|
sábado, 1 de junho de 2013
Debelar a inflação é a escolha correta.
PIB, um fracasso anunciado.
Pessimista editorial do ESTADÃO em 31.05.2013.
Mais que um
tropeço, o fraco desempenho da economia brasileira no primeiro trimestre, com
expansão de 0,6% em relação aos três meses anteriores, é um péssimo prenúncio.
Se o ritmo for mantido, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará apenas 2,4%
neste ano, menos que nos primeiros 12 meses do governo da presidente Dilma
Rousseff.
A cúpula
federal havia decidido, segundo informou o Estado na terça-feira, batalhar por
um crescimento de pelo menos 2,7%,"igual ao de 2011 - algo parecido com
uma questão de honra. Pelos números divulgados na quarta-feira, a luta por esse
objetivo será mais dura do que devem ter imaginado, poucos dias atrás, os
formuladores da política econômica. O ministro da Fazenda, Guido Mantega,
referiu-se ao ritmo atual de atividade como equivalente a 2,2% ao ano, ao
comentar os novos números das contas nacionais.
Pelo menos o
investimento cresceu vigorosamente e isso aponta maior capacidade de produção
nos próximos tempos, podem argumentar as autoridades. O volume de recursos
destinado à compra de máquinas e equipamentos, à construção civil e a obras de
infraestrutura foi 4,6% maior que o do trimestre final de 2012. Isso é
consequência, segundo o ministro da Fazenda, dos estímulos proporcionados pela
política oficial Mas o aumento indicado pelos novos números nem sequer
compensou a forte retração do ano anterior.
O total
investido ficou 3% acima do contabilizado um ano antes, mas a comparação entre
períodos de 12 meses ainda acusa uma redução de 2,8%. Além disso, o País
investiu no primeiro trimestre apenas 18,4% do PIB. Nos primeiros três meses do
ano passado essa taxa havia ficado em 18,7%. Qualquer das duas taxas é muito
inferior àquela fixada pelo governo como objetivo para os próximos anos, algo
em torno de 24%.
Vários países
emergentes, incluídos alguns latino-americanos, investem a cada ano pelo menos
o equivalente a 25% do PIB. Na Ásia são encontradas taxas acima de 30%. Além
disso, o Brasil tornou-se mais dependente do capital externo para investir,
porque a poupança interna caiu de 15,7% do PIB no primeiro trimestre de 2012
para 14,1% um ano depois. Todos conhecem a explicação: o governo continua
gastando em custeio mais do que deve e dificultando a formação da poupança
nacional.
O ministro
procurou também enfeitar os números muito ruins do amplo setor industrial. A
queda de 0,3% em relação ao trimestre final de 2012, afirmou, resultou
basicamente do recuo de 2,1% da mineração. A indústria de transformação,
acrescentou, produziu mais que nos três meses anteriores. As duas afirmações
são verdadeiras, mas o trabalho de maquiagem foi inútil De fato, o produto da
indústria de transformação cresceu, mas apenas 0,3%, e ainda foi 1,4% inferior
ao de um ano antes.
Um dia antes
a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) havia divulgado suas
novas projeções para o ano: o crescimento do PIB foi revisto de 3% para 2,5%; o
da indústria de transformação, de 2,4% para 1,9%; o da construção civil, de
3,3% para 1,9%; o dos serviços, de 3% para 2,7%; e o da agropecuária, de 3,4%
para 3,7%.
A fraqueza da
economia brasileira é visível de longe. A Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por economias desenvolvidas e algumas
emergentes com histórico de boas políticas, cortou para 2,9% em 2013 e 3,5% em
2014 o crescimento estimado para o Brasil. As projeções feitas no fim de 2012
eram de 4% e 4,1%.
Não há novos
estímulos na agenda, disse o ministro Mantega. É uma boa notícia, diante do
fracasso previsível das medidas já adotadas, um conjunto de incentivos
improvisados. Beneficiaram alguns setores, pouco ajudaram o conjunto da
produção e agravaram a situação das contas públicas. Sem mais estímulos desse
tipo, o governo terá uma oportunidade para agir mais seriamente, controlando
seus gastos, contribuindo para o combate à inflação e cuidando com mais
eficiência dos problemas de competitividade. Mas é preciso ser muito otimista
para apostar nessa mudança.
A inflação brasileira e suas jabuticabas .
Antônio Corrêa de Lacerda, no Estadão de 31.05.2013.
