segunda-feira, 9 de maio de 2011

Rogoff e a crise da macroeconomia.

Abaixo excelente entrevista do Fernando Dantas com o economista KENNETH ROGOFF, publicada no ESTADÃO dia 08/05/2011. A leitura é tao instigante que nao merece ser caracterizada como longa.

Caros leitores, de início, peço desculpas por ficar tanto tempo sem postar. Andei muito ocupado, particularmente para pegar o ritmo de fazer um comentário econômico matinal todos os dias úteis na rádio Estadão-ESPN (logo depois das 7:50). Aliás, a partir de amanhã, vou ver se começo a linkar aqui esses comentários.

Abaixo, segue a versão completa, sem cortes, da entrevista que fiz com o Ken Rogoff e cuja versão mais sucinta foi publicada no Estadão no último domingo, dia 8 de maio. Rogoff é um acadêmico da pesada, incluído numa recente lista dos cinco economistas mais influentes do mundo (segundo os próprios economistas) publicada pela revista britânica The Economist. Nessa entrevista, o tema foi como a crise econômica global abalou as bases acadêmicas da macroeconomia, colocando em xeque convicções e modelos, e abrindo o caminho para a busca de novas direções para os pesquisadores. Acho que, para quem se interessa pelo assunto, vale ler a versão completa abaixo.

Fernando Dantas

No início de abril, o economista Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, participou de um encontro com o nome instigante de “Crise e Renovação: Economia Política Internacional na Encruzilhada”, organizado pelo Instituto para o Novo Pensamento Econômico (Inet, na sigla em inglês), patrocinado pelo bilionário e megainvestidor George Soros. O seminário, que visava discutir as transformações no pensamento econômico depois da crise global, foi realizado no mesmo hotel em que aconteceu o histórico encontro de Bretton Woods de 1944, no qual foi desenhada a arquitetura financeira internacional do pós-Guerra.

Ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), e um dos economistas mais prestigiados da atualidade, Rogoff é o autor, junto com Carmen Reinhart, do livro Oito Séculos de Delírios Financeiros: Desta Vez é Diferente, que faz um levantamento de 800 anos de crises econômicas e financeiras, e é considerado um marco na literatura econômica pós-crise global.

Apesar de ser um economista que frequentemente se posiciona a favor da ortodoxia, Rogoff critica com firmeza os modelos econômicos que pintam um mundo de mercados perfeitos, e nos quais não existem as imperfeições do sistema financeiro, que criam bolhas como a que causou a recente crise global. Ele acha, inclusive, que esse tipo de pesquisa acadêmica contribuiu para que as autoridades econômicas fechassem os olhos para a imensa bolha financeira e imobiliária que se irradiou pelo mundo rico, a partir dos estados Unidos.

Rogoff defende um novo papel para os BCs, em que a vigilância sobre as bolhas se some à atividade tradicional de controlar a inflação. Mas ele avisa que não vai ser nada fácil, já que a tendência histórica, detectada em Desta Vez é Diferente, é de que as autoridades relaxem ainda mais as regras em tempos de euforia. A seguir, a entrevista, concedida por telefone:

Como foi a sua participação no seminário de Bretton Woods?

Participei na sessão de abertura, um painel que também incluiu George Soros. Nós tínhamos que olhar de forma ampla para a economia global e para como a macroeconomia estava ou não estava nos ajudando a pensar sobre ela. Encontrei-me, como frequentemente acontece, representando a ortodoxia e argumentando que a economia convencional estava longe de ser inútil. Mesmo que a matemática não seja tudo, você tampouco pode dizer que não seja nada. Mas concordo plenamente que os economistas cultuaram demais os modelos matemáticos, que eles se tornaram um pedaço grande demais da profissão. Mas, ao mesmo tempo, eu não iria concordar que são inúteis.

Trabalhos com pouca matemática podem ser importantes também, portanto.

