José Maria Alves da Silva, doutor em economia, professor da Universidade Federal de Viçosa, escreveu este texto na FOLHA DE S. PAULO no Dia do Economista, 13.08.2012.
Hoje, formamos
técnicos sem sintonia com questões sociais. Livros americanos que usamos não
ensinam economia política e não servem para a soberania.
Ainda na vigência da
ditadura militar, houve no Brasil um grande movimento reivindicatório de
reforma curricular do ensino de economia.
Ansiava-se por
escolas que também contribuíssem para a formação de massa crítica e atenta à
realidade nacional, em vez de meramente formar técnicos para empresas ou
burocratas estatais alienados, como se acreditava ser o intento da ditadura.
Depois de intensas
discussões, a reforma foi implementada, em meados dos anos 1980. Como parte
dela, introduziu-se a economia política no currículo mínimo, junto com
distribuição mais equilibrada entre disciplinas de história, teóricas e
instrumentais, e a obrigatoriedade da monografia de conclusão de curso, para
iniciar os alunos na pesquisa aplicada a problemas nacionais.
Mas, após tantos
anos, temos a impressão de que a formação dos nossos economistas está pior que
antes.
As economias
políticas estão aí nos currículos, só que marginalizadas. Servem mais para
adornar grades curriculares e preencher a carga horária exigida do que cumprir
o papel que se esperava delas.
O núcleo duro dos
cursos mais conceituados é pleno de teorias e modelos difundidos por manuais
norte-americanos, do chamado "mainstream economics", com seus
acessórios matemáticos, econométricos e tudo aquilo que, como diria o filósofo
Álvaro Vieira Pinto, pode servir para formar "serventuários do poder
supremo", mas não "agentes de desenvolvimento econômico",
sintonizados com a nossa história e com nossos grandes problemas sociais.
Até o curso economia
brasileira serve mais de pretexto para a aplicação de técnicas do que para a
análise histórica do país. A monografia se tornou atividade burocrática
extremamente vulnerável à corrupção. A despeito das dificuldades crescentes de
leitura e escrita, ninguém deixa de tirar o diploma por falta dela.
Antes, ao menos
existiam grandes polêmicas, como o célebre debate entre monetaristas e
estruturalistas, com posições pró- EUA e pró-América Latina. No time dos
estruturalistas, muitos não tinham pós-graduação, mas eram intelectuais de
notório saber. Paradoxalmente, de lá para cá o número de doutores aumentou
muito, mas o debate foi se esvaziando à medida que íamos sendo arrastados pelo
que Mário Possas chamou de "cheia do mainstream".
O que motivou a
reforma curricular nos anos 1980 foi a crença de que o Brasil precisava de um
ensino de economia menos teórico-abstrato e mais político-normativo.
Mas, por incrível que
pareça, depois de quase 20 anos de partidos no poder que se declaravam de
esquerda ou centro-esquerda, nos quais ocupam lugares de destaque muitos dos
que haviam ardentemente lutado pela reforma, a situação do ensino de economia é
causa de profunda frustração entre aqueles que depositaram grandes esperanças
nela -e ainda sonham com um país soberano e socialmente progressista.
Para esses objetivos,
o "mainstream economics" é totalmente contraindicado. Não serve para
orientar a saída do subdesenvolvimento e, como a crise econômica mundial tem
demonstrado, nem mesmo para a compreensão dos graves defeitos do capitalismo
contemporâneo.
Essas impropriedades,
descortinadas por Hyman Minsky há mais de duas décadas, estão em processo de
amplo reconhecimento, como bem indica episódio recente envolvendo o curso de
economia oferecido por Gregory Mankiw, em Harvard.
Depois da leitura de
um manifesto no qual o acusavam de "apresentar uma visão específica e
limitada da economia, que contribui para perpetuar um sistema problemático e
ineficiente de desigualdade econômica", os alunos abandonaram a sala de
aula, em solidariedade ao movimento Occupy Wall Street.
Mankiw, ex-assessor
econômico de George W. Bush, não por acaso, é o autor do livro de economia mais
vendido no Brasil.
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