A inflação
resistindo próxima do teto de 6,5% da meta anual não é uma situação confortável
para a Nação. É preciso persistir no combate à elevação geral dos preços como
um valor em si. A carestia afeta a todos, mas especialmente os mais pobres.
Para um diagnóstico
mais abrangente, primeiro é necessário destacar que a inflação brasileira,
inegavelmente elevada e que deve ser repudiada, está muito próxima da inflação
média dos países em desenvolvimento, que é de 5,8%.no acumulado dos últimos 12
meses. Há, mesmo entre os Brics, países com inflação próxima à brasileira, como
é o caso da África do Sul, com 5,9%, e de outros em situação ainda mais grave,
como a índia, com 12%. Argentina e Venezuela têm indicadores oficiais mais
elevados e fortemente questionados quanto à sua fidelidade.
A questão é
por que países em desenvolvimento têm tido inflação média equivalente quase ao
triplo da dos países desenvolvidos. Trata-se de uma questão estrutural. Esses
países vêm experimentando mudanças expressivas do padrão populacional, com
urbanização, elevação da renda e alterações de costumes. Isso tem aumentado a
demanda por alimentos e por serviços, dois itens comuns de pressão de preços em
vários países. A demanda por esses itens tem crescido mais rapidamente do que
sua oferta, abrindo espaço para elevação de preços.
Isso não pode
ser entendido como um álibi para a inflação brasileira, mas um alerta. Ao mesmo
tempo que temos de tomar medidas para combater a inflação, é preciso sair da
armadilha de considerar a elevação das taxas de juros como remédio único para a
enfermidade, seja qual for o diagnóstico de sua origem. No caso brasileiro,
temos o impacto das questões já citadas e comuns à maioria dos países em
desenvolvimento, assim, temos peculiaridades próprias que precisam ser
enfrentadas. São como nossas jabuticabas, fruto originariamente brasileiro:
pouco presente ou praticamente ausente em outras paragens.
A primeira é
a ainda elevada indexação ou o reajuste automático e regular dos preços
baseados em indicadores da inflação passada. É o caso de preços administrados,
como medicamentos, tarifas públicas como pedágios, energia, telefonia, água e
esgoto e aluguéis. Grande parte deles indexadas a indicadores como o índice
Geral de Preços (IGP) e sua variante, o IGP-M, ambos calculados pela Fundação
Getúlio Vargas - cuja composição tem pouco a ver com a estrutura de custos dos
setores.
Além disso,
também influenciado por esse fator e pela cultura inflacionária,vivemos uma
espécie de indexação informal de preços de serviços, especialmente os pessoais,
que, por sua natureza, são pouco concorrenciais.
Um outro
aspecto peculiar nosso está na indexação do mercado financeiro. Grande parte da
dívida do governo é pós-fixada pela Selic, a taxa definida pelo Comitê de
Política Monetária, redefinida a cada 45 dias, com grande repercussão
midiática. Gomo grande parte dos títulos das dívidas oferece liquidez imediata
e correção automática pela taxa de juros, há uma certa torcida pela subida da
inflação.
Obviamente
trata-se de um processo que, longe de ser neutro, provoca transferências
bilionárias de renda. Daí a resistência e mitificação que envolve tudo o que se
refere ao tema. Muitas vezes, intensificar as expectativas de inflação futura
representa um verdadeiro prêmio, na forma de elevação dos juros, favorecendo os
portadores de títulos da dívida pública pós-fixada.
É preciso
desarmar o consenso pró-inflação. O enfrentamento do problema implica ações
conjugadas que vão além dos juros e da ampliação da capacidade de oferta da
economia. O problema hoje não reside tanto no setor industrial, que ainda opera
com um nível de ociosidade média da ordem de 15%. Mas no macrossetor serviços o
quadro é diferente. É preciso ampliar a competitividade, incentivando a
formação de novos prestadores, e gerar maior concorrência, diminuindo o poder
de elevação dos preços.
quinta-feira, 16 de maio de 2013
A Economia do Papa Francisco: "o dinheiro deve servir e não governar".
Senhores
Embaixadores,
Com alegria
acolho-os por ocasião da apresentação das Cartas, que os credenciam como
Embaixadores extraordinários e plenipotenciários de seus respectivos Países junto
à Santa Sé: Kyrgystão, Antígua e Barbuda, Grão Ducado de Luxemburgo e Botswana.
