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domingo, 9 de junho de 2013

Dilma ensaia retorno à receita de FHC.

Hoje, na FOLHA, um "resumo" da atual situação da economia brasileira e a necessidade do retorno ao que era observado nos governos de FHC e Lula. 

Com a inflação ameaçando sair do controle e a popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff vem promovendo uma mudança na sua política econômica ao elevar os juros e soltar as amarras da taxa de câmbio.

Economistas renomados avaliam que o governo vem sendo obrigado a adotar, parcialmente, a receita que garantiu a estabilidade de preços nos governos FHC e Lula.

Com exceção do controle de gastos públicos, pouco a pouco o governo retoma as outras duas bases do tripé econômico: metas de inflação e câmbio flutuante.

"O Banco Central resolveu se mexer e isso representa um reforço ao tripé", disse à Folha o ex-presidente do BC, Armínio Fraga, que instalou o sistema de metas de inflação no Brasil em 1999.

Nas duas últimas semanas, o BC apertou o ritmo de elevação da taxa básica de juros e o governo baixou impostos para atrair investidores estrangeiros em renda fixa. Dilma frisou publicamente que "o câmbio é flutuante".

O discurso marca uma diferença em relação ao que vinha sendo praticado até então. O governo havia flexibilizado o tripé em direção ao que chamou de "nova matriz econômica": juros baixos, câmbio forçadamente desvalorizado e desonerações.

Para economistas, as mudanças promovidas pelo governo não estão sendo feitas por convicção, mas por necessidade, por conta do aumento dos preços e do movimento global de apreciação do dólar.

"Está começando a pegar fogo na sala, então jogam um balde de água", diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC. A inflação acumulada em 12 meses até abril está em 6,5% --teto da meta do BC.

Pastore avalia que a política econômica de Dilma não gerou crescimento e, sim, inflação. "O governo ficou preso num dilema: crescimento baixo e inflação alta."

Apesar dos sinais de mudança, o mercado financeiro ainda não está convencido de que é para valer, por conta da resistência do governo em controlar seus gastos.

Sem reduzir as despesas públicas é mais difícil conter a inflação e o BC tem que elevar ainda mais os juros. Há uma descrença no mercado de que o governo está disposto a subir a taxa o suficiente para trazer a inflação de volta para a meta (4,5%).

Na quinta-feira à noite, a S&P ameaçou rebaixar a classificação do Brasil, citando a "perda de credibilidade" da política econômica.

Segundo a Folha apurou, a avaliação no Ministério da Fazenda é que a política fiscal "já é austera, anticíclica e vai continuar sendo".

Para Armínio Fraga, o tripé econômico não tinha sido abandonado, mas "flexibilizado". "A inflação foi saindo de controle e o governo respondeu com medidas pontuais, que mascaram o problema. Agora o BC agiu."

Para ele, o mercado teve a impressão que o dólar estava "tabelado" em torno de R$ 2, mas isso foi "desmentido pelos fatos". "O que me preocupa é que a política fiscal segue expansionista e isso prejudica o trabalho do BC".

Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp e conselheiro da presidente Dilma, concorda que o governo está economizando menos.

Mas, para ele, isso é resultado da queda da arrecadação, provocada pela fraqueza da economia, e das reduções de impostos para recuperar o crescimento.

"O BC está elevando os juros porque o ajuste fiscal é mais difícil. E isso é o preço que pagamos pelo desarranjo do passado", afirma, referindo-se aos efeitos da valorização do dólar por anos sobre a indústria brasileira.

Para o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, o governo está aproveitando o momento de alta global do dólar, provocado pela recuperação da economia americana, e permitindo minidesvalorizações do real.

"Há uma pressão de depreciação no mercado, devido ao deficit comercial e à redução de entrada de capital, e o governo deixou o dólar chegar a R$ 2,15", disse Bresser.

O ex-ministro tem críticas ao tripé macroeconômico. Segundo ele, nesse regime, o dólar barato foi o principal instrumento contra a inflação. Tampouco prevê como exitosa a estratégia de Dilma:


"Com essa política, não vamos retomar o crescimento, porque a taxa de câmbio continua apreciada."

domingo, 31 de março de 2013

Economistas e a economia brasileira hoje.


Excelente matéria do ESTADÃO sobre a atual situação econômica brasileira. 

Os críticos dizem que, com sorte, seis economistas reunidos chegam a sete soluções para o mesmo problema. A resposta para o dilema do baixo crescimento e da inflação alta no Brasil, porém, aponta quase um só caminho. Seis dos principais economistas brasileiros, de correntes de pensamento diferentes, convidados pelo 'Estado' a refletir sobre o assunto, chegaram ao mesmo diagnóstico.

Da Casa das Garças, reduto tucano, à Unicamp, de onde saíram os principais condutores da política econômica do governo, incluindo a presidente Dilma, a resposta é quase unânime. Para reanimar o crescimento, o governo precisa estimular o setor privado a investir, e, para domar a inflação, é preciso subir os juros e cortar gastos do setor público.