Eu contei duas histórias na minha apresentação para ilustrar esse ponto. Fui aluno de Charles Kindleberger, que escreveu o famoso livro Manias, Pânico e Crashes, um dos trabalhos mais influentes já feitos. Eu fazia pós-graduação no MIT quando ele estava escrevendo aquele livro, e não realizei como era um trabalho importante. E isso porque, quando eu era estudante, o que ele estava fazendo não era considerado pesquisa de fato, porque não era muito técnico, não tinha muitos dados, modelos ou matemática. Nós estudantes não tínhamos profundidade de compreensão para realizar como era importante. A segunda história foi mais recente. Estávamos no café do Departamento, professores e estudantes de pós-graduação, batendo papo. Um dos melhores pós-graduandos estava elogiando meu livro com a Carmen, dizendo que era fantástico, que se tornaria um clássico. E aí, ele emendou: “Agora, que você terminou, vai voltar a fazer pesquisa”?

O que isso mostra, para o sr?

Isso captura um certo tipo de mentalidade que tomou conta da profissão. Mesmo que eu e Carmen tenhamos gastado sete anos escrevendo o livro, tanhamos feitos buscas em todas as bibliotecas, tenhamos coletado todos esses dados novos, tenhamos feito algo que julgamos ter muitos insights, o livro está tão fora da corrente principal, porque não tem muita matemática, que os estudantes acabam achando que não é pesquisa.

A crise econômica global e a Grande Recessão derrubaram pontos importantes da macroeconomia?

Sim. A crise minou uma ferramenta importante e central: os modelos macroeconômicos que tanto economistas como gestores de bancos centrais utilizam. Esses modelos pressupõem um grau muito alto de desenvolvimento financeiro, tangenciando a perfeição. Eles pressupõem que os mercados financeiros funcionam de forma muito eficiente e perfeita, num sentido muito profundo. E tipicamente se pressupõe que todas as fricções, todas as imperfeições, estão no mercado de bens e de trabalho. Então, discussões salariais podem ter imperfeições, a precificação de produtos pode ter imperfeições, mas, nos mercados financeiros, as imperfeições são tão minúsculas que nós não nos preocupamos com elas. Na verdade, nós colocamos (o mercado financeiro) num pedestal e tratamo-lo como inconcebivelmente perfeito. Não é que todos os modelos façam isso, mas a vasta, vasta maioria, certamente o consenso pressupõe isso.

De maneira mais geral, há uma idealização do mercado?

Sim. Por exemplo, (Finn Erling) Kydland e (Edward) Prescott ganharam o prêmio Nobel (de 2004) pela sua teoria do ciclo de negócios (ciclo econômico) real, que essencialmente pressupõe que tudo é perfeito na Economia, que nós vivemos num mundo de absoluta eficiência. Um mundo no qual não existe nenhum monopólio, nenhuma imperfeição financeira, não há nem mesmo imperfeições no mercado de trabalho. É muito bonito, mas é profundamente oco em termos empíricos. Isso é um extremo, mas o trabalho de (Robert) Lucas, também considerado um grande ganhador do Prêmio Nobel, cai na mesma categoria de ser muito, muito bonito, mas com pressuposições de mercados financeiros perfeitos, mercado de trabalho perfeito, tudo perfeito. Mas tem um aspecto de absurdo. É como a velha história sobre procurar o objeto perdido apenas debaixo do poste de iluminação, com a explicação de que só ali está iluminado.

E por que os modelos macroeconômicos partem de pressuposições tão irrealistas?

O problema é que, quando você quer olhar para modelos mais complexos, tudo rapidamente se torna muito mais complicado. O que nós realmente entendemos em Economia, num nível profundo, e o que dá base a todos os nossos modelos, é que a demanda é igual à oferta. E, se não for, o preço se move até que a demanda fique igual à oferta. Poderia ser o preço de salários, do limão, do risco, das ações – o preço de tudo se move até que a demanda encontre a oferta. Há mais algumas pressuposições simplificadoras, como a de que não há monopólios, cuja presença cria muitos problemas, porque causa distorção. Não é uma pressuposição universal (nos modelos), mas é comum. E outra, finalmente, é que não há imperfeições na informação. Todo mundo sabe tudo, você não tem nenhum segredo. E isso é em parte a razão pela qual você pode diversificar seu risco tão bem nos modelos, porque você não pode trapacear – porque todo mundo sabe tudo.

Qual o problema dessas pressuposições?

Bem, a crise financeira, o desemprego, e diversas outras coisas acontecem porque os preços não se movem para fazer com que a demanda se iguale à oferta. E, assim que a demanda não se iguala à oferta, nós economistas ficamos impressionantemente sem ferramentas. No final das contas, se você retira da gente a pressuposição de que os preços sempre se movem para tornar a demanda igual à oferta, não sobra muito nos nossos modelos matemáticos.