As cordiais
palavras que me dirigiram, as quais agradeço com vivo apreço, testemunham que
os Chefes de Estado de seus Países desejam desenvolver as relações de estima e
de colaboração com a Santa Sé. Ficaria agradecido se os senhores lhes
transmitissem os meus sentimentos de gratidão e de respeito, acompanhados das
minhas orações pelas suas pessoas e seus compatriotas.
Senhores
Embaixadores, a humanidade vive neste momento como um retorno à própria
história, considerando os progressos registrados nos vários âmbitos. Devemos
louvar os resultados positivos, que concorrem para um autêntico bem-estar da
humanidade, como por exemplo, no campo da saúde, da educação e da comunicação.
No entanto,
devemos reconhecer também que a maior parte dos homens e das mulheres do nosso
tempo continuam a viver numa precariedade quotidiana com consequências
funestas. Aumentam algumas patologias, com suas consequências psicológicas; o
medo e o desespero arrebatam os corações de numerosas pessoas, mesmo nos Países
considerados ricos; a alegria de viver começa a diminuir; a indecência e a
violência estão em aumento; a pobreza se torna mais evidente. Deve-se lutar
para viver e, muitas vezes, viver com pouca dignidade.
Uma das
causas desta situação, na minha opinião, consiste na relação que temos com o
dinheiro, ao aceitar o seu domínio sobre nós e sobre nossas sociedades. Assim,
a crise financeira, pela qual estamos atravessando, faz-nos esquecer da sua origem
primordial, arraigada numa profunda crise antropológica: a negação da primazia
do homem! Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (Cf. Ex
32,15-34) defronta-se com uma nova e impiedosa imagem do feiticismo do dinheiro
e da ditadura da economia sem fisionomia e nem objetivo realmente humano.
A crise
mundial, que envolve as finanças e a economia, parece colocar em luz as suas
deformações e, sobretudo, a grave falta da sua perspectiva antropológica, que
reduz o homem a uma única exigência: o consumismo. E, ainda pior, o ser humano,
hoje, é considerado como um bem de consumo, que se pode usar e, depois, jogar
fora. Este desvio se verifica, em nível individual e social, e é favorecido! Em
tal contexto, a solidariedade, tesouro dos pobres, é, muitas vezes, considerada
contraproducente, contrária à racionalidade financeira e econômica.
Enquanto a
renda de uma minoria aumenta, de maneira exponencial, aquela da maioria
enfraquece. Este desequilíbrio deriva de ideologias, que promovem a autonomia
absoluta dos mercados e a especulação financeira, negando assim o direito de
controle por parte dos Estados, que também devem prover o bem comum.
Instaura-se, assim, uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe,
unilateralmente e sem recurso possível, suas leis e suas regras. O
endividamento e o crédito, outrossim, distanciam os Países e a sua economia
real e os cidadãos do seu poder de aquisição real. Além do mais, pode-se
acrescentar a tudo isso uma corrupção tentadora e uma evasão fiscal egoísta,
que assumiram dimensões mundiais. O desejo de poder e de posse tornou-se
ilimitado.
Atrás desta
atitude oculta-se a rejeição da ética, a rejeição de Deus. Como a
solidariedade, também a ética incomoda; ela é considerada contraproducente;
como muito humana, porque relativiza o dinheiro e o poder; como uma ameaça,
porque rejeita a manipulação e a submissão da pessoa.
A ética
conduz a Deus, que se aliena das categorias do mercado. Deus é considerado,
pelos financeiros, economistas e políticos, como incontrolável ou até perigoso,
porque induz o homem à sua plena realização e à independência de qualquer tipo
de escravidão. A ética – uma ética naturalmente não ideológica – permite, na
minha opinião, criar um equilíbrio e uma ordem social mais humanos.
Neste sentido,
encorajo os peritos financeiros e os governantes dos seus Países a refletirem
sobre as palavras de São João Crisóstomo: «Não compartilhar com os pobres os
próprios bens é roubar deles e tirar-lhes a vida. Os bens que possuímos não são
nossos, mas deles» (Homilia sobre Lázaro, 1, 6 : PG 48, 992D).
Prezados
Embaixadores, seria de bom augúrio fazer uma reforma financeira, que seja ética
e que comporte, por sua vez, uma reforma econômica salutar para todos. No
entanto, ela requereria uma corajosa mudança de atitude dos dirigentes
políticos. Exorto-lhes, pois, a enfrentar este desafio com determinação e
perspicácia, levando em conta, naturalmente, a peculiaridade dos seus
contextos. O dinheiro deve servir e não governar!
