesgotável de lições, e o presidente do FED [banco central americano], que é um historiador que conhece o assunto, tratou muito bem de evitar os erros daquele tempo, especialmente no terreno da política monetária. Acho meio exagerado falar da decadência dos EUA como potência econômica.
Vivemos o estouro de várias bolhas? Há quem afirme que a crise desses dias é a prova do fracasso neoliberal. É? Não vejo bolha nenhuma, muito menos fracasso neoliberal. É preciso olhar a situação com frieza, sem preconceitos ideológicos: o que estamos vivendo é o esgotamento do crescimento do Estado nas grandes democracias ocidentais, e mais o Japão, onde os níveis de endividamento público ultrapassaram medidas habitualmente aceitas de responsabilidade fiscal. O mal-estar é causado pelo fato de que há deficits e dívidas enormes. Os gastos públicos têm que cair. Em cada sociedade há um grupo, como o Tea Party, que vai se opor a aumento de impostos. O enredo do impasse americano é global, e, por isso mesmo, foi tão impactante. É uma prévia do que vai ser visto em muitos países. É como se fosse o fim de uma era de keynesianismo fácil, onde tudo sempre se resolve com o gasto público, socializando perdas, ou acomodando sucessivas e inesgotáveis "conquistas", e coalizões cada vez maiores. Essa paralisação fiscal-financeira do Estado representa novo desafio, talvez início de um novo tempo.
Politicamente, quais serão os efeitos da decisão da S&P e todo o enrosco de Obama com o Congresso? A China já está reclamando. Acho que o impacto pode até ser positivo, na medida em que mobiliza energias políticas para a busca de soluções. A China é um capítulo à parte, pois não tem os problemas fiscais próprios das democracias ocidentais por uma razão simples e óbvia: não é uma democracia. Para ser, e evitar uma primavera que pode ser tumultuada, teria que alterar muito de suas instituições ligadas ao mercado de trabalho e à seguridade social. O fato é que a China tem sido a fonte de um discurso meio vigarista sobre o "fracasso do modelo liberal" que na verdade é uma velha cantilena sobre a ineficiência da democracia.
Como o sr. avalia a fragilidade de economias como Itália e França? Como está a saúde financeira dos bancos europeus? O temor alcança todos, e por isso era bom ficarmos nós, aqui no Brasil, bem quietos e prudentes, pois os nossos números fiscais não estão muito diferentes daqueles dos países com problemas. Nesses episódios de elevação da aversão ao risco, os mercados ficam procurando os países e as empresas fragilizados.
A situação dos bancos europeus terá impacto no Brasil? Se aparecer algum grande problema bancário europeu, certamente terá efeitos por toda parte. Mas hoje não há clareza sobre isso.
Alguns analistas têm receio do excessivo endividamento privado brasileiro no exterior. Uma virada no câmbio poderia colocar empresas sob risco. O sr. compartilha desse temor? Não compartilho. Acho que o volume não é muito grande, e as empresas sabem fazer hedge. A medida descabida foi o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] sobre derivativos que torna o hedge mais caro para as empresas. O tema do momento é outro: dívida pública. E o que me preocupa no Brasil é o governo achar que tudo está bem nesse terreno, e que o rebaixamento americano seria como uma promoção para nós. Nada mais perigoso.
Qual deve ser o impacto na taxa de juros, no câmbio e no crescimento? Os impactos sobre o Brasil estão ainda indefinidos. As pressões sobre a Bolsa são meio exageradas e fazem as empresas brasileiras ficarem muito baratas relativamente a seus resultados. A oportunidade para comprar parece-me clara.
O sr. prevê novos rebaixamentos de países pelas agências de risco? É provável, ao menos pela S&P, pois, ao alterar a classificação do país, geralmente se alteraram as de todas as empresas ali sediadas. Será interessante verificar se esse protocolo será obedecido dessa vez. Parece que a S&P não tinha muita ideia do tamanho da dificuldade que criou para si. E a impressão que tenho é que o próximo assunto é a Europa, pois é onde estão os maiores problemas de dívida soberana.
O que aconteceu nos últimos dias é uma tragédia inesperada ou é algo de dimensão menor? A recuperação vai demorar mais? A natureza do problema não me parece ser a de um problema agudo, como o pânico bancário provocado por uma sucessão de bancos quebrando como em meados de 2008. Mas de um peso, que dobrou de tamanho em dois anos, que os governos terão que carregar por um bom tempo. É a exaustão fiscal global. Alguns mais fracos, os Piigs [Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha], estão com dificuldades, e mesmo nos países mais sólidos as pessoas estão debatendo sobre como distribuir o peso e os sacrifícios. É uma espécie de marcha forçada, onde será preciso algum tempo para diminuir o peso e ajustar as contas, na qual pode acontecer algum incidente, é claro. Os EUA estão fazendo a sua parte. Talvez amanhã [hoje], por curioso que pareça, as pessoas voltem seus olhos para Itália e Espanha. Na verdade, os assuntos das conversas no âmbito do G7 e de bancos centrais da Europa não serão muito relacionados aos EUA, mas à blindagem da Europa.
O que o sr. recomendará aos clientes? Onde investir? Ouro? Ativos reais? Depende de cada caso. E o nosso perfil é de investidor de longo prazo, e a receita para esse tipo de investidor é contrária ao comportamento da "manada". A oportunidade que se apresenta é a de comprar ações de boas empresas que subitamente se tornaram baratas.