O sr. poderia dar um exemplo?

Há 70 anos, desde que Keynes escreveu sua obra, há uma consenso de que os mercados de trabalho não funcionam daquela forma. Quando os salários são muito altos, as pessoas ficam desempregadas. E, dessa forma, o preço não cai imediatamente para tornar a demanda igual à oferta, porque as pessoas não fazem esse compromisso. O modelo não funciona. Agora, uma vez que isso acontece, isso significa que as empresas contratam a quantidade de trabalho que querem àquele alto custo dos salários, ou são os trabalhadores que oferecem o que querem? Nós meio que pressupomos que acontece o primeiro caso, que as empresas conseguem o que elas querem, mas, se você não está na interseção entre as curvas de demanda e oferta, onde de fato você está? E acontece que não há nenhuma resposta fácil a essa pergunta. Esses exemplos são tão simples, mas estão no coração do debate.

Como os economistas ligados àqueles modelos reagem a esse tipo de questão?

O que Kydman, Prescott e Lucas disseram foi o seguinte: “Olhem, se a gente sair fora da demanda igualando-se à oferta, em cada mercado, e a cada momento do tempo, nós subitamente perdemos toda a nossa credibilidade intelectual. E não deveríamos fazer isso”. Mas o problema é que você tem 20% de desemprego na Espanha. Como pode acontecer, se a demanda se iguala à oferta? As pessoas se perguntam: “O que vocês economistas estão deixando de perceber?” Houve a crise financeira, os preços das casas desabando e as pessoas incapazes de vender suas casas. A demanda não se igualou à oferta e o preço não se moveu rápido o suficiente. E ainda tem a pressuposição de que todo mundo mantém a sua palavra. Se você toma dinheiro emprestado, irá pagar de volta. Se você diz que vai distribuir ações da sua firma, não trapaceia depois. A hipótese de que isso não aconteça não está no modelo.

A confiança nesses modelos foi uma das causas da crise global?

Acho que sim, porque eles deram uma sensação falsa de segurança. O Alan Greenspan (ex-presidente do Federal Reserve, Fed, banco central americano) saiu por aí dizendo para todo mundo para não se preocupar com todos aqueles derivativos (operações financeiras) complexos porque, na verdade, eles estavam tornando os mercados financeiros mais eficientes, porque eles estava aproximando o mundo real e os mercados financeiros do mundo idealizado de Lucas, de Kydland, de Prescott, e dos economistas (Kenneth) Arrow (prêmio Nobel de 1972) e (Gérard) Debreu (prêmio Nobel de 1983) e de todos os seus maravilhosos modelos canônicos.

Como isso aconteceria?

Greenspan disse que (os derivativos) estavam apenas movendo os mercados financeiros na direção certa, estavam ajudando a pulverizar o risco, a tornar o mundo mais seguro, menos volátil e menos arriscado. Ele estava pensando em termos dos modelos acadêmicos convencionais, e não em termos de modelos nos quais existe má informação, e nos quais as pessoas trapaceiam, não pagam o que devem. A história mostra que este tipo de coisa acontece o tempo todo. Aliás, antes da crise, havia toda uma indústria de análises sobre a Grande Moderação, e por que ela estava acontecendo.

O sr. poderia explicar melhor o conceito de Grande Moderação?

A Grande Moderação era a ideia de que, graças a melhores mercados financeiros, à melhor política monetária e à globalização, o mundo tinha se tornado um lugar menos volátil, no qual as crises eram menores. Assim, o consumo, a produção e todas as variáveis macroeconômicas, e particularmente o desemprego, também eram menos voláteis. E esse mundo mais seguro e menos arriscado, por outro lado, poderia crescer mais rápido, devido ao fato de que havia essa maior segurança.

E foi tudo uma ilusão?