O Papa ama
todos, ricos e pobres; mas o Papa tem o dever, em nome de Cristo, de recordar
ao rico que deve ajudar o pobre, respeitá-lo, promovê-lo. O papa exorta à
solidariedade desinteressada e a um retorno da ética para o bem do homem, na
sua realidade financeira e econômica.
A Igreja, por
sua vez, trabalha sempre para o desenvolvimento integral de cada pessoa. Neste
sentido, ela recorda que o bem comum não deveria ser um simples acréscimo, um
simples esquema conceitual de qualidade inferior, inserido nos programas
políticos.
A Igreja encoraja
os governantes a estarem, realmente, a serviço do bem comum das suas
populações. Ela exorta os dirigentes das realidades financeiras a levarem em
consideração a ética e a solidariedade. E por que não se dirigirem a Deus para
inspirar seus desígnios? Assim, poder-se-ia criar uma nova mentalidade política
e econômica, a fim de contribuir para transformar a dicotomia absoluta entre a
esfera econômica e a social em uma sã convivência.
Enfim, saúdo
com afeto, através dos senhores, os Pastores e os fiéis das comunidades
católicas presentes em seus Países. Exorto-os a continuar o seu corajoso e
alegre testemunho de fé e de amor fraterno ensinados por Cristo.
Não tenham
medo de oferecer a sua contribuição para o desenvolvimento dos seus Países,
mediante iniciativas e atitudes inspirados nas Sagradas Escrituras! E, no
momento em que inauguram a sua missão, faço-lhes, Senhores Embaixadores, as
minhas melhores felicitações, assegurando a colaboração da Cúria Romana para o
cumprimento da sua função.
Enfim,
invoco, com prazer, sobre os senhores e seus familiares, como também sobre seus
colaboradores, a abundância das Bênçãos divinas.
Palácio Apostólico do Vaticano em 16 de maio de 2013.
domingo, 12 de maio de 2013
Ignácio Rangel.
Ignácio Rangel foi um grande economista brasileiro, porém desconhecido e pouco estudado em nossas aulas de Economia. MARCELO MITERHOF, economista do BNDES, escreveu este artigo na FOLHA, o qual compartilho para conhecimento dos meus, ainda espero, dois fiéis leitores.
Antecipo as
homenagens pelo centenário de Ignácio Rangel, que será em fevereiro de 2014.
Faço isso porque nas últimas semanas distintos temas tratados neste espaço
fazem lembrar dele, em especial sua capacidade de aliar uma criatividade aguda
para elaborar conceitos com um senso de realidade raro entre economistas.
Uso textos
como "O papel da inflação", publicado na Folha de 30/07/1990,
indicação do economista Thiago Mitidieri, com quem discuti sobre Rangel.
Nos anos 30,
Rangel entendia que a industrialização precisaria vir junto com a reforma
agrária. Mais tarde, reconheceu que no Brasil a industrialização, se não fosse
um projeto de lideranças dos proprietários rurais, teria sido natimorta.
No entanto,
isso não ocorreria sem graves problemas. A mecanização do campo sob uma
estrutura fundiária concentrada jogaria muitas pessoas nas cidades, sem que
houvesse ocupação suficiente na indústria e nos serviços para absorvê-las, o
que favoreceu a repressão salarial, travando o adensamento do mercado interno,
o motor da industrialização brasileira.
Avançar na
industrialização -- dos bens leves para os de consumo duráveis e daí para a
indústria pesada -- era o jeito de continuar criando perspectivas. Porém os
avanços ocorriam por saltos na estrutura produtiva em ciclos mais ou menos
decenais, prósperos na primeira metade e recessivos na outra.
Não era
tarefa fácil. Havia capacidade ociosa, por conta das grandes economias técnicas
de escalas, e também estrangulamentos produtivos, fruto de desequilíbrios
próprios de uma mudança estrutural e de restrições de divisas externas.
A inflação
tinha até os anos 60 um comportamento inesperado, se intensificando na
recessão. Os baixos ganhos salariais faziam a demanda agregada no Brasil ser
estruturalmente deprimida, pois dependente do investimento.
Para Rangel,
a inflação tinha outra fonte de aceleração: uma estrutura de mercado
cartelizada, que elevava seus lucros espremendo tanto os consumidores finais
quanto os produtores, em especial nos bens agrícolas. Como a procura de
alimentos é pouco elástica, o aumento de seus preços fazia cair o consumo de
outros bens pelos assalariados, aprofundando a recessão.