domingo, 7 de agosto de 2011

Raúl Prebisch.

Aguardo com expectativa a biografia de RAÚL PREBISCH – A construção da América Latina e do Terceiro Mundo, escrita pelo Professor EDGARD DOSMAN, da Universidade de York. Nestes tempos de crises e mais crises, vamos entender as ideias de quem, como Keynes, acreditava mais no Estado do que mercado. Tenho discordância desse Estado ineficiente que somente em impostos hoje absorve 36% do que se produz no país, reconheço falhas no livre mercado, mas ainda compartilho das ideias de Adam Smith.

A Standard & Poor's e o rebaixamento dos Estados Unidos.

Paul Krugman, colunista do The New York Times, hoje no O Estado de S.Paulo, comenta sobre o novo rating AA+ dos Estados Unidos.

Pois é, a Standard & Poor"s fez o que ameaçava fazer: rebaixou o rating dos Estados Unidos. É uma situação estranha.

Por um lado, agora justifica-se a afirmação de que a loucura da direita tornou os Estados Unidos uma nação fundamentalmente doente. Porque, de fato, é a loucura da direita: se não fosse o radicalismo dos republicanos, sempre contrários a impostos, seria possível chegar, sem nenhum problema, a um acordo que garantiria a solvência a longo prazo.

Por outro lado, é difícil imaginar uma entidade menos qualificada para passar um julgamento sobre o nosso país do que as agências de rating. Então as pessoas que classificaram os títulos respaldados em empréstimos subprime agora se declaram os juízes da política fiscal? É mesmo? E, para a coisa ficar mais perfeita, ficou claro que a S&P errou nos cálculos em US$ 2 trilhões; depois de muitas discussões reconheceu - e rebaixou a classificação. Mais do que isso, tudo o que já ouvi sobre as exigências da S&P indica que a agência está falando absurdos a respeito da situação fiscal dos EUA. Ela sugeriu que o rebaixamento se deu por causa do montante da redução do déficit que havia sido negociada para a próxima década, e aparentemente acenou com o mágico número de US$ 4 trilhões.

Entretanto, a solvência dos EUA não depende do que acontece a curto e até mesmo a médio prazo: mais de U$ 1 trilhão de dívidas representa um aumento de apenas uma fração de um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) aos custos dos juros futuros. Portanto, U$ 2 trilhões a mais ou a menos não têm grande significado a longo prazo. O que importa é a perspectiva a prazo mais longo, que, por sua vez, depende em grande parte dos custos da saúde.

Então, do que é que a S&P estava falando?

Supostamente, ela possuía alguma teoria segundo a qual a restrição agora é um indicador do futuro - mas não há nenhuma boa razão para se acreditar nesta teoria, e seguramente a S&P não tem nenhuma autoridade para fazer esse tipo de vago julgamento político.Em suma, a S&P fez uma asneira - e, depois da débâcle das hipotecas, não tem mais esse direito. É um escândalo - não porque os EUA estejam numa boa situação, mas porque estas pessoas não têm condições de julgar.

Dependência econômica.

MERVAL PEREIRA, hoje no O GLOBO, comenta estudo de REINALDO GONÇALVES sobre o direcionamento da política econômica atualmente adotada.

No momento em que o governo Dilma reconhece o perigo da desindustrialização e lança um programa de incentivo à indústria nacional, com medidas protecionistas que, em alguns casos, repetem erros do passado, criando reservas de mercado que podem gerar uma indústria sem competitividade, o economista Reinaldo Gonçalves, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publica um trabalho em que pretende demonstrar que, ao contrário do que seus seguidores defendem, o projeto econômico do governo Lula se caracteriza pelo que o economista chama de "Nacional Desenvolvimentismo às Avessas".