Sim, foi totalmente uma ilusão. Eu escrevi um trabalho paper para Jackson Hole (conferência anual organizada pelo Fed de Kansas City) em 2006 argumentando que era uma ilusão. Se você olhar para os mercados financeiros, não havia a mais leve evidência da Grande Moderação. O mesmo se você olhasse as taxas de câmbio. E isso deveria despertar suspeitas, porque são (mercados) que apontam para o longo prazo. Além disso, é preciso muito cuidado em generalizar a partir dos dados de algumas décadas que mostram menos volatilidade. A história da Grande Moderação foi muito estimulada pelo Fed, por todos os bancos centrais. Porque eles tomaram para si o crédito: “Somos parte disso, graças à melhor política monetária, isso está acontencendo”. Não quero dizer que esteja completamente errado, mas foi um vastíssimo exagero.

Essas lições foram aprendidas pelos economistas depois da crise?

É cedo demais para dizer. O (Robert) Lucas escreveu na The Economist um artigo muito defensivo, basicamente na linha do “nós fizemos tudo certo”. A maior parte dos macroeconomistas mais velhos continuaram a fazer exatamente o mesmo trabalho que faziam antes, sem nenhum sentido de auto-consciência. Porém, se você olhar os pesquisadores mais jovens, entre vinte e tantos e trinta e poucos anos, eles estão dispensando totalmente os velhos modelos e buscando algo novo. Há um grande consenso entre os jovens pesquisadores de que os velhos métodos não funcionam, e de que precisamos achar uma nova abordagem.

E o que há de novo?

Está todo mundo, mas todo mundo mesmo, entre os jovens pesquisadores, tentando introduzir (nos modelos macroeconômicos) fricções e imperfeições do mercado financeiro, de uma maneira construtiva. É muito desafiador, mas isso é o que todo mundo está tentando. Esse é de longe o tópico mais popular no mercado de novos doutores este ano, o que os melhores pós-graduandos estão fazendo. Mas não significa que alguém já tenha de fato chegado lá.

E a economia comportamental, que busca incluir as características da psique humana?

A economia comportamental é excitante, mas neste momento é uma disciplina com 40 modelos diferentes para 40 diferentes fenômenos. A corrente principal da Economia, como eu disse, tem a oferta igual à demanda como uma estrutura unificadora. E a economia comportamental não tem algo desse tipo. Então eu acho que a economia comportamental ainda está lutando para se estabelecer, apesar do fato de ter recebido um prêmio Nobel (Daniel Kahneman, em 2002), e apesar do fato de que há muito excitamento. Mas ela ainda tem muito poucos sucessos reais em termos de achar um arcabouço econômico que possa substituir o atual arcabouço. Aliás, um fato particularmente interessante é que há pessoas trabalhando para entender como efetivamente o cérebro funciona, e como isso afeta decisões e potencialmente nos ajuda a entender economia. Pode ser que em 30 anos nós tenhamos modelos biológicos que ajudem a prever fenômenos econômicos, quem sabe? Mas a verdade é que não sabemos de onde virá a próxima grande revolução na Economia.

O que o sr. acha da ideia de que a crise global trouxe de volta o pensamento de (John Mainard) Keynes (economista britânico falecido em 1946, considerado um dos mais importantes de todos os tempos, e cuja obra é a base para a defesa de gastos fiscais para tirar países de recessões muito profundas ou depressões)?

Eu acho que essa ideia é um grande exagero, e não vem da própria profissão. As pessoas que fazem pesquisa acadêmica no dia a dia não estão pensando nisso. Bem, eu diria que há talvez uma visão de que a política fiscal possa ser mais efetiva quando as taxas de juro atingiram zero. É uma ideia que está circulando há algum tempo. Os pioneiros foram economistas do Fed nos anos 90, e (Paul) Krugman (prêmio Nobel de 2008) a endossou, e agora há muitos trabalhos sobre isso. Mas a maior parte da pesquisa acadêmica em política fiscal keynesiana mostra efeitos muitos mesclados. A pesquisa não dá um forte suporte à idéia. É um suporte relativo, fraco. Não é supernegativo, mas não é superpositivo. E acho que ideia de que a crise financeira trouxe Keynes de volta será esmagada à medida que as pessoas começarem a entender o problema de dívida que todos os países ricos estão encarando.

E como os economistas estão analisando os efeitos da maciça política de estímulo fiscal aplicada pelos países depois da crise global?