Mas a
inflação era útil. Ao penalizar a liquidez, incentivava imobilizações - tanto
pela antecipação da compra de bens duráveis pelos mais ricos quanto em
investimentos incrementais -- quando um ciclo de mudança estrutural dava sinais
de excesso de capacidade.
Essa
imobilização especulativa mitigava a recessão e permitia alinhar as condições
institucionais e o planejamento dos investimentos que fariam parte da nova fase
de expansão industrial.
Rangel não
vituperava contra a inflação, mas tampouco aderiu a ela, sabendo que seu papel
foi circunstancial. A retomada do desenvolvimento viria pela realização de
aperfeiçoamentos institucionais que o novo status de nação industrial exigia.
Para isso, o capital financeiro precisava se integrar ao industrial, o que
permitiria melhor coordenar os investimentos, algo que o país ainda está longe
de ter.
Também estava
claro que a capacidade de expandir a infraestrutura por meio de empresas
públicas tinha se esgotado. Rangel tinha apontado nos anos 60 que esse modelo
era útil, mas esbarraria na limitação de endividamento da União, o que ficou
patente no início dos anos 80. Então, era preciso regenerar os sistemas de
garantias, o que envolvia mudar o direito das concessões e realizar
privatizações.
Hoje, a
infraestrutura no Brasil se expande por meio do "project finance", em
que sociedades de propósitos específicos, com controle privado, financiam os
projetos com base na receita esperada. Nisso, a ideia de Rangel vingou.
Rangel não se
furtava a mudar de posição, mas sem trocar uma crença idealizada no
desenvolvimentismo e na cooperação por outra igualmente idealizada no
liberalismo e na competição. Ele se manteve de esquerda e heterodoxo.
Isso não o
impediu de transigir em questões concretas, defendendo que a industrialização,
para se viabilizar, precisou da elite agrária e que a inflação não era um mal
absoluto. Quando o projeto industrial mostrou sinais de esgotamento, defendeu
as privatizações, antes de elas virarem uma efetiva bandeira liberal.
É possível
discordar de Rangel em vários pontos, mas, houvesse mais economistas como ele,
a economia avançaria bem mais, tanto como teoria quanto na política.
A lei da demanda.
SAMUEL PESSÔA , doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, escreveu neste domingo na FOLHA sobre a lei da demanda sobre escolhas morais.
Em geral, a
elevação do preço de um bem reduz a quantidade consumida desse bem. Esse
princípio geral é conhecido por lei da demanda.
É possível
que haja exceções. A mais famosa é a demanda de alimentos baratos de elevado
valor calórico e baixo conteúdo proteico.
Pode ser o
caso de arroz na China de hoje; batatas na Irlanda ou pão na Inglaterra, ambos
no século 19; farinha de mandioca no sertão nordestino na segunda metade do
século passado etc.
Nesses casos,
a maior parcela do orçamento familiar é comprometida com o consumo do alimento
barato com elevado conteúdo energético e baixo conteúdo proteico.
Devido às
necessidades calóricas mínimas diárias, a elevação do preço do alimento rico em
calorias reduz muito a renda disponível para aquisição de alimentos de maior
qualidade. A demanda pelo alimento mais barato (apesar de este ter ficado mais
caro) sobe, dado que a família não tem renda suficiente para adquirir proteína.
Os bens que
não obedecem à lei de demanda são chamados de bens de Giffen. O debate
brasileiro em torno de escolhas morais sobre diversos assuntos aparentemente
está povoado de bens de Giffen.
É comum
lermos que a redução da maioridade penal elevará a criminalidade entre jovens,
que a descriminalização do aborto reduzirá o número de abortos, que a
liberalização das drogas reduzirá o consumo de drogas e que a criminalização da
prostituição elevará a prática do comércio sexual.
Em todos
esses casos, o preço de um bem subiu (ou desceu) e o consumo, segundo alguns
analistas, elevou-se (ou reduziu-se).
Tenho
dificuldade de imaginar que a elevação do custo ao menor que cometer crimes
eleve a quantidade de crimes praticados pelo menor infrator ou que a elevação
do custo do comércio sexual aumente seu consumo.
É igualmente
difícil racionalizar que a redução do custo de cometer aborto ou de consumir
droga reduza o número de abortos ou o uso de drogas.
Nada impede
que as alterações legais elencadas tenham outras consequências e que estas
possam ser empregadas como argumentos contrários ou favoráveis à alteração
legal.
É possível
que a descriminalização do aborto reduza o número de mulheres mortas em função
de procedimentos médicos inadequados.