Ele classifica seu trabalho como uma crítica "aos analistas que identificam três traços distintivos do Governo Lula: a realização de grandes transformações; a reversão de tendências estruturais; e a predominância da visão desenvolvimentista nas políticas a partir de 2005".

Para Gonçalves, o que se constata claramente é: desindustrialização, aumento das importações (que chama de "desubstituição de importações"); reprimarização das exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização quando se desconta a expansão das três maiores empresas do país ligadas à exploração de recursos naturais (Petrobras, BR Distribuidora e Vale); crescente vulnerabilidade externa estrutural em função do aumento do passivo externo; e crescente dominação financeira, expressa na subordinação da política de desenvolvimento à política monetária focada no controle da inflação.

Ele dividiu o estudo em seis partes:

Estrutura produtiva: Desindustrialização e desubstituição de importações

A participação da indústria de transformação no PIB reduz-se de 18% em 2002 para 16% em 2010. Neste período, a taxa de crescimento real do valor adicionado da mineração é de 5,5%; da agropecuária, 3,2%, e da indústria de transformação, 2,7%. "Os diferenciais entre estas taxas de crescimento informam um processo de desindustrialização da economia brasileira no Governo Lula", afirma.

O processo de desindustrialização é acompanhado pela desubstituição de importações. Segundo o estudo, o coeficiente de penetração das importações aumenta, de forma praticamente contínua, de 11,9% em 2002 a 18,2% em 2008.

Padrão de comércio: Reprimarização das exportações

No Nacional Desenvolvimentismo, a mudança do padrão de comércio significa menor dependência em relação às exportações de commodities. Ao contrário, mostra o estudo de Gonçalves, no Brasil de Lula a participação dos produtos manufaturados no valor das exportações mostra clara e forte tendência de queda (56,8% em 2002 para 45,6% em 2010), enquanto há tendência igualmente clara e forte de aumento da participação dos produtos básicos (25,5% em 2002 para 38,5% em 2010).

Progresso técnico: Dependência tecnológica

No Governo Lula, verifica-se também o processo de maior dependência tecnológica. O indicador usado é a relação entre as despesas com importações de bens e serviços intensivos em tecnologia, e os gastos de ciência e tecnologia, que aumenta de 208% em 2002 para 416% em 2010. "Ou seja, há duplicação do grau de dependência tecnológica".

O chamado "déficit tecnológico", a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e maior valor agregado e dos serviços tecnológicos e o valor das exportações destes bens e serviços, aumentou significativamente, de US$ 15,4 bilhões em 2002 para US$ 84,9 bilhões em 2010.

Estrutura de propriedade: Desnacionalização

No Nacional Desenvolvimentismo, há preferência revelada pelo capital nacional, público ou privado, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade externa. No Governo Lula, se descontada a grande influência das três maiores empresas (Petrobras, BR Distribuidora e Vale), teremos uma boa idéia do grau de desnacionalização da economia brasileira, segundo Gonçalves.

O trabalho mostra que houve aumento da participação das empresas estrangeiras no valor das 497 maiores empresas no país: 47,8% em 2002 e 48,5% em 2010.

O autor admite, no entanto, que são mudanças "pouco expressivas" quando se considera o período de oito anos do Governo Lula..

Vulnerabilidade externa estrutural: Passivo externo crescente

No Governo Lula há aumento significativo do passivo externo total do país, que passa de US$ 343 bilhões no final de 2002 para US$ 1,294 trilhão no final de 2010.

O passivo externo aumenta de US$ 260 bilhões em 2002 para US$ 916 bilhões em 2010. Considerando as reservas internacionais de US$ 300 bilhões, "verifica-se que o passivo externo financeiro do país é 3 vezes o valor das reservas no final de 2010".

O saldo da conta de transações correntes em relação ao PIB mostra nítida tendência de queda a partir de 2005, e torna-se negativo a partir de 2008. As projeções do FMI apontam que o Brasil deverá experimentar recorrentes déficits de transações correntes do balanço de pagamentos — de 3,0% a 3,5% —, que crescerão de US$ 60 bilhões em 2011 para US$ 120 bilhões em 2016.

Política econômica: Dominação financeira

No Governo Lula a taxa média de rentabilidade dos 50 maiores bancos é sempre superior à das 500 maiores empresas.

De 2003 a 2010, a taxa média de rentabilidade das maiores empresas é de 11% e a taxa dos bancos é 17,5%.

