terça-feira, 16 de agosto de 2011

Um ajuste fiscal convencional.


Também recebo do Professor Carlos Pio, artigo do FABIO GIAMBIAGI, publicado no O GLOBO de hoje, sobre UM AJUSTE FISCAL CONVENCIONAL.


Divulgados os dados fiscais do primeiro semestre, é uma ocasião propícia para fazer uma análise do ajuste em curso, para avaliar até que ponto ele segue os cânones do que se pretendia implementar por ocasião do anúncio dos cortes em fevereiro ou se, pelo contrário, a realidade está se configurando distinta em relação aos planos oficiais.


Os dados sugerem que a sábia sentença de Churchill, de que "jamais se deve colocar um princípio em pedestal tão alto que não se possa abaixá-lo um pouco para se adaptar às circunstâncias", mais uma vez terá mostrado a sua validade. Recapitulemos o cenário existente no começo do ano: na ocasião, alegava-se que seria necessário um ajustamento fiscal, mas que ele seria diferente dos ajustes praticados em outras ocasiões, por governos associados a uma orientação supostamente mais liberal, uma vez que o investimento não seria cortado.


Havia quatro coisas que causavam certa espécie em tal conjunto de informações. A primeira era o erro de diagnóstico: até as pedras da rua sabem que antes de 1999 não havia ajuste fiscal e os dados da União, no site da STN, no item "Balanço orçamentário", provam que o investimento da União na média dos 4 anos 1999/2002 foi de 0,83% do PIB, contra uma média de 0,74% do PIB nos 4 anos 1995/1998. O mesmo critério, aliás, devido ao colapso do investimento em 2003, mostra que nos primeiros quatro anos do Governo Lula tal variável diminuiu para 0,64% do PIB. Em outras palavras, quem "arrochou" o investimento em relação ao governo anterior foi o Governo Lula I, e não o Governo FHC II.


A segunda causa de perplexidade acerca da racionalidade da retórica pró-ajuste adotada no começo de 2011 era o pano de fundo político. Discursos em defesa de "colocar ordem na casa" são habituais em começo de governo, quando a antiga oposição assume o poder, mas são pouco frequentes na presença de governos de continuidade, como é o caso da administração atual em relação à anterior.


A terceira causa de inadequação lógica na formulação do ajuste era o contexto em que isso se dava. Quadros de ajuste são defensáveis, mesmo se o governo é de continuidade, quando há um fenômeno novo em pauta. Às vezes um governo promete algo e depois se vê em dificuldades para cumprir as promessas, porque o quadro muda. Acontece nas melhores famílias. Nesse caso, basta explicar, pois o cidadão em geral entende que a viabilidade das propostas depende das condições de contexto. Ocorre que o quadro que estávamos vivenciando no começo de 2011 não diferia daquele que era viável imaginar por ocasião da campanha eleitoral de 2010. Cada um pode ter as preferências políticas que quiser, mas precisamos todos respeitar a lógica. Sendo o contexto de 2011, em que se tomaram as medidas, previsível à luz do cenário de dificuldades imaginado por dez entre dez analistas em 2010, de duas uma: ou as promessas de campanha eram viáveis - e nesse caso o ajuste seria desnecessário - ou o ajuste seria necessário, e nesse caso prometeu-se ao eleitorado ano passado um produto que não poderia ser entregue. Diga-se, a bem da verdade, que a mesma crítica cabe também à oposição, com sua proposta de aumentar o salário mínimo para R$600.


A quarta causa de desconforto é em relação ao futuro. O ajuste foi apresentado como uma forma de preservar a saúde fiscal do país para poder acelerar o ritmo de gasto em investimento no futuro. Ora, ou o aumento já contratado do gasto corrente para 2012, devido ao salto do salário mínimo em janeiro do ano que vem, vai fazer do aumento do investimento futuro mais uma promessa inexequível, ou, para que o investimento depois aumente, haverá na virada da esquina uma piora do resultado primário. Nesse caso, porém, o ajuste de 2011 acabaria daqui a cinco meses...


O fato, quando se olha para os números, é que no primeiro semestre as despesas de investimento caíram 5% em termos reais, e as despesas correntes aumentaram 5%, também em termos reais, usando o IPCA como deflator. Não houve corte algum do gasto agregado, que aumentou 4% reais. Estamos diante de um ajuste convencional: mais carga tributária na veia - a receita aumentou 13% reais! - e redução do investimento. Em outros tempos, dir-se-ia, trata-se de um ajuste "nos moldes do FMI"...

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