Também é
possível que a legalização do consumo e do comércio de drogas reduza a
violência e o número de homicídios ou que a criminalização da prostituição
aumente a criminalidade.
Finalmente, é
perfeitamente possível e justo defender posições favoráveis ou contrárias a
esta ou aquela instituição, independentemente de suas consequências.
É possível
ser favorável à legalização do comércio e consumo de drogas em função do
princípio de liberdade de escolha individual.
Analogamente,
é possível ser favorável à redução da maioridade penal em função do princípio
da responsabilização individual.
Novamente
independentemente do impacto da redução da maioridade penal sobre a
criminalidade.
O mesmo
princípio de liberdade de escolha individual aplica-se à manutenção da
prostituição como atividade lícita.
O que não
parece muito útil nem produtivo é enxergarmos bem de Giffen em toda parte.
Confunde e dificulta o avanço do debate.
Os bens de
Giffen são mais raros do que imaginamos. Até hoje os economistas têm dúvidas se
a batata na grande fome na Irlanda no século 19 poderia ser de fato considerada
bem de Giffen!
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Economia brasileira não volta a ter expansão de 7%. Alguma dúvida?
Leio na FOLHA entrevista com o economista
Dani Rodrik, professor de política econômica internacional da Universidade
Harvard e um dos maiores especialistas em economia do desenvolvimento.
Segundo Rodrik, o ambiente global benéfico -- alto crescimento da China,
elevados preços das commodities, países avançados em expansão -- não vai se
repetir. "É realista esperar uma taxa de crescimento de 3% a 4% no
Brasil", disse à Folha Rodrik, que participou de seminário da
revista "Carta Capital".
Folha - O Brasil cresceu 0,9% em 2012 e há uma percepção de que o modelo
de crescimento baseado em consumo se esgotou. O que o sr. acha?
Dani Rodrik - Dois anos atrás, todo mundo dizia que o Brasil estava vivendo um
novo milagre econômico. Eu achava que era um enorme exagero. Agora, as pessoas
estão tirando conclusões apressadas em cima de apenas um ano de crescimento.
O Brasil não vai mais crescer 7%, como no milagre econômico antes da crise da dívida ou mesmo em 2010 [7,5%]. É realista esperar uma taxa de crescimento de 3% a 4%. Se o contexto global ajudar, 5% será uma taxa razoável.
O Brasil não vai mais crescer 7%, como no milagre econômico antes da crise da dívida ou mesmo em 2010 [7,5%]. É realista esperar uma taxa de crescimento de 3% a 4%. Se o contexto global ajudar, 5% será uma taxa razoável.
O sr diz que, a partir de agora, alto crescimento no mundo será exceção.
Como se situa o Brasil nesse cenário?
As condições que permitiram crescimento de 7% a 8% não vão se repetir. Antes,
tínhamos os estágios iniciais da industrialização --ao tirar mão de obra da
zona rural ou do setor informal e levar para as indústrias, tínhamos ganhos de 400%
na produtividade. Agora, não teremos grandes ganhos sem mais investimentos em
educação e tecnologia. Com as mudanças tecnológicas, a indústria é muito mais
intensiva em capital e não absorve tanta mão de obra. E o Brasil, na realidade,
já atingiu o pico de industrialização e está agora se desindustrializando. Mas
isso é verdade para a maioria dos países. É inevitável. A discussão agora é a
velocidade da desindustrialização, se está mais rápida do que deveria. A
indústria não mais será o motor do crescimento. Serviços e outras áreas irão
gerar ganhos de produtividade.
O sr. ficou decepcionado com a decisão dos Brics [Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul] de criar um banco de desenvolvimento...
Essa é uma noção dos anos 50, de que é preciso ter financiamento de
infraestrutura. Frequentemente, o que emperra o desenvolvimento não é a falta
de financiamento, mas sim instituições frágeis, excesso de regulação, falta de
política industrial e moedas sobrevalorizadas. Financiamento é apenas um dos
fatores. Não me parece o foco apropriado para os Brics. Faltam ideias novas de
como consertar a globalização e criar uma nova relação entre emergentes e
ricos.
O sr. diz que os Brics precisam parar de se comportar como
"suplicantes". Qual é a mensagem que o Brasil deveria passar nos
foros mundiais?
Gostaria de ver o Brasil abordar o sistema internacional não como um país em
desenvolvimento dizendo que é pobre e precisa de ajuda. Em vez disso, o Brasil
precisa se posicionar como formador de políticas, que também tem grandes
responsabilidades. Em áreas como mudança climática, por exemplo, não haverá
redução de emissões se os emergentes não assumirem responsabilidade.