"Além do abuso do poder econômico, os bancos se beneficiam da política monetária restritiva caracterizada por elevadas taxas de juro", analisa Reinaldo Gonçalves.

Reflexões sobre as fragilidades do Brasil diante da crise financeira global.

O Professor CARLOS PIO, da Universidade de Brasília, traça uma análise da atual situação brasileira e que serve de alerta para quem se acha autosuficiente diante do que acontece na economia mundial. Uma leitura altamente recomendável .

(a) o Brasil chegou ao limite do que pode crescer sem investimentos arrojados do setor privado -- a capacidade instalada da indústria está no pico e o desemprego no ponto mais baixo das últimas décadas;

(b) para investir pesado o setor privado precisa

  • acreditar que vamos crescer muito no futuro -- se não é melhor elevar preços e/ou imports,
  • sentir que o quadro regulatório garante propriedade, contratos, rentabilidade e competitividade frente a concorrente estrangeiros,
  • inflação, câmbio e juros favorecerão lucratividade e competitividade futura,
  • gargalos da infra-estrutura (estradas, portos, aeroportos, energia) e do capital humano (educ, capacit & treinam, saúde e creche) serão equacionados com eficiência;

(c) não bastasse a distância olímpica que separa o mapa cognitivo de nossas elites políticas e as reais necessidades de modernização do País (expostas acima), vivemos uma gravíssima crise política no governo federal -- que é essencialmente uma disputa entre os partidos da base governista por ocupação de postos que garantem apropriação de rents derivados do manejo do orçamento e do quadro regulatório e não de projetos diferentes de intervenção do estado nos domínios da vida privada de todos e cada um de nós;

(d) As crises dos EUA e da parcela latina da Europa (PORT, ESP, ITA) indicam que os principais investidores em nosso país estão em situação de enorme estresse financeiro -- o que poderia ser positivo se fosse apenas uma crise dos respectivos setores públicos (pq aí o setor privado deles poderia investir no exterior), mas é, também, uma crise de seus setores privados. Além desses países, Argentina e Japão estão em situação muito ruim. Resta a China;

(e) sobre a evolução econômica da China e seus impactos sobre a economia brasileira existem enormes pontos de interrogação.

  • a economia Chinesa cresce em bases financeiras sustentáveis ou podemos vir a descobrir que elas são tão frágeis quanto as bolhas americana, européia e japonesa? Há muitos indícios de que bancos chineses são pessimamente capitalizados, que tem ocorrido um boom imobiliário e que os níveis de corrupção são alarmantes. Da mesma forma, crescem os custos para o governo de repressão das demandas políticas (ainda desorganizadas) o que sempre pode resultar em explosão de participação popular e instabilidade política, como ocorreu recentemente no mundo árabe
  • o governo brasileiro aceitará o adensamento ainda maior dos vínculos comerciais, financeiros e produtivos com a China, mesmo que estes estejam baseados em

- exports de commodities daqui e de manufaturados baratíssimos de lá? [Eu, particularmente, não temos essa baboseira de "desindustrialização", mas o topo da nossa equipe econômica acredita e é propensa a responder positivamente às pressões do setor privado local por proteção e subsídio contra a China] - investimentos externos estatais chineses em projetos de infra-estrutura ou agrícolas no Brasil, sujeitos à import de mão-de-obra, máquinas e controle das instalações? - crescimento da participação de empresas industriais chinesas no País?

  • há profunda esquizofrenia no governo e na sociedade brasileira sobre como crescer mais mantendo vínculos com a economia internacional mas sem abdicar de noções arcaicas de soberania nacional, industrialização, nacionalismo econômico, a qual se expressa na inconsistência do conjunto de políticas e regulações econômicas [próximo tópico];

