domingo, 7 de agosto de 2011

Reflexões sobre as fragilidades do Brasil diante da crise financeira global.

O Professor CARLOS PIO, da Universidade de Brasília, traça uma análise da atual situação brasileira e que serve de alerta para quem se acha autosuficiente diante do que acontece na economia mundial. Uma leitura altamente recomendável .

(a) o Brasil chegou ao limite do que pode crescer sem investimentos arrojados do setor privado -- a capacidade instalada da indústria está no pico e o desemprego no ponto mais baixo das últimas décadas;

(b) para investir pesado o setor privado precisa

  • acreditar que vamos crescer muito no futuro -- se não é melhor elevar preços e/ou imports,
  • sentir que o quadro regulatório garante propriedade, contratos, rentabilidade e competitividade frente a concorrente estrangeiros,
  • inflação, câmbio e juros favorecerão lucratividade e competitividade futura,
  • gargalos da infra-estrutura (estradas, portos, aeroportos, energia) e do capital humano (educ, capacit & treinam, saúde e creche) serão equacionados com eficiência;

(c) não bastasse a distância olímpica que separa o mapa cognitivo de nossas elites políticas e as reais necessidades de modernização do País (expostas acima), vivemos uma gravíssima crise política no governo federal -- que é essencialmente uma disputa entre os partidos da base governista por ocupação de postos que garantem apropriação de rents derivados do manejo do orçamento e do quadro regulatório e não de projetos diferentes de intervenção do estado nos domínios da vida privada de todos e cada um de nós;

(d) As crises dos EUA e da parcela latina da Europa (PORT, ESP, ITA) indicam que os principais investidores em nosso país estão em situação de enorme estresse financeiro -- o que poderia ser positivo se fosse apenas uma crise dos respectivos setores públicos (pq aí o setor privado deles poderia investir no exterior), mas é, também, uma crise de seus setores privados. Além desses países, Argentina e Japão estão em situação muito ruim. Resta a China;

(e) sobre a evolução econômica da China e seus impactos sobre a economia brasileira existem enormes pontos de interrogação.

  • a economia Chinesa cresce em bases financeiras sustentáveis ou podemos vir a descobrir que elas são tão frágeis quanto as bolhas americana, européia e japonesa? Há muitos indícios de que bancos chineses são pessimamente capitalizados, que tem ocorrido um boom imobiliário e que os níveis de corrupção são alarmantes. Da mesma forma, crescem os custos para o governo de repressão das demandas políticas (ainda desorganizadas) o que sempre pode resultar em explosão de participação popular e instabilidade política, como ocorreu recentemente no mundo árabe
  • o governo brasileiro aceitará o adensamento ainda maior dos vínculos comerciais, financeiros e produtivos com a China, mesmo que estes estejam baseados em

- exports de commodities daqui e de manufaturados baratíssimos de lá? [Eu, particularmente, não temos essa baboseira de "desindustrialização", mas o topo da nossa equipe econômica acredita e é propensa a responder positivamente às pressões do setor privado local por proteção e subsídio contra a China] - investimentos externos estatais chineses em projetos de infra-estrutura ou agrícolas no Brasil, sujeitos à import de mão-de-obra, máquinas e controle das instalações? - crescimento da participação de empresas industriais chinesas no País?

  • há profunda esquizofrenia no governo e na sociedade brasileira sobre como crescer mais mantendo vínculos com a economia internacional mas sem abdicar de noções arcaicas de soberania nacional, industrialização, nacionalismo econômico, a qual se expressa na inconsistência do conjunto de políticas e regulações econômicas [próximo tópico];

(f) a política econômica Lula-Dilma nem é liberal-social (o que requeriria concentrar o governo no desempenho de atividades em que o estado tem clara vantagem comparativa em relação ao setor privado para liberar regras e extinguir programas para deixar o setor privado se expandir -- nos termos indicados no item "b", acima) e nem socialista-nacionalista (o que implicaria no crescimento dos tentáculos do governo sobre mais e mais setores da economia e a redução das liberdades políticas e, sobretudo, econômicas, como ocorre hj na Argentina, na Venezuela, no Equador). O nosso meio-termo reflete um compromisso entre setores mais conservadores e fisiológicos da política (PMDB, PTB, PR), da sociedade (evangélicos) e da economia (indústria manufatureira presente em todo o território nacional, mas com forte concentração em SP, MG, RJ, PE), de um lado; com toda a esquerda -- seja no campo social/econômico (sindicatos urbanos, MST e demais orgs do mundo rural, ONGs e parte da Igreja católica), seja entre os partidos (PT, PSB, PDT, PCdoB e mesmo PSOL). Esse compromisso se expressa na forma de nacionalismo (obviamente anti-liberal) e estatismo. Não tivéssemos tido as reformas liberais dos anos '90-'00 e a metamorfose político-ideológica de Lula e do PT, talvez essa coalizão jamais se estabelecesse. Como tivemos FHC e a estabilidade macroeconômica (baseada em câmbio flutuante, superávites primários, impostos e juros elevadíssimos e maior integração comercial com o resto do mundo) alocou-se no centro das preocupações dos formadores de opinião e do eleitor mediano brasileiro, há uma natural restrição à expansão do nacionalismo e do estatismo que une conservadores e esquerdistas.

Mas, desde Lula 1, não só não avançamos na agenda de reformas modernizantes (tributária e fiscal, sindical, administrativa e partidária) que renovariam os ambientes econômico e político com vistas a provocar aumento da produtividade e dos investimentos em setores competitivos da economia nacional como temos acompanhado uma contínua (e silenciosa) degradação das condições macro e micro econômicas que amparam a estabilidade.

É isso o que nos fragiliza para enfrentar a crise financeira global.

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