O que o sr. espera de Roberto Azevêdo à frente da Organização Mundial do
Comércio?
A agenda da OMC precisa mudar. A Rodada Doha morreu e as pessoas deveriam
simplesmente declarar isso. O real desafio para a OMC é estabelecer uma nova
narrativa, que não se restrinja a: "você reduz suas tarifas e em troca nós
abrimos nossos mercados". No momento, o maior problema não é a falta de
abertura comercial.
E o Brasil precisa mudar sua atitude. O Brasil ocasionalmente precisa proteger sua indústria, mas tem de entender que os países ricos passam por uma situação muito difícil e também precisam proteger a sua indústria. O Brasil, apesar de todas as elevações de tarifas recentes, não pode ser chamado de economia fechada. Aliás, acho que a atual estrutura de tarifas no Brasil é até positiva.
E o Brasil precisa mudar sua atitude. O Brasil ocasionalmente precisa proteger sua indústria, mas tem de entender que os países ricos passam por uma situação muito difícil e também precisam proteger a sua indústria. O Brasil, apesar de todas as elevações de tarifas recentes, não pode ser chamado de economia fechada. Aliás, acho que a atual estrutura de tarifas no Brasil é até positiva.
Por quê?
Porque, na margem, está dando uma proteção temporária para algumas indústrias
que estão sendo dizimadas pela valorização da moeda. Vivemos no mundo possível,
não no mundo doutrinário.
Qual é a importância de ter um brasileiro liderando a OMC?
O Brasil pode levar para a OMC uma abordagem pragmática, não doutrinária, que é
uma evolução da proposta radical de livre mercado --é assim a política
econômica do Brasil atualmente. Então ter um brasileiro no comando da OMC é
muito positivo.
O sr. classifica os países de mercantilistas ou liberais. Em que faixa
se situa o Brasil?
O Brasil é uma boa mistura -- usa regras liberais em seu sistema financeiro, políticas monetária e cambial, mas é mais mercantilista no que se refere às políticas industriais, proteção por tarifas, regras de conteúdo local e uso do BNDES. Talvez precise de menos liberalismo no fronte macroeconômico e mais no fronte comercial.
O Brasil é uma boa mistura -- usa regras liberais em seu sistema financeiro, políticas monetária e cambial, mas é mais mercantilista no que se refere às políticas industriais, proteção por tarifas, regras de conteúdo local e uso do BNDES. Talvez precise de menos liberalismo no fronte macroeconômico e mais no fronte comercial.
Como rasgar dinheiro, no caso, o seu.
Mais um caso para a série “Como rasgar dinheiro”:
Em 2012, lá no meu Ceará, foi inaugurado um aeroporto na cidade de Aracati a um custo de R$ 23.000.000,00. A pista do aeroporto é maior do que
a de Congonhas, um "pequeno" aeroporto que atende à cidade de São Paulo.
É triste saber que até
hoje não existe companhia aérea que atenda no aeroporto de Aracati, ficando o local aguardando voos que chegarão de Marte.
Gestão de dinheiro público é coisa séria. Pense nisso agora e em 2014.
Fonte: Revista EXAME.
domingo, 5 de maio de 2013
BC acompanhar superavit é erro.
SAMUEL PESSÔA, doutor em economia e pesquisador associado
do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, em sua coluna na FOLHA DE S. PAULO, escreve que o superavit primário não é o conceito correto
para avaliar o impacto do setor público sobre a economia.
Peço
desculpas ao leitor, mas o tema hoje é particularmente aborrecido. Trata-se, no
entanto, de questão muito relevante para o adequado manejo da política
monetária.
No dia 25
passado, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central divulgou a ata
da 174ª reunião, que ocorrera em 16 e 17. Nessa oportunidade, o Copom decidira
(com dois votos contrários e seis favoráveis) que era o momento de iniciar um
ciclo de elevação dos juros. A taxa Selic foi elevada em 0,25 ponto percentual,
de 7,25% para 7,50%. Os interessados podem ler a ata no site do BC
(http://www.bcb.gov.br/?COPOM174).
No 16º
parágrafo, na seção "Avaliação prospectiva das tendências de
inflação", o Copom apresenta para a sociedade o valor com o qual trabalha
para o superavit primário consolidado do setor público.