(f) a política econômica Lula-Dilma nem é liberal-social (o que requeriria concentrar o governo no desempenho de atividades em que o estado tem clara vantagem comparativa em relação ao setor privado para liberar regras e extinguir programas para deixar o setor privado se expandir -- nos termos indicados no item "b", acima) e nem socialista-nacionalista (o que implicaria no crescimento dos tentáculos do governo sobre mais e mais setores da economia e a redução das liberdades políticas e, sobretudo, econômicas, como ocorre hj na Argentina, na Venezuela, no Equador). O nosso meio-termo reflete um compromisso entre setores mais conservadores e fisiológicos da política (PMDB, PTB, PR), da sociedade (evangélicos) e da economia (indústria manufatureira presente em todo o território nacional, mas com forte concentração em SP, MG, RJ, PE), de um lado; com toda a esquerda -- seja no campo social/econômico (sindicatos urbanos, MST e demais orgs do mundo rural, ONGs e parte da Igreja católica), seja entre os partidos (PT, PSB, PDT, PCdoB e mesmo PSOL). Esse compromisso se expressa na forma de nacionalismo (obviamente anti-liberal) e estatismo. Não tivéssemos tido as reformas liberais dos anos '90-'00 e a metamorfose político-ideológica de Lula e do PT, talvez essa coalizão jamais se estabelecesse. Como tivemos FHC e a estabilidade macroeconômica (baseada em câmbio flutuante, superávites primários, impostos e juros elevadíssimos e maior integração comercial com o resto do mundo) alocou-se no centro das preocupações dos formadores de opinião e do eleitor mediano brasileiro, há uma natural restrição à expansão do nacionalismo e do estatismo que une conservadores e esquerdistas.

Mas, desde Lula 1, não só não avançamos na agenda de reformas modernizantes (tributária e fiscal, sindical, administrativa e partidária) que renovariam os ambientes econômico e político com vistas a provocar aumento da produtividade e dos investimentos em setores competitivos da economia nacional como temos acompanhado uma contínua (e silenciosa) degradação das condições macro e micro econômicas que amparam a estabilidade.

É isso o que nos fragiliza para enfrentar a crise financeira global.

Vamos ajudar o US$?

O Domingo merece o prazer de uma risada, mesmo sobre uma situação trágica. Porém, o traço de SINFRÔNIO, lá no DIÁRIO DO NORDESTE de Fortaleza, torna o assunto mais leve.

sábado, 6 de agosto de 2011

As preocupações erradas.

PAUL KRUGMAN, no ESTADÃO, comenta sobre a situação atual da crise americana. É preocupante, mas verdadeira a sua crítica ao que hoje ocorre por lá...

Para reverter um desastre econômico, muitas pessoas terão de admitir que estiveram erradas e que precisam mudar imediatamente suas prioridades.

A queda de mais de 500 pontos no índice Dow Jones na quinta-feira e a queda dos juros para patamares quase nunca vistos confirmaram a notícia: a economia não está se recuperando e Washington esteve se preocupando com os fatores errados. Não se trata apenas do fato de a ameaça de um duplo mergulho recessivo ter se tornado muito real: tornou-se agora impossível negar o óbvio, ou seja, que não estamos e nunca estivemos no caminho da recuperação.

Faz dois anos que os funcionários do Federal Reserve, das organizações internacionais e do governo Obama insistem que a economia estava saindo do buraco. Cada má notícia foi atribuída a fatores temporários. E o foco da política econômica foi desviado da criação de empregos e do crescimento para o problema da redução do déficit. Mas a economia não estava saindo do buraco. É verdade que a recessão chegou ao fim dois anos atrás e a economia escapou de uma derrapada assustadora. Mas em nenhum momento o crescimento se mostrou adequado levando-se em consideração a profundidade do mergulho inicial. Quando o desemprego aumenta tanto quanto o que vimos de 2007 a 2009, é preciso criar muitos empregos para compensar. E isso não ocorreu.

Levemos em consideração um indicador fundamental: a proporção empregada da população. Em junho de 2007, cerca de 63% da população adulta dos Estados Unidos estava empregada. Em junho de 2009, momento considerado o fim oficial da recessão, esse número tinha caído para 59,4%. Em junho de 2011, dois anos depois do início da suposta recuperação, esse número era de 58,2%.

Isso pode soar como uma estatística insossa, mas reflete uma realidade terrível. Além do grande número de americanos desempregados e subempregados, pela primeira vez desde a Grande Depressão muitos trabalhadores americanos estão enfrentando a perspectiva de um desemprego de prazo longuíssimo – talvez até permanente. Entre outras coisas, o aumento no desemprego de longo prazo vai reduzir a arrecadação fiscal futura do governo, de modo que não estamos agindo de maneira racional nem mesmo em termos puramente fiscais.

Mas o mais importante é que se trata de uma catástrofe humana.

Que motivo teríamos para nos mostrar surpresos com essa catástrofe? De onde o crescimento deveria vir? Os consumidores, ainda pressionados pelo fardo da dívida acumulada durante a bolha imobiliária, não estão prontos para gastar. As empresas não encontram motivos para a expansão diante da fraca demanda do consumidor. E, graças à obsessão com a questão do déficit, o governo, que poderia e deveria estar apoiando a economia nesse momento de necessidade, está cortando gastos.