É claro que há divergência sobre como fazer isso. Mas, surpreendentemente, apenas Luiz Carlos Bresser-Pereira - professor emérito da Fundação Getúlio (FGV) e ministro nos governos Sarney e FHC - é contra a alta de juros.

Essa discussão ganhou ainda mais relevância na semana passada, depois da polêmica provocada por uma declaração da presidente Dilma. "Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse, durante encontro dos Brics na África do Sul. "Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende?"

O Brasil vive uma situação complexa e paradoxal. Nos últimos dois anos, o crescimento médio do PIB foi de apenas 1,8%. Ao mesmo tempo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) bateu em 6% no acumulado em 12 meses até fevereiro, e só não ultrapassou o teto da meta de inflação (6,5%) por conta de manobras, como o corte do preço da energia e os pedidos aos prefeitos para não reajustar a passagem de ônibus.

Em 2012, a taxa de desemprego ficou em 4,6%. O País está em pleno emprego, o que significa demanda aquecida. A produção industrial, no entanto, caiu 2,7% no ano passado.

Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, fundador e diretor da Casa das Garças, não minimiza os desafios, mas diz que o governo tem hoje todos os instrumentos para lidar com a situação. "Só precisa decidir utilizá-los de maneira adequada", diz. Ele defende uma política "eficaz" de concessões de obras de infraestrutura.

A conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Unicamp, fundador da Facamp, e um dos conselheiros de Dilma, é parecida. "Se o governo quer apoiar o crescimento através do investimento, certamente não pode ser leniente com a inflação", diz. Belluzzo, no entanto, acredita que um aperto monetário leve será suficiente para recuperar a credibilidade do BC e conter as expectativas de inflação.

Gustavo Franco, ex-presidente do BC e hoje sócio da Rio Bravo Investimentos, afirma que o aumento dos juros é uma solução de "qualidade inferior" e que o grande problema da economia brasileira é a "gastança" do governo. "Já deveríamos ter aprendido a lição que é muito melhor combater a inflação atacando a sua causa, que é a política fiscal."

Para Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, o Brasil precisa de uma "inversão total" da política fiscal com contração dos gastos correntes, que permitiria, ao mesmo tempo, controlar a inflação no setor de serviços e manter juros baixos e câmbio depreciado para ajudar a indústria.

Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore Associados, diz que o pleno emprego é um sinal inequívoco de que não existe um problema de demanda. "O País não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo fica tentando resolver injetando mais demanda na economia e deixando a inflação subir", resume.

Para Bresser-Pereira, os empresários não investem porque o câmbio continua apreciado, apesar da recente desvalorização promovida pelo governo Dilma. "O câmbio é o interruptor da economia, que liga ou desliga a demanda para as empresas."

Pelos sinais mais recentes, como os pacotes de concessão de obras de infraestrutura, parece que a equipe econômica de Dilma chegou à mesma conclusão que esses economistas. Mas ainda há muitas dúvidas sobre a convicção e a eficiência com que as autoridades estão implementando as medidas necessárias. Em breve, o BC terá de decidir se sobe ou não os juros e com que intensidade. Será um bom teste.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Ásia do sucesso à crise de 1997.


Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.Em 2001 foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Hoje, no VALOR ECONÔMICO.

Leio na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns severamente críticos, a respeito de politicas industriais, de comércio exterior e de competitividade, sobretudo as que envolvem a promoção de "campeões nacionais". Os alvos das críticas são as medidas brasileiras de proteção à industria nacional e de estímulo à restruturação empresarial.

Entendi conveniente recorrer a um artigo que escrevi para a revista Praga em maio de 1998. Dizia então, que, ao investigar a razões do desenvolvimento asiático, os autores mais inclinados à análise histórica e institucional concentraram sua atenção nas seguintes questões: 1) a natureza e relevância das políticas industriais (e de constituição de grandes grupos nacionais), sempre amparadas no direcionamento do crédito e nas taxas de câmbio reais "competitivas"; 2) a importância dos acordos implícitos e das relações de "cooperação" e "reciprocidade" entre o Estado e grupos privados; 3) o papel da estabilidade macroeconômica, sempre buscada mediante a prudente gestão monetária e fiscal, característica dos países da região; 4) a forma da inserção internacional.
Os estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados nacionais, os sistemas empresariais e a "inserção internacional". Procuraram chamar a atenção para a especificidade da "organização capitalista" em que prevaleceram: 1) nexos "cooperativos" e de reciprocidade nas relações capital-trabalho; 2) negociações entre os grandes conglomerados e seus fornecedores; 3) íntima articulação entre os bancos e a grande empresa nacional e 4) "administração estratégica" do comércio exterior e do investimento estrangeiro.