Segue o
texto: "Em relação à política fiscal, considera-se como hipótese de
trabalho a geração de superavit primário de R$ 155,9 bilhões em 2013, conforme
os parâmetros da LDO-2913 (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Para 2014,
admite-se, como hipótese de trabalho, a geração de superavit primário de R$
167,4 bilhões, conforme parâmetros constantes do PLDO-2014 (Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias)".
Ou seja, o
Copom considera em suas projeções que a meta cheia de superavit primário de
3,1% do PIB será observada.
O superavit
primário é a diferença entre a receita pública total e os gastos do setor
público exclusive juros. Se o primário for maior do que o pagamento de juros, a
dívida pública encolhe em termos absolutos. Se for menor, a dívida cresce.
Nesse último
caso, se o primário como proporção do PIB for maior que a diferença entre a
taxa de juros média que o setor público remunera sua dívida e a taxa de
crescimento do produto, a dívida como percentual do PIB reduz-se. A dívida
pública ano após ano tornar-se-á um fardo mais leve de ser carregado.
Ou seja, o
superavit primário é o conceito relevante para avaliarmos a evolução do
endividamento do setor público. Em particular, a receita pública que resulta da
venda pelo setor público de uma empresa ou de reservas petrolíferas aumenta o
superavit primário.
O problema é
que essa receita pública é diferente da receita de impostos. O imposto é uma
dedução da renda de um indivíduo. Assim, quando o setor público coleta renda de
um agente econômico por meio de um imposto, o setor público reduz a renda
disponível para o gasto desse agente. Com isso, o setor público contribui para
reduzir a demanda da economia.
Quando o
setor público vende uma empresa, não há redução de renda de ninguém. Alguém
tinha recursos monetários que foram transferidos ao setor público. Este, em
troca, transferiu a propriedade da empresa. Essa operação não altera a renda do
setor público nem a renda do setor privado.
Portanto, a
receita de privatização não reduz a renda do setor privado disponível para
gasto. Há diversas receitas que são contabilizadas no conceito de superavit
primário, mas que não contribuem para reduzir a demanda agregada.
Dado que a
preocupação do BC é com o controle da inflação, ele não deveria acompanhar o
superavit primário. Do ponto de vista do controle inflacionário, o BC tem que
saber qual é o balanço líquido entre as ações do setor público que reduzem a demanda,
por exemplo elevação dos impostos, e as ações que elevam a demanda, por exemplo
elevação do gasto público.
Além de o
superavit primário não ser o conceito correto para avaliar o impacto do setor
público sobre a demanda agregada na economia, há algumas possibilidades legais
que tornam a distância do primário de um indicador de demanda do setor público
ainda maior.
Por exemplo,
decidiu-se há alguns anos que os investimentos do PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) podem ser excluídos do cômputo do primário para efeitos de
atendimento da meta estabelecida em lei. Os gastos com o PAC, apesar dos
efeitos benéficos sobre a inflação no longo prazo, no curto prazo elevam a
demanda agregada e, portanto, devem ser considerados.
É urgente que
o BC construa um indicador do impacto do setor público sobre a demanda da
economia, divulgue sua metodologia e seu cenário para o indicador e o utilize
em suas projeções.
Inflação: tolerância zero hoje e boas notícias em 2014.
Em recente pronunciamento no Dia do Trabalho, a presidente Dilma Rousseff disse que "o Brasil seguirá na rota de crescimento com estabilidade,
distribuição de renda e diminuição das desigualdades, lutando pela redução de
impostos e pela diminuição dos custos para o produtor e o consumidor".
“É mais do
que óbvio que um governo que age assim e uma presidenta que pensa desta maneira
não vão descuidar nunca do controle da inflação. Esta é uma luta constante,
imutável, permanente. Não abandonaremos jamais os pilares da nossa política
econômica, que têm por base o crescimento sustentado e a estabilidade”,
afirmou.
Esperamos que sim, presidente, pois como nos alerta o genial Sinfrônio no nosso cearense Diário do Nordeste, a inflação não dorme em serviço e com ela não podemos ter uma conversa amigável. Se tivermos hoje tolerância zero com a inflação, boas notícias teremos para 2014.
Assinar:
Postagens (Atom)
A importância de debater o PIB nas eleições 2022.
Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...
-
Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...
-
O genial Sinfrônio , no cearense Diário do Nordeste , sempre consegue nos fazer rir mesmo no meio da diária tragédia econômica e políti...
-
Um ranking elaborado pela revista americana " Harvard Business Review ", especializada em administração e negócios , mostrou 26 ...