E agora parece que tudo vai ficar pior. Qual seria a resposta possível? Para reverter este desastre, muitas pessoas terão de admitir que estiveram erradas e que precisam mudar suas prioridades. É claro que há aqueles que simplesmente não vão mudar. Os republicanos não vão parar de gritar a respeito do déficit porque nunca foram sinceros em relação a isso: sua preocupação com o déficit foi um porrete com o qual golpearam seus oponentes políticos.

Mas a desastrosa política econômica dos últimos dois anos não foi apenas o resultado do obstrucionismo do Partido Republicano, que não teria tanta força se a elite dos governantes – incluindo-se nela alguns nomes do governo Obama – não tivesse concordado que a redução do déficit, e não a criação de empregos, deveria ser nossa grande prioridade. E não devemos isentar Ben Bernanke e seus colegas. O Fed não fez tudo o que podia, parte por estar preocupado com uma inflação hipotética do que com o desemprego real, parte por ter se intimidado por tipos como Ron Paul.

Bem, é hora de dar um basta nisso tudo. Essa queda nos juros e no preço das ações diz que os mercados não estão preocupados com a solvência dos EUA e nem com a inflação. O que eles temem é a falta de crescimento nos EUA. E eles têm razão, mesmo que na quarta-feira o assessor de imprensa da Casa Branca tenha optado por declarar que não havia risco de um duplo mergulho recessivo. No início da semana, dizia-se que o governo Obama daria uma “guinada”, dedicando sua atenção à criação de empregos, agora, que o teto da dívida foi aumentado. Mas, ao que me parece, esta guinada consistiria apenas em propor medidas menores. E, a essa altura, propostas desse tipo só fariam o presidente Obama passar por ridículo.A questão é que chegou a hora – já passa da hora – de tratar com seriedade a crise que a economia enfrenta. O Fed precisa parar de apresentar desculpas, e o presidente precisa elaborar verdadeiras propostas para a criação de empregos. E, se os republicanos vetarem tais propostas, ele precisa embarcar numa campanha contra a obstrução do Partido Republicano ao estilo daquela promovida por Harry Truman. Isso pode funcionar ou não. Mas os milhões de americanos que deveriam estar empregados – mas não estão – já sabem o que é que não está funcionando: a política econômica dos últimos dois anos.

O pior dia desde a crise de 2008.

No FINANCIAL TIMES, aqui disponível pelo VALOR ECONÔMICO, uma análise da atual situação econômica.

A perspectiva de nova recessão global, agravada por uma crise sem precedentes na zona do euro, que arrasta Espanha e Itália, arrasou os mercados ontem. As enormes quedas das bolsas, puxadas pelas ações de indústrias e de commodities, lembraram os dias de pânico que marcaram o desenrolar da crise financeira de 2008. A Bolsa de Nova York teve seu maior recuo em dois anos e fechou em baixa de 4,3%. A Bovespa caiu 5,7%, a maior queda desde novembro de 2008, e acumula perda de 23,8% no ano.

As principais bolsas do mundo já estão 10% abaixo de seus picos recentes, uma indicação de mudança significativa de rumo. Vários sinais de perigo iminente que assombraram os mercados ao longo da semana confluíram ontem para compor um quadro assustador. O medo de uma recessão, nutrido pela perda de fôlego da indústria nas principais economias do mundo, moveu as commodities para baixo e, com mais força, o petróleo, que teve a maior queda em cinco meses em Nova York, onde o barril do WTI foi cotado a US$ 86,83. As ações de mineradoras e dos grandes traders de commodities levaram uma surra, embora não tão forte quanto a dos bancos europeus, que estão no olho do furacão.

Temores quanto ao futuro da atividade econômica e custos crescentes provocaram fortes quedas nas ações de companhias mineradoras, petrolíferas e negociantes de commodities. Até mesmo em comparação com a recente crise financeira, a liquidação de ações nas bolsas de valores foi considerável.

Aceleraram a liquidação de ações desta semana o crescente nervosismo diante da crise da dívida na Europa, o risco de um duplo mergulho recessivo nos EUA e a avaliação de que as autoridades econômico-financeiras - incluindo o governo japonês e o Banco Central Europeu (BCE) - não conseguiram sustentar a confiança.