Na visão dessa corrente teórica, tal arquitetura institucional não só assegurou excepcionais taxas de investimento e de acumulação de capital, como também ensejou programas de "graduação" tecnológica. Esse arranjo garantiu, assim, expressivos ganhos de produtividade e, consequentemente, consolidou a posição competitiva dos grandes grupos nacionais (sim, os "campeões", senhoras e senhores) diante dos rivais e concorrentes no mercado internacional.

A partir das reformas do final dos anos 70 do século passado, a China irrompeu no cenário asiático com uma receita um tanto modificada. O novo protagonista apoiou-se na combinação entre uma novidade, ou seja, a atração de investimentos diretos estrangeiros e, uma tradição, isto é, a forte intervenção do Estado na finança e no comércio exterior, com o propósito de sustentar uma agressiva estratégia exportadora e de crescimento acelerado. A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.

Não é difícil perceber que as estratégias chinesas de expansão acelerada, impulso exportador, rápida incorporação do progresso técnico e forte coordenação do Estado, foram inspiradas no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e competidores.

Os sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram relativamente "primitivos" e especializados no abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores "escolhidos" como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação da dívida.

Nos final dos anos 80, intensificaram-se as pressões externas para a liberalização cambial e financeira, o que levou às concessões que deflagraram a crise de 1997/1998. À exceção da China, os asiáticos, particularmente Coreia e Tailândia, aceitaram os termos da "desopressão" financeira: 1) a eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade dos agentes domésticos realizarem transações em moeda estrangeira que não decorriam de operações em conta corrente; 2) a liberação das taxas de juros, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados e 3) a desregulamentação bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar as atividades para além do financiamento das empresas produtivas.

A internacionalização financeira, em vez da maior eficiência na alocação de recursos, levou, isto sim, à valorização cambial, à especulação com ativos reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao sobreendividamento e, finalmente, à parada súbita e à fuga de capitais.

Depois da queda, os governos dos países asiáticos retomaram, em boa medida, o controle das políticas estratégicas. O governo coreano, por exemplo, resistiu às pressões estrangeiras para vender ou desmanchar os grandes conglomerados. Para justificar suas exigências os sabichões da mídia e do establishment americano falavam, então, de "crony capitalism", capitalismo de compadres. A expressão foi, mais tarde, tomada de empréstimo pelos críticos para caracterizar as relações incestuosas entre a política e a Grande Finança nos Estados Unidos. Um dos raros empréstimos seguros na farra do subprime.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os balanços e as promessas de 2012.


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras no VALOR ECONÔMICO. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. 

Iniciada no segundo semestre de 2007 e acelerada no infausto episódio da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, a crise não dá sinais de arrefecer. Alguns analistas, como Krugman, Roubini, Michel Aglietta, Martin Wolf e Cláudio Borio avançaram na compreensão do fenômeno ao buscar sua gênese nas transformações ocorridas nas relações indissociáveis entre a esfera monetário-financeira e a chamada "economia real".

No ciclo de expansão recente, combinaram-se métodos inovadores de "alavancagem" financeira, valorização imobiliária, a migração da produção manufatureira, a ampliação das desigualdades, insignificante evolução dos rendimentos da população assalariada e dependente e a degradação dos sistemas progressivos de tributação. A lenta evolução dos rendimentos acumpliciou-se à vertiginosa expansão do crédito para impulsionar o consumo das famílias. Amparado na "extração de valor" ensejada pela escalada dos preços dos imóveis, o gasto dos consumidores alcançou elevadas participações na formação da demanda final em quase todos os países das regiões desenvolvidas. Enquanto isso, as empresas dos países consumistas cuidavam de intensificar a estratégia de separar em territórios distintos a formação de nova capacidade e a captura dos resultados.

No período de euforia, as grandes empresas deslocaram sua manufatura para as regiões em que prevaleciam baixos salários, câmbio desvalorizado e alta produtividade. Americanos e europeus correram para a Ásia e os alemães, mesmo frugais, saltaram para os vizinhos do Leste. Dessas praças, exportaram manufaturas baratas para os países e as regiões de origem. Embalados pela expansão dos gastos das famílias, realizaram lucros e acumularam caixa (em geral nos paraísos fiscais) além de cavar alentados déficits em conta corrente na pátria-mãe.

A queda do investimento na formação da demanda agregada dos países centrais foi mais do que compensada pela aceleração desse componente do gasto nos emergentes asiáticos. O balanço global registra a criação generalizada de capacidade produtiva excedente, particularmente nos setores de alta e média tecnologia afetados pela concorrência internacional.

Imagino que alguns olhares ainda reconheçam nessas transformações os movimentos da economia capitalista ou da economia monetária da produção, como Keynes a qualificava. Nela imperam o avanço da divisão do trabalho entre grandes, médias e pequenas empresas privadas, a ampliação das relações de assalariamento em suas várias formas, a dominância da moeda bancária produzida e reproduzida pela generalização das operações de débito-crédito e o impulso à expansão ilimitada dos mercados.