A minha própria visão é que foi muito menos importante do que a política monetária e a política de sustentar o o sistema financeiro. Essas foram muito mais efetivas do que a política fiscal. Mas nós ainda estamos debatendo a Grande Depressão na academia, e certamente estaremos debatendo essa última crise por muito tempo. Simplesmente é muito cedo para dizer. Se houver uma nova crise de dívida soberana, com problemas nos Estados Unidos, no Japão e no Reino Unido, isso vai influenciar a forma como as pessoas encaram essa política. Todos nós sabemos – e certamente vocês, no Brasil, sabem – que, se o governo espalha muito dinheiro na economia, ele ajuda o crescimento por um certo período, mas depois atrapalha. Tem gente que diz que Keynes voltou, como Krugman, na sua atividade jornalística, e (o historiador econômico e biógrafo de Keynes, Robert) Skidelsky. Talvez eles estejam certos, mas eu diria que, se você fizer uma votação na Associação Americana de Economia, essa ideia não terá muito apoio.

A crise levou a uma revisão do papel dos bancos centrais?

Em uma entrevista em 2004, Ben Bernanke (chairman do Fed desde 2006), perguntado sobre se os bancos centrais deveriam combater a inflação no preço dos ativos (ações, imóveis, etc), disse que isso era um trabalho dos reguladores, e que a política monetária deveria focar na inflação (de bens de consumo). O problema com essa visão é ser baseada na noção de que, quando a regulação é boa, os mercados são bastante perfeitos, e então tudo o que a política monetária precisa fazer é se preocupar com a inflação. A regulação está longe de ser perfeita, os mercados estão longe de perfeitos. Agora, portanto, há a ideia de que o banco central seja contracíclico. Então, por exemplo, se a economia está crescendo velozmente, ele pode querer apertar a regulação, de forma que não se tenha tanto aumento de crédito e se evitem bolhas. É a regulação macroprudencial. Faz muito sentido, mas é difícil de fazer. No Desta Vez é Diferente, Carmen e eu mostramos que, historicamente, a coisa vai na direção contrária. Quando há um boom, a regulação é relaxada – é um comportamento humano muito comum.

E quanto à regulação financeira em geral? O que mudou com a crise?

Certamente precisamos de mais independência para os legisladores, de partilhar mais informação, de mais regulação internacional. Mas o que se vê é que a Lei Dodd-Frank (de 2010, que visa reformular o sistema financeiro americano) é um esforço para manter exatamente o mesmo sistema que os Estados Unidos tinham antes da crise, com pequenas modificações para torná-lo um pouco melhor. Mas não está claro que isso seja suficiente.

O que está faltando?

Eu acho – e muitos acadêmicos argumentam na mesma direção – que os bancos deveriam ser obrigados a se financiar muito mais com capitalização (emissão de ações), e menos com captação por meio de bônus. Eu acho que a maioria dos acadêmicos diria que o novo acordo de Basileia (que estabelece parâmetros globais para regulação de bancos) pede um aumento de capitalização que não chega nem perto do que seria necessário. É um debate muito engessado. Dizem que, se os bancos tiverem de ter muito capital, não vão emprestar. É um equívoco total. É possível levantar dinheiro tanto no mercado de bônus quanto emitindo ações, como qualquer empresa. Os bancos usam bônus desproporcionalmente porque sabem que vão ser salvos quando houver problemas, e assim podem tomar emprestado muito barato. Se todo mundo acha que eles serão salvos, ele podem captar muito barato. Então é preciso mudar o sistema dramaticamente, para que ele seja muito mais capitalizado. Nesse debate, acho que os acadêmicos são claramente favoráveis a mudanças muito maiores do que as autoridades econômicas.

Por quê?

Os reguladores sãos muito cautelosos quanto a mudar qualquer coisa. Eles foram convencidos pelo setor financeiro de que todo o crédito ia entrar em colapso, caso os bancos tivessem que levantar dinheiro com mais emissões de ações em vez de dívida.

O Brasil está num momento complexo de sua política econômica, com medidas macroprudenciais para ajudar no combate à inflação, controles de capital, intervenções no câmbio. Qual a sua visão?