Os papéis mais afetados foram as ações das grandes companhias mundiais que operam com recursos naturais - mineradoras, petrolíferas e companhias que negociam com commodities. Apesar de os preços de muitas das commodities permanecerem próximos de seus picos recentes, os preços das ações correspondentes despencaram, levando as cotações aos níveis mais baixos do ano.A divergência de preços entre as ações de companhias no setor de commodities e os preços das próprias matérias-primas evoca lembranças de meados de 2008, quando investidores em ações foram mais rápidos na previsão da crise financeira mundial.

Será que os investidores em bolsa acertaram novamente? Se assim for, uma forte desaceleração econômica, ou algo pior, pode estar à espreita. Outros setores, como o de bancos, sofreram agudas quedas em suas ações, devido a preocupações com a exposição à crise da dívida soberana na Europa e o risco de mais empréstimos impagáveis.

A lista de ações de companhias no setor de recursos naturais que despencaram inclui a Xstrata, mineradora negociada em Londres, que caiu 8,5%; a Royal Dutch Shell, maior grupo petrolífero na Europa, que caiu 5,2%; e a brasileira Vale, maior produtora de minério de ferro, que caiu 6,3%. A Freeport McMoRan, importante mineradora de cobre, viu suas ações caírem 5,9% e as da Archer Daniels Midland, um das maiores negociantes de commodities alimentícias, baixaram 4,5%.

Após duas semanas de pesadas quedas, o índice FTSE All World Mining e os índices FTSE All World Oil and Gas (petróleo e gás) registram alta de apenas 7,6% e 14,6%, respectivamente, em relação ao ano passado. No mesmo período, o índice de referência Reuters-Jefferies CRB, uma cesta de commodities que inclui petróleo, cobre e trigo registra alta de 22,1%.

A Glencore, maior negociante de commodities do mundo, cujas ações passaram a ser negociadas em bolsa numa oferta US$ 60 bilhões em maio, é uma das mais afetadas. Suas ações caíram 17,9%, até agora, nesta semana. Fecharam ontem a 391 pence, ou mais de 26% abaixo do lançamento.

Os investidores em ações parecem muito mais preocupados com a possibilidade de um renovado mergulho em recessão do que os investidores em commodities, segundo executivos do setor.

Investidores dizem que os preços elevados de petróleo e alimentos estão forçando os BCs dos países emergentes a apertar sua política monetária, freando o crescimento econômico na China, na Índia e em outros grandes consumidores de commodities.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

2008, a crise jamais acabou.

Gosto dos textos do VINICIUS TORRES FREIRE na FOLHA DE S. PAULO. Ele escreve de maneira objetiva e didática. Vide abaixo sobre a atual situação econômica.

Os colapsos em vários mercados financeiros seriam um prenúncio do apocalipse maia de 2012? Da segunda vinda da Grande Recessão?

A resposta é assunto de profeta. O que deve de uma vez por todas ficar claro, porém, é que não se sai sem dor de catástrofe como a de 2008: a bandalha da finança desregulamentada com governos que o dinheiro grosso comprou ("capturou", como diz a economia política).

As euforias do início de 2010 e de 2011 eram apenas isso: festa de investidores que viam os preços dos ativos financeiros se valorizarem rapidamente, dada a oferta colossal de dinheiro barato pelos bancos centrais, em especial o dos EUA.

A economia real estava mesmo na lama: setor imobiliário em depressão, famílias na grande pindaíba (superendividadas), desemprego abissal, salários estagnados ou cadentes, bancos reticentes em emprestar, empresas cheias de caixa, mas reticentes em investir. O caldo engrossou de novo, agora, porque:

1) caiu a ficha de que os EUA não estão crescendo nada: indústria, serviços, consumo e renda estagnaram em julho. Pior, revisões de dados mostraram que a recessão fora mais profunda, e a recuperação, ainda mais pífia do que o sabido;

2) ficou ainda mais claro, depois do acordo de redução do deficit público nos EUA, que não virá estimulo adicional via gastos do governo. Na eurolândia, muito mais quebrada e "ortodoxa" do que os EUA, a hipótese de haver estímulo fiscal (gasto público) é ainda mais improvável. Logo, de onde virá o piparote para a retomada da demanda (consumo), do crescimento?;

3) o "pacote de socorro" para a Grécia, apesar da bajulação da mídia financeira mundial, era pouco e se acabou. O mercado continuou achando que a Grécia vai calotear;

4) mais grave, a perspectiva de crescimento pífio provocou ainda mais descrença na capacidade da Itália de pagar suas dívidas (se o país cresce menos e a poupança do governo não aumenta, aumenta também o peso relativo da dívida);

5) dada a percepção de que Grécia, Portugal e, talvez, Itália, irão para o vinagre, os donos do dinheiro passaram a cobrar retorno ("juros") ainda maiores para deter títulos da dívida desses países, o que pode apressar a quebra deles;

6) dado tal cenário, bancos europeus voltaram a temer o risco de quebra de seus pares: o empréstimo interbancário ficou mais difícil. Passou a faltar oxigênio na praça.