Essa economia pode ser concebida como grande painel de balanços inter-relacionados. Observados em suas interrelações, os balanços dos bancos, empresas e famílias, governos e setor externo registram, em cada momento, os resultados das decisões de financiamento e de gasto tomadas privadamente por cada um dos participantes do jogo do mercado. As decisões privadas de gasto apoiadas no crédito - o pagamento de salários e as compras entre as empresas - criam o fluxo de renda agregada da economia e, ao mesmo tempo, modificam a situação patrimonial dos protagonistas.

Na fase ascendente do ciclo, o fluxo de lucros e a poupança das famílias e do governo cuidam de garantir o serviço e estabilidade do valor das dívidas e dos custos financeiros. As poupanças decorrentes do novo fluxo de renda constituem o funding do sistema bancário e do mercado de capitais. Estes últimos, em sua função de intermediários, promovem a validação do crédito e da liquidez (criação de moeda) "adiantados" originariamente para viabilizar os gastos de investimento e de consumo.

Quando os motores reverteram, acionados pela queda nos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros associados ao consumo, escancarou-se um estoque de endividamento "excessivo" das famílias, calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos e à derrocada do valor das residências. Afogadas nas sobras de capacidade à escala global, as empresas cortaram ainda mais os gastos de capital. Aliviadas da carga de ativos podres graças à ação dos bancos centrais, as instituições financeiras acumularam reservas excedentes, mas hesitam em emprestar até mesmo às suas congêneres. Entre a queda das receitas, a ampliação automática das despesas e o socorro aos bancos moribundos, os déficits fiscais aumentaram, engordando as carteiras dos bancos com a dívida dos governos. Já os desequilíbrios em conta corrente dos balanços de pagamentos não andam nem desandam.

Nos últimos três anos, as famílias com equity negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos ensaiam políticas de austeridade fiscal.

Tais decisões são "racionais" do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do "peso" das dívidas cujo "valor" está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

OWS, capitalismo e democracia.


Luiz Gonzaga Belluzzo, especialmente para o VALOR ECONÔMICO de 01.11.2011.

Os moradores de Flitch, no estado do Michigan, (EUA) perderam o emprego na fábrica de autopeças fechada sob a pressão da concorrência chinesa. Indagado sobre o destino dos desempregados, o economista Gregory Mankiw respondeu candidamente: "As pessoas têm que se mover". Afirmou isso depois de ter proclamado a necessidade de um curso de economia no ensino médio para que o público em geral possa ter uma visão mais acurada da globalização.

O economista de Harvard, Richard Freeman, diz, em artigo recente, que a velha conversa sobre os benefícios do comércio - na situação em que os países avançados produzem bens de alta tecnologia com trabalho qualificado enquanto os menos desenvolvidos se dedicam aos setores de mão de obra não qualificada - "tornou-se obsoleta com a presença da China e da Índia". Nos anos 90, Paul Krugman, o economista laureado com o Nobel, patrocinou uma cruzada ideológica contra os movimentos antiglobalização que profligavam a perda dos bons empregos americanos para os trabalhadores produtivistas da Ásia. Já em meados da primeira década do terceiro milênio, Krugman foi obrigado a reconsiderar seus pontos de vista. Indagado sobre as razões da mudança, Krugman respondeu: o avanço da China.

Os fenômenos centrais da economia de nosso tempo são o acirramento da concorrência entre as grandes empresas internacionais, a escalada da financeirização e as rápidas mudanças na geoeconomia mundial. As posições relativas de países, continentes e classes sociais sofreram alterações tão radicais quanto perturbadoras. Alguém designou esses deslocamentos tectônicos como "desenvolvimento desigual e combinado".

Nas regiões ditas desenvolvidas, já no crepúsculo dos anos 90, era possível ouvir os clamores das manifestações antiglobalização. A toarda subiu muitos decibéis na posteridade da crise iniciada em 2008. Ontem, as gentes do movimento Ocupe Wall Street (OWS) eram dez gatos pingados. Hoje, os céticos de ontem observam o descontentamento dos "perdedores" se alastrar mundo afora. Agora já são muitos e a mídia global cuida de discernir se os manifestantes carregam o "anti-capitalismo" (sic) nos ossos ou apenas nas mochilas que levam às costas.

Nos círculos bem pensantes há desconforto com o mau humor dos cidadãos que não só rejeitam as consequências da crise, mas, sobretudo, contestam o modelo social e econômico que conduziu o planeta à beira de uma (outra) Grande Depressão. Os 99% sofrem as agruras da estagnação dos rendimentos familiares nos últimos trinta anos, das ocupações precárias, do desemprego de longo prazo, do aumento da pobreza e do desamparo na doença.