Bem, não tenho muito conhecimento de causa, mas a minha sensação, falando com amigos no Brasil e lendo sobre o País, é que permanecem problemas importantes, como o governo ser grande demais, e entraves no mercado de trabalho e em outros mercados que impedem a economia de operar tão eficientemente quanto deveria. A grande pergunta é se o novo governo vai ser mover na direção certa. O primeiro Lula fez isso, o segundo Lula, não. Quanto aos pontos que você ser referiu, minha impressão é que (o governo) está se debatendo um pouco, que muitas daquelas medidas não são efetivas mas, por outro lado, é correto o instinto da equipe econômica de que, por causa de todos os fluxos de capital e do boom de crédito, eles deveriam se preocupar com a possibilidade de uma crise financeira em alguns anos. Eles estão certos de ser cautelosos, e o instinto de usar políticas macroprudenciais é muito bom.

domingo, 8 de maio de 2011

Quem ganha com um Pará dividido em tres?

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Já foi professor de jornalismo na USP e, hoje, ministra aulas na pós-graduação da PUC-SP. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Ele mantem o blog do qual sou leitor e náo poderia deixar de divulgar o seu otimo post de hoje. Leiam com atencao e imparcialidade. A decisao é nossa!!!

http://blogdosakamoto.uol.com.br

A Câmara dos Deputados aprovou um plebiscito sobre a criação dos Estados do Carajás – com provável capital em Marabá, abrangendo o Sul e Sudeste do Estado do Pará – e do Tapajós – tendo Santarém à frente e englobando a metade Oeste do Estado.

Um amigo de Belém brinca dizendo que eles podem ir embora, mas as jazidas minerais e as hidrelétricas ficam – piada semelhante a uma contada anos atrás, quando o minúsculo movimento que deseja a independência da região Sul do restante do país era mais ativo, que dizia que eles podem ir, mas Itaipu e Florianópolis ficam.

A verdade é que a criação de ambos os Estados não foge muito ao padrão de movimentos separatistas. Uma elite local, insatisfeita com a impossibilidade de obter o poder sobre o Estado, move-se para criar a sua própria unidade. A insatisfação também reside no desconforto de ter que dividir o bolo proveniente da exploração de riquezas naturais com outros que não os da região.

Aí começa uma ação para criar uma identidade local, mesmo que ela não exista antes, através de um processo reativo à capital, seus símbolos e o que ela representa. Nós versus “Os de fora” que querem nos explorar e não nos dão nada em troca, que não constroem hospitais, que não asfaltam nossas rodovias, que roubam nossas mulheres, espancam nossos filhos, enfim. Mesmo que a situação social e econômica na área do “estrangeiro” seja semelhante. Isso não importa, o que importa é que funcione para o processo de conscientização das massas visando ao plebiscito.

Forjam-se heróis regionais, que podem ser inclusive figuras políticas ou empresários “desbravadores” (meu medo é que o pessoal escolha algumas famílias imponentes como referência, famílias que usaram trabalho escravo, foram envolvidas em graves problemas fundiários ou mesmo em casos de impunidade por violência).

(Paulistas ficam chocados com isso, até porque, por aqui, os eleitos foram gente boa, como Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho e por aí vai. Ou você acha que a escolha dos bandeirantes como heróis estaduais foi aleatório? Que recado passamos, com isso, ao restante da nação?)

Pemoamordedeusjesusmariajosé, não estou dizendo que todo o movimento por auro-determinação não é legítimo, apenas que muitos não são. Um bom indicador é ver se ele tem base popular ou não, se é de conchavos das elites. Quem anda pelo Sul-Sudeste do Estado há anos já está acostumado com os mapas do Estado do Carajás ostentando as paredes de muitas empresas. Mas não, em mesmo número, as de sindicatos.

Em princípio, a descentralização de gestão tem vantagens: a proximidade entre provedores e usuários de serviços permite redução de custos, há um melhor fluxo de informação e um mais controle sobre gastos e fiscalização sobre o cumprimento das leis. Porém, tudo isso em teoria. A implementação é outra coisa e é tão difícil que isso aconteça quanto a configuração atual do Estado alterar sua política para atender melhor as demandas da população distante da capital.

De 1940 até os dias atuais, o país sofreu 17 alterações na configuração de suas unidades político-administrativas através da criação e extinção de estados e territórios federais. As últimas modificações do gênero ocorreram com a Constituição de 1988, que deu origem ao Tocantins, elevou os territórios de Amapá e Roraima à categoria de estados e anexou o território federal de Fernando de Noronha a Pernambuco. A informação é do jornalista André Campos, da Repórter Brasil, que pesquisou a fundo o tema. Trago, a seguir, algumas informações de sua apuração.

