Hoje, no Valor Econômico, o doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Alexandre Schwartsman, escreveu sobre o “horizonte perdido”.
A comunicação das autoridades monetárias no mundo, bem como no Brasil, desenvolveu seus próprios códigos. Há expressões relativamente consagradas nos escritos dos bancos centrais que informam como os responsáveis pela gestão da política monetária veem determinados fenômenos, ou qual é sua postura face aos problemas que possam enfrentar. Dominar esse código, ainda que não seja uma arte esotérica, é tarefa delicada, a que os analistas se dedicam no afã de antecipar os próximos passos das autoridades.
Entretanto, às vezes tão importante quanto o que possa estar escrito é o que deixou de ser dito. Parece paradoxal - afinal de contas, como poderíamos saber o que está ausente? - mas a comparação e a evolução da comunicação pode dar pistas importantes acerca da atitude dos bancos centrais. Obviamente, entro nessa discussão motivado por um exemplo bastante concreto e recente: em sua última ata, o Copom retirou a menção que fazia à convergência tempestiva da inflação para a meta, "tempestiva" no caso tomada como equivalente a trazer a inflação de volta à meta no ano que vem.
Não bastasse isso, em que pesem as afirmações do Copom acerca do "cenário prospectivo para a inflação mostrar sinais mais favoráveis", o próprio comitê admite que, em todos os cenários mencionados na ata, a inflação prevista para 2012 se encontra acima da meta, tendo as projeções se elevado ou, na melhor hipótese, se mantido estáveis desde a última reunião. De fato, as previsões do Banco Central apontam agora convergência para a meta de inflação apenas na primeira metade de 2013, ecoando em certa medida as projeções feitas ao final do ano passado, que então previam reversão à meta em meados de 2012.
Vale notar que, ao final de 2010 o BC não havia explicitado que buscaria a convergência apenas em 2012 (o que só foi reconhecido no começo deste ano), embora suas projeções já sugerissem que essa seria a estratégia adotada. Em face desse histórico, pois, há, para dizer o mínimo, forte suspeita que o horizonte para o retorno da inflação à trajetória de metas teria sido mais uma vez empurrado adiante, uma característica marcante do atual ciclo que, é bom lembrar, começou há mais de ano, em abril de 2010. Se isso for verdade, como desconfio, serão pelo menos três anos com a inflação acima da meta, um desempenho que não engrandece nenhum BC no quadrante alfa da galáxia.
Isto dito, o raro leitor pode se perguntar qual o custo real desse processo. Não se trata, é claro, de descontrole inflacionário, pelo menos não como o que tornou o Brasil tristemente célebre em décadas passadas, mas "apenas" certa dificuldade de atingir a meta. Qual seria, então, o problema?
À parte o descumprimento da tarefa institucional do BC, conforme definida pelo Decreto 3.088/99, o problema se materializa na dinâmica de formação de expectativas, com efeitos precisamente sobre a capacidade do BC manter a inflação próxima à meta.
Há, em primeiro lugar, desconfiança crescente quanto ao real compromisso com a meta. Mais de uma vez integrantes do governo (não do BC, diga-se) se manifestaram favoravelmente no que se refere às perspectivas de uma taxa de inflação acima da meta, desde que contida no (enorme) intervalo de 2 pontos percentuais. Em outras palavras, se a inflação ficar abaixo de 6,5%, não parece haver descontentamento. À luz disso, suspeita-se qual seria a verdadeira meta de inflação.
De fato, se o governo se dá por satisfeito com a inflação igual ou superior à meta, ninguém em sã consciência pode esperar que, em média, a inflação seja próxima à meta e, assim, as expectativas tendem a se cristalizar em patamares superiores. Concretamente, tanto trabalhadores como empresários, no momento de decidirem salários e preços, não levarão em consideração a meta, mas tenderão a reajustá-los de forma mais agressiva, alimentando o processo inflacionário e, portanto, dificultando a tarefa do BC.
Adicionalmente, mesmo que as pessoas de alguma forma se convençam do inquebrantável compromisso com a meta, o retorno lento da inflação, expresso no persistente afastamento do horizonte de convergência, também implica mudanças na formação de expectativas.
Com efeito, num cenário como esse, também não faz sentido que os agentes econômicos adotem a meta de inflação como expectativa. Se desconfiam que a inflação só retornará muito lentamente à meta, provavelmente esperarão um valor entre a inflação observada no período imediatamente anterior e a meta. Em outras palavras, a inflação passada contamina as expectativas.
Para observadores pouco atentos a esse desenvolvimento, trata-se de indexação, que deveria ser proibida por lei (será que mandarão caçar os indexadores no mercado como os bois no pasto na época do Plano Cruzado?). Para quem busca entender o comportamento dos agentes, trata-se, porém, de reação absolutamente racional face à extensão contínua do horizonte de convergência.
Se o objetivo das autoridades é eliminar a persistência inflacionária, é bom que saibam que só o farão quando finalmente encontrarem seu horizonte perdido.
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