No torvelinho do desencontro das palavras de ordem, da diversidade de pontos-de-vista, os participantes dos protestos revelam uma percepção comum: a liberdade e a autonomia dos indivíduos de carne e osso não decorre naturalmente do movimento desembaraçado de mercadorias e de capitais. Os arautos do livre mercado asseguravam que a liberdade humana decorre do impulso natural do homem à troca, ao intercâmbio, à aproximação por meio do comércio etc.

É de lei reconhecer que Adam Smith corretamente chamou a atenção para o caráter libertador da economia mercantil capitalista e para as suas potencialidades. Marx, herdeiro e defensor das postulações do Iluminismo, da Revolução Francesa e admirador do caráter transformador do capitalismo, indagou se as relações de produção e as forças produtivas do novo modo de produção permitiriam, de fato, a realização da Liberdade e da Igualdade.

Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de "duas naturezas": 1) a enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças; 2) as limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem estar e a autonomia individual a todos os encantados com suas promessas. Não se trata de perversidade, mas do seu modo de funcionamento.

Constrangidos pela concorrência e liberados das travas da regulação pública, os detentores de riqueza, não escapam dos estados de euforia e de apetite pelo risco que, culminam na decepção, na crise e na desvalorização da riqueza. Quando sobrevém o colapso da confiança, os indivíduos racionais e calculadores são açoitados pela "busca desesperada da riqueza líquida".

A volúpia coletiva pela busca do dinheiro, a forma geral da riqueza, termina por destruir, em seu movimento maníaco, não só as suas formas particulares como também as condições de vida dos indivíduos atropelados pelo estouro da manada. Os mercados e seus agentes, diga-se, não estão certos nem errados. Estão simplesmente obrigados a tomar decisões que, em seu imaginário peculiar, são as apropriadas para proteger ou acrescentar o valor de sua riqueza. Na verdade, eles são "pensados" por uma lógica que não controlam.
Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é desferida contra os "desvios" da política, contra os surtos de "populismo".

Os que protestam nas ruas do mundo sabem que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis da concorrência.

A lógica da economia destravada restringe o espaço democrático e impede que os cidadãos, no exercício da política tenham capacidade de decidir sobre a própria vida.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Soros e as vacilações da eurolândia.


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO o texto “Soros e as vacilações da eurolândia”. 

Em artigo publicado no "Financial Times" de sexta-feira, 29 de setembro, George Soros recomenda que autoridades da eurolândia se entendam a respeito da criação do Tesouro Comum. Enquanto esse acordo não for celebrado, diz o financista, três providências devem ser tomadas: 1) os bancos seriam colocados sob a direção do Banco Central Europeu (BCE) em troca de garantias temporárias e permanente capitalização; 2) o BCE obrigaria os bancos a manter as linhas de crédito e os empréstimos existentes; 3) o BCE permitiria o refinanciamento temporário a baixo custo de países como Espanha e Itália. Soros conclui: "Essas medidas acalmariam os mercados e dariam tempo para a Europa desenvolver um estratégia de crescimento, sem a qual o problema da dívida não pode ser resolvido".
George Soros pensa o impensável, diz o que está interditado no debate sobre as causas e as curas da doença europeia. Ousa revelar o que deveria ser óbvio para qualquer cidadão medianamente informado: a crise da dívida soberana europeia é, sobretudo, uma crise grave do sistema bancário europeu, com reverberação nos bancos americanos.
No auge da crise de 2008, os bancos centrais da cúspide capitalista cumpriram seu dever e impediram que o crash financeiro degenerasse numa Grande Depressão. Tão logo o pânico deflagrado pela quebra do Lehman Brothers cedeu, saíram das sombras os estoques de dívida soberana acumulados na Europa durante o período de subavaliação dos riscos. Vitimas e protagonistas da farra financeira, os governos da eurolândia fecharam os olhos para a orgia de endividamento privado (depois público) promovida pelos (saltim)bancos da desregulamentação financeira. Estimulada e celebrada por muitos, a desregulamentação abriu caminho para a "invasão" do risco sistêmico nas engrenagens da finança capitalista.
Vou citar o insuspeito e temerário Alan Greenspan: "O risco sistêmico é quase exclusivamente um fenômeno das instituições financeiras. A inadimplência de grandes instituições pode desmantelar o sistema financeiro e com ele o resto da economia, devido às múltiplas e intrincadas relações entre a finança e a atividade econômica... Os riscos gerados por empresas não financeiras - independentemente de seu tamanho - ficam restritos aos seus credores, fornecedores e clientes. Raramente têm impacto mais amplo."
O sistema de crédito moderno tem a função de ampliar e antecipar no tempo a capacidade de investimento e de consumo das empresas, das famílias e dos governos. Ele opera como uma central privada de administração monetária e de alocação da riqueza líquida coletiva. Nessa função, os bancos (e, hoje, os demais intermediários financeiros que se abastecem nos mercados monetários) são provedores da rede informacional do mercado: definem as normas de acesso à liquidez, ao crédito e administram o sistema de pagamentos.
Gestores privados da forma geral da riqueza, os bancos, em princípio, deveriam regular o estado da liquidez e do crédito de acordo com a evolução dos balanços inter-relacionados de empresas, famílias, dos governos e das próprias instituições financeiras. Mas, a crise recente demonstrou que essa pretensão é irrealizável em um ambiente em que prevalecem a concorrência e a busca desaçaimada por resultados entre as instituições financeiras privadas. No período que antecedeu à crise - na esteira da integração global dos mercados financeiros - a "centralização privada" da moeda e do crédito nas instituições "grandes demais para falir" alastrou o processo competitivo de geração e distribuição de ativos com precificação enigmática em moedas distintas.
Quando a roda da fortuna girou em falso, com colapso de preços e ampla flutuação das moedas, foi inevitável o recurso à "centralização estatal", única forma de contornar a destruição do crédito e da moeda, ou seja, da rede informacional da economia monetária da produção. A ruptura nas articulações do sistema de provimento de liquidez, de gestão da riqueza e de pagamentos acarretou a quase paralisia do metabolismo econômico.
Os bancos centrais, portanto, estão condenados a cumprir a missão de reverter a deterioração generalizada dos balanços. Esses desequilíbrios financeiros e patrimoniais revelam-se ainda mais severos e difíceis de "digerir" na posteridade de um ciclo de crédito apoiado na valorização fictícia de ativos.
A emergência da crise da dívida soberana a partir do colapso do endividamento privado exige uma intervenção não convencional das autoridades monetárias. Só elas são capazes de ampliar os seus balanços para absorver o choque entre credores e devedores. Deixados à sua própria sorte, os bancos privados não podem explicitar a desvalorização que contamina seus ativos e os devedores não suportam a insistência dos "mercados" em manter o valor nominal das dívidas.
As recomendações de Soros serão certamente desqualificadas como radicais pelos tíbios e vacilantes. Mas, elas vão à raiz dos problemas que afligem a economia europeia. Na Europa, a encrenca é sistêmica: o crédito está travado porque os bancos desconfiam de tudo e de todos, inclusive deles mesmos. A rede de pagamentos e de provimento de liquidez formada pelo sistema bancário europeu está à beira da hecatombe. Esse colapso da confiança não pode ser superado sem a centralização das decisões na autoridade monetária encarregada de zelar pela higidez das relações interbancárias e, portanto, pela "normalidade" das operações de crédito. Na ausência de um programa de refinanciamento e de transferências confiável, a "saída" mais provável é o default desorganizado da Grécia, a derrocada do valor dos títulos soberanos e a insolvência de grandes instituições financeiras europeias - não só as gregas, portuguesas e espanholas - mas também francesas e alemãs.