Dezenas de projetos de novos estados e territórios federais – entidades governadas diretamente pela União – tramitam atualmente no Congresso Nacional, provocando debates emocionados que incluem conflitos entre elites locais, acusações de interesses políticos pela criação de cargos e amplas divergências sobre como combater as desigualdades e trazer desenvolvimento a regiões isoladas do país. Além do Pará, Mato Grosso, Bahia, Amazonas são alguns dos que estão na mira da fragmentação.

O primeiro passo para a criação de estados ou territórios é a aprovação, na Câmara e no Senado, de projeto que convoca a realização de plebiscito entre a população diretamente interessada. Caso o resultado seja favorável à divisão, cabe novamente ao Congresso Nacional ouvir as respectivas Assembléias Legislativas e aprovar uma lei complementar sobre o tema. Qual seria exatamente a “população interessada”, porém, é ainda motivo de grandes controvérsias. Em 1998, foi aprovada a lei 9.709, que determina ser tanto a da área que se pretende desmembrar, quanto a da que sofrerá desmembramento. Partidários de propostas de emancipação buscam ainda mecanismos para que o plebiscito seja realizado apenas na área da suposta nova unidade federativa, onde a aceitação da proposta tende a ser muito maior.

Além de discussões jurídicas, outro acalorado ponto do debate é o provável aumento que novas unidades federativas trariam às já consideráveis distorções de representatividade existentes no parlamento brasileiro. Pela Constituição, cada estado tem direito a, no mínimo, oito deputados federais, além de três senadores. São Paulo, que ocupa o teto de representantes (70), tem o voto de seu eleitor valendo muito menos que o de Roraima, Estado com menor população. A imensa maioria das propostas de divisão, vale lembrar, concentra-se em áreas drasticamente menos povoadas do que os grandes centros do eixo Sul-Sudeste. Além disso, o surgimento de unidades federativas no Norte, Nordeste e Centro-oeste do país pode trazer mudanças significativas na composição das forças políticas, aumentando o poder das bancadas dessas regiões.

A justificativa do grande território difícil de administrar também não é pertinente, caso contrário a região mais ao norte no Canadá, menos povoada e maior e enorme em extensão, seria um caos social. Isso se resolve através de ações administrativas, não de criar uma estrutura caríssima, bancada pelos paraenses e pela União, que – no final – vai beneficiar alguns enquanto a maioria continuará sendo ignorada pelo poder central. Seja ele de Belém, Marabá ou Santarém. Melhor seria utilizar os recursos que seriam utilizado para a instalação de Assembléias Legislativas, de mais senadores, mais deputados federais, Justiça, poder Executivo e aplicar na melhoria da qualidade de vida da população hoje.

Ah, mas hoje a configuração política centralizada impede. É isso mesmo ou estamos falando de falta de vontade política dos próprios representantes?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cuidado com a inflacao!

No UOL leio com preocupacao que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, registrou alta de 0,77% em abril, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (6).

Nos últimos 12 meses, o índice está acumulado em 6,51%, valor levemente superior à meta de 6,5% para o ano.

É a primeira vez desde junho de 2005 em que a taxa em 12 meses supera o teto estabelecido pelo governo. No acumulado do ano, o índice já subiu 3,23%. A inflação de 0,77% em abril representa uma leve desaceleração em relação à registrada em março (0,79%).

O combate à inflação se tornou um dos principais objetivos do governo. Para este ano, o centro da meta de inflação perseguido pelo Banco Central é de 4,5%. O mercado, porém, prevê inflação de 6,37%, mas não descarta totalmente a possibilidade de o índice deste ano superar o teto de 6,5%.

Comento:

Nao eh possivel que o governo deixe a inflacao retornar. Trata-se de um tremendo retrocesso e prejuizo principalmente para as classes de menor renda. Eh fundamental que o BACEN cumpra com rigor a meta de inflacao de 6,5%, independentemente das pressoes politicas existentes. Minimizar os riscos inflacionarios eh um tremendo erro economico e politico.

Atualidades de Paulo Francis.