Isto posto, o Banco Central Europeu avisou que vai voltar a comprar títulos da dívida de Portugal e Grécia (indiretamente, os financia), mas não de Itália e Espanha (o que apavorou ainda mais os mercados).

O BCE avisou ainda que vai emprestar dinheiro para bancos com pouco oxigênio (isto é, reconheceu o início de pânico entre bancos).

Por fim, o "governo da Europa" reconheceu que é preciso mais dinheiro para cobrir rombos (na Itália e sabe-se lá onde mais): reconheceu que o caldo entornou.

O resto da história de ontem é "psicologia da manada". Houve fuga em massa para títulos do governo dos EUA e da Alemanha. As curvas de juros da dívida desses países estão ficando "achatadas", em tese prenúncio de recessão.

Mas pode não vir colapso imediato. O mais provável, por ora, é uma lenta saída do lamaçal de 2008. Coisa que pode levar 5, 10 anos.

Interpretação errada dos EUA.

Para quem acredita na derrota do modelo americano, MOISÉS NAÍM dá uma aula:

De acordo com o comentarista Christopher Hitchens, "a crise financeira dos EUA é o exemplo mais recente da tendência que ameaça colocar esse país no nível de Zimbábue, Venezuela ou Guiné Equatorial". Não, contra-ataca Nicholas Kristof, influente colunista do "New York Times": "É a má distribuição da renda que põe os EUA no mesmo nível de repúblicas de bananas como Nicarágua, Venezuela ou Guiana". Nada disso, afirma Vladimir Putin: "O que acontece é que os Estados Unidos são um parasita que vive à custa da economia global".

Para Mitt Romney, pré-candidato presidencial republicano, o problema é que "os EUA estão a ponto de deixar de ser uma economia de mercado". E Barack Obama lamenta que seu país "não tenha um sistema político AAA, condizente com seu crédito AAA".

Nos últimos dias, vem sendo demasiado fácil concluir que os EUA são um desastre e não poderão continuar a ser o país mais poderoso do mundo. Para quem ainda tinha dúvidas, o vergonhoso processo de negociação sobre o limite da dívida foi a confirmação final: a superpotência se encontra em queda livre.

Essa conclusão, que parece tão óbvia, está errada. Por pelo menos quatro razões.

Primeiro: Wall Street, o Pentágono, Hollywood, o Vale do Silício, as universidades e outras fontes de onde emana o poder americano continuam sólidas.

Haverá cortes orçamentários que afetarão setores como as Forças Armadas. Mesmo assim, a vantagem atual dos EUA nesses setores sobre rivais de outros países é tão enorme que os cortes não o tirarão do primeiro lugar mundial.

Exemplo: só a frota da Guarda Costeira dos EUA tem mais navios que todas as embarcações das 12 maiores Marinhas de guerra do globo. Não é em vão que os EUA gastam mais com a defesa que o resto do mundo. As demais fontes de poder dos EUA enfrentam mais competidores, mas sua vantagem sobre seus rivais também é imensa.

Segundo: o poder absoluto não importa. O que importa é o poder relativo aos rivais. Embora os EUA possam estar se enfraquecendo e declinando em poder absoluto, seus competidores também estão passando por problemas e enfrentam desafios difíceis e ameaças internas e externas, políticas e econômicas.

Terceiro: a demografia. Em quase todos os países ricos, a população está crescendo muito lentamente ou está diminuindo. Nos EUA, está crescendo. Apesar de suas medidas recentes anti-imigrantes, os EUA continuam a ser o mais forte polo de atração de talentos do mundo. Também é país que integra os imigrantes mais rapidamente e os aproveita melhor -especialmente os imigrantes mais bem formados.

Quarto: a influência de ideias radicais e debilitantes será transitória. A ascensão de grupos com ideias radicais que ganham rapidamente influência significativa e dominam o cenário político, para depois sumirem com igual rapidez, é fenômeno recorrente nos EUA. O macartismo e os vários movimentos populistas são exemplos. Ross Perot é outro. E o Tea Party será mais um.

Os EUA enfrentam problemas enormes? Sim. Estão enfraquecidos? Sim. Mais que outros países? Não.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...