terça-feira, 1 de março de 2011

INSIDE JOB

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve no VALOR ECONÔMICO de hoje, via CORECON RJ, texto sobre o "Inside Job", documentário que considera imperdível.

O sempre instigante Eu& Fim de Semana publicado nas edições de sexta-feira do Valor, ofereceu a seus leitores uma entrevista do economista Lawrence Summers. Summers, entre outras proezas, ficou conhecido por declarações polêmicas. Recomendou o incentivo à deslocalização de indústrias poluidoras para os países da periferia. Reitor de Harvard, Summers decretou a incapacidade da inteligência feminina em lidar com as complexidades das "hard sciences".

Observei Summers no café do pavilhão onde se realizava a reunião do Fórum Mundial Davos, em 1993. Entre um gole de café e outro, Summers iniciou um sermão aos circunstantes sobre políticas econômicas nos países em desenvolvimento. As lições de Summers sucederam uma tertúlia sobre a economia mexicana que, segundo os participantes da mesa, navegava de velas enfunadas rumo à prosperidade. Não faltaram reverências e salamaleques ao então presidente Salinas de Gortari e a seu ministro da Fazenda, Pedro Aspe.

Sentados na plateia, o professor Carlos Antonio Rocca e este locutor que vos fala, entre estarrecidos e irritados, ouvíamos os julgamentos peremptórios que fluiam do debate entre os sabidos da academia e financistas mais sabidos ainda. As opiniões iam da celebração incondicional do modelo mexicano às referências derrisórias ao Brasil. Digo estarrecidos porque, naquele momento, o México apresentava um déficit em transações correntes de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), déficit fiscal elevado e a dolarização galopante de sua dívida interna, infestestada de Tesobonos.

Em dezembro de 1994, o México quebrou vítima de uma "parada súbita" e só sobreviveu com o socorro do Tesouro Americano e do Fundo Monetário Internacional (FMI), providência destinada a salvar os bancos de Tio Sam. Summers, então subsecretário do Tesouro de Clinton capitaneou a operação de salvamento.

Não havia como escapar da impressão de que Summers era encarnação mais acabada do personagem de Molière, o "idiot savant", cheio de si, como tantos outros que se abrigam sob o manto hoje prestigioso dos estudos da economia. (Evito a expressão ciência econômica para evitar que o ego já inflado dos sabichões sofra um processo fatal de inchaço e implosão).

Pois Summers é um dos personagens centrais do imperdível documentário "Inside Job" de Charles Ferguson que, na madrugada de ontem, levou o Oscar na sua categoria. O título do filme foi traduzido para o português como "Trabalhos Internos" - é lamentável a falta de imaginação do tradutor, que provavelmente não viu o filme. "Inside Job" é uma expressão idiomática. Um amigo, mais versado do que eu no idioma de Shakespeare, sugeriu "Trabalhos Promíscuos".

O documentário mostra que Summers faturou uma nota preta ao ministrar palestras remuneradas pelos senhores do Universo sobre as maravilhas da desregulamentação financeira. Entre suas idas e vindas ao governo, dedicava-se a assessorar instituições financeiras mediante farta remuneração. Não sei se ele está no rol de 19 economistas investigados no estudo do seu colega Gerald Epstein, da Universidade de Massachusetts Amherst.

O estudo trata do conflito de interesses entre a atividade acadêmica, a ocupação de funções no Estado e as atividades de consultoria, quando os personagens não advertem a opinião pública a respeito de suas ocupações e pertinências. Essa confusão de papéis está gerando um movimento entre os economistas americanos para a adoção de um código de ética.

Não se trata de limitar as atividades profissionais dos economistas, mas sim de tornar claro ao público que as opiniões podem estar viciadas e deformadas pela infiltração de interesses estranhos à independência acadêmica e à função pública.

Enquanto secretário do Tesouro de Clinton, Lawrence Summers trabalhou intensamente para a aprovação no Congresso dos Estados Unidos do Gramm-Leach-Bliley Act. Essa lei derrotou a legislação dos anos 1930, o Glass-Steagal Act, que separava os bancos de depósito, os bancos de investimento, seguradoras e instituições voltadas para o financiamento imobiliário e "fundeadas" na poupança das famílias.

Os mercados financeiros contemporâneos lograram capturar os controles da economia e do Estado, mediante o incrível aumento do seu poder social e político. As transformações ocorridas no sistema financeiro desataram a livre e brutal concorrência no capitalismo da grande empresa e das grandes instituições financeiras.

A expressão grande demais para falir esconde mais do que revela. Nos últimos anos, a securitização e a alavancagem construíram uma teia de relações de débito e crédito entre as grandes instituições espalhadas pelo mundo. Os bancos de investimento e os demais bancos sombra aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo seus passivos nos "mercados atacadistas de dinheiro" ("wholesale money markets"), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias. Não por acaso, a dívida intrafinanceira como proporção do PIB americano cresceu mais rapidamente do que o endividamento das famílias e das empresas. Esse fenômeno corresponde ao controle da riqueza social pelas instituições privadas, o que torna impossível a omissão dos bancos centrais quando um elo da cadeia se rompe.

O depoimento mais constrangedor, entre tantos de "Inside Job", é prestado pelo economista Frederick Mishkin. Ex-membro do Federal Reserve, Mishkin não consegue explicar porque às vésperas do colapso dos bancos da Islândia produziu um relatório que assegurava a estabilidade do sistema financeiro do país, mediante o estipêndio de US$ 124 mil.

domingo, 2 de maio de 2010

A CRISE DO EURO OU UM ESTADO DEFICITÁRIO?

Na FOLHA DE S. PAULO de hoje o Professor LUIZ GONZAGA BELLUZZO, comenta sobre os SOLAVANCOS NA EUROLÂNDIA e faz referências a THE ECONOMIST desta semana. Esperamos que a situação na zona do euro seja administrada com competência, pois apenas agora o mundo respira mais aliviado depois da crise financeira de 2008. De qualquer maneira um coisa deve ficar bem clara: nenhum governo pode gastar mais do que tem, pois a conta será cobrada e o resultado, velho conhecido, é prejudicial a todos.
"As bolsas de Valores andam aos solavancos no mundo inteiro. Dançam ao ritmo das expectativas e avaliações dos investidores a respeito da solução da crise grega. Pior ainda, diante das hesitações da liderança europeia, os mercados endurecem o jogo e transmitem o vírus da desconfiança para as demais economias frágeis da eurolândia e da Europa do Leste.
Em meio às expectativas sombrias dos mercados financeiros quanto à solvência dos papéis soberanos da periferia europeia, os prêmios de risco dos infelizes vão às nuvens, e o euro declina diante do dólar.
A edição da revista "The Economist" que chegou às bancas na sexta-feira faz coro à tese do contágio, diante da fragilidade da dupla ibérica -Portugal e Espanha, também encalacrados em deficit externos e fiscais elevados, endividamento público próximo ou superior a 100% do PIB (Produto Interno Bruto) e uma quase insanável deficiência competitiva.
Na impossibilidade de uma desvalorização cambial, o ajustamento "made in Germany" vai requerer, além do corte de gastos, a redução de salários nominais, tanto no setor público como no privado. Isso tudo, dizem os alemães, para restaurar a competitividade dos combalidos compradores de seus produtos e devedores de seus bancos.
Não vai funcionar, sugere a "The Economist". Em manobra de alto risco, os europeus criaram o euro, a moeda comum, sem construir um espaço fiscal comum e, assim, diante da crise financeira de seus membros mais frágeis, ficaram à mercê da boa vontade dos alemães, os grandes beneficiários da moeda única.
Na ausência de um programa de refinanciamento e de transferências confiável, a "saída" mais provável é uma "corrida" contra os bancos gregos, portugueses e espanhóis, naturalmente com reverberações sobre os demais credores europeus, inclusive os alemães.
Até ontem danificados em sua credibilidade por suas próprias façanhas, os "mercados" foram revigorados por formidáveis injeções de dinheiro, uma espetacular "inflação" de passivos monetários dos bancos centrais.
Eles abrigaram em seus balanços a escumalha financeira do "subprime" e adjacências, montaram programas de troca de papéis podres por passivos de sua emissão, ou seja, dinheiro, enquanto os Tesouros emitiam títulos públicos para proteger a riqueza privada em estado periclitante.
No auge da crise, os bancos centrais da cúspide capitalista cumpriram sua missão. Tão logo o pânico cedeu, os senhores da finança, montados na grana, não trepidaram em exigir prêmios de risco mais compensadores para rolar a dívida dos governos da Grécia, da Irlanda, da Itália, da Espanha e de Portugal.
Os governos dos países supracitados, diga-se, são, ao mesmo tempo, vitimas e algozes da farra financeira e de seu triste destino, alvos e beneficiários da orgia de endividamento público e privado promovida pela internacionalização da "exuberância irracional".

domingo, 4 de abril de 2010

"O QUE MAYNARD DIRIA?"

Diretamente da FOLHA DE S. PAULO de hoje, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, professor titular de Economia da UNICAMP, pergunta “O QUE MAYNARD DIRIA?’

Dizem os os frequentadores que, nas salas e corredores do King's College, em Cambridge, Inglaterra, ainda ressoa a indagação da professora Joan Robinson, uma das herdeiras intelectuais de Keynes: "O que Maynard diria?".
Maynard, o leitor já sabe, é John Maynard Keynes.
Maynard, imagino, estaria aflito com a mudança nas regras que definem o preço do minério de ferro. Os preços fixados nos contratos anuais de fornecimento deram lugar a um regime de revisão trimestral visando dar maior peso aos valores formados no mercado "spot". A finança global, ainda convalescente de suas façanhas e percalços, lambe os beiços diante da perspectiva de alta das operações de "swap". O mercado espera alcançar US$ 200 bilhões em 2020 (hoje, US$ 300 milhões).
O editorial de quinta feira do "Financial Times" reconhece que, "no novo regime é inevitável uma maior volatilidade do preço (...), o problema surgirá certamente quando um declínio na demanda chinesa ou um aumento da oferta provocarem uma queda no preço "spot". Nesse caso, novos contratos deverão ser adotados para encorajar um desenvolvimento consistente (?) do sistema".
Quanto ao mercado de "swaps", os acontecimentos recentes mostram que eles tendem a exasperar a volatilidade dos preços diante de possíveis desequilíbrios momentâneos entre oferta e procura. Esses derivativos ateiam gasolina ao fogo nos períodos de alta e, na baixa, jogam mais água do que o necessário na fervura.
Seja como for, Maynard ficaria chocado com uma mudança que poderá ampliar assustadoramente os intervalos de flutuação do preço de uma commodity importante como o minério de ferro. Pouca gente sabe, mas Keynes advogou, no espírito da Nova Ordem Econômica Internacional do pós-Guerra, a criação da Commod Control destinada a atenuar as excessivas flutuações de preços de commodities, lesivas aos países produtores e consumidores e danosas à estabilidade das economias.
Isso seria feito via uma política de gestão de estoques, coordenada por um comitê de especialistas com representantes dos países produtores e consumidores. "Uma agência internacional seria constituída, a Commod Control, com representantes dos governos dos principais países produtores e consumidores.
A Commod fixaria os preços em um nível mínimo razoável [garantindo a renda dos produtores e o conforto dos consumidores - LGB] e esses valores seriam modificados de tempos em tempos, com base na tendência observada na variação de estoques, para cima ou para baixo. Não seria tecnicamente difícil estabelecer uma relação entre os valores "básicos de sustentação" e o complexo de preços atuais, porquanto os movimentos de preços nos mercados futuros sinalizariam a atuação correta para o comitê de especialistas."
Keynes reconhece que a formação de preços deveria decorrer da interação entre as informações do mercado e a agência internacional incumbida de manejar os "estoques reguladores", com o propósito de aplainar as flutuações agudas e garantir a estabilidade das expectativas nos mercados de commodities.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...