Quando não localizo determinados e-mails dos quais preciso e o laptop faz questao de desaparecer com eles, lembro de PAULO FRANCIS que afirmava: A carta sempre foi o mais sofisticado instrumento de comunicação dos seres humanos.
Por falar nele, sua atualidade eh impressionante.
Sobre o Brasil - O BRASIL sempre foi a casa da mae joana de elites sub-reptícias que fazem o que querem.
Sobre os brasileiros - Herdamos a desconfianca do portugues e o amor do frances `a burocracia.

Novos desafios para o FED.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso) e escreveu o artigo abaixo para a FOLHA DE S. PAULO.

O Federal Reserve, em sua última reunião, reafirmou a decisão de ir até o fim em sua política de inundar o mercado de dólares baratos, chamada de Quantitative Easing 2.
O banco central americano, sob a liderança firme e decidida de seu presidente, vem seguindo à risca a leitura feita por Lord Keynes, ainda na primeira metade do século passado, sobre como evitar uma depressão econômica em um ambiente de pânico financeiro.
Ben Bernanke tem o reconhecimento hoje, mesmo no grupo mais ortodoxo de analistas, de ter evitado o pior na maior economia do mundo. Mas começa a enfrentar novos desafios para consolidar definitivamente suas vitórias.
Os dados mais recentes mostram que alguma vida já voltou à economia, a recessão é coisa do passado e a geração de empregos parece ter voltado de forma perene.
Para 2011, os analistas de mercado trabalham com crescimento de mais de 3% e queda significativa na taxa de desemprego.
Mas partes importantes da economia -o setor imobiliário e o bancário, principalmente- ainda sentem as consequências da crise que começou em 2008. Por isso, ainda é frágil a confiança dos agentes econômicos em uma superação perene.
Por essa razão, o Fed já avisou que prefere errar na direção de uma política monetária expansionista, mesmo com o risco de inflação mais elevada mais à frente, do que permitir uma nova recaída da atividade econômica.
Mas seus principais instrumentos de ação -juros próximos de zero e compras maciças de títulos emitidos pelo governo americano para financiar seus exorbitantes deficit- estão provocando tensões imensas em outras economias, principalmente via canal cambial.
O dólar não para de cair, provocando valorização cambial quase insuportável em vários países e criando uma bolha de liquidez no mundo todo. Na busca desordenada por investimentos financeiros de maior risco, os grandes detentores de capitais exportam o excesso de liquidez nos EUA para países que não sofrem do mesmo mal americano. O Brasil é um exemplo dessa armadilha, com inflação em aceleração e a moeda pressionando a indústria.
Por outro lado, a fraqueza da moeda americana está provocando aumento expressivo dos preços em dólares de produtos primários como alimentos, metais e, principalmente, o petróleo. Como a inflação ex-petróleo não sobe por conta da imensa capacidade ociosa na economia americana -principalmente no mercado de trabalho-, o Fed segue em frente com sua política e acaba exportando inflação para as outras economias.
Mas o aumento dos preços do petróleo começa também a atrapalhar a ação do BC americano. Preços bem mais altos dos combustíveis nos EUA estão corroendo a renda do consumidor e diminuindo sua confiança na recuperação econômica.
Uma espécie de ciclo vicioso perverso se formou, com o excesso de liquidez e juros muito baixos enfraquecendo o valor do dólar nos mercados de câmbio, o que leva a preços do petróleo sempre mais altos, que corroem a renda do consumidor norte-americano, que pressiona a economia para baixo, que obriga o Fed a manter a política monetária frouxa e expansionista, que enfraquece o valor do dólar, que....
O Fed precisa entender que medidas heterodoxas -por mais corretas que sejam em um momento de crise- mantidas por um tempo muito longo provocam efeitos colaterais danosos à economia.
Volto sempre à minha comparação entre uma economia de mercado e o organismo humano para entender o momento por que estão passando os EUA. A partir de certo momento, os efeitos negativos de uma medicação agressiva -e esse é o caso do Quantitative Easing 2- passam a ser maiores do que seus benefícios. Temo que já chegamos a esse ponto.
Talvez já seja a hora de uma mudança nos discursos do Fed, com a retirada da mensagem de que a política monetária atual será mantida por um longo período de tempo e, com isso, um primeiro sinal de normalização seja dado.

EUA - OBAMA 2012!

EUA: "o melhor Exército do mundo" - Barack Obama!

quarta-feira, 4 de maio de 2011

De volta para o futuro.

MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO, sobre “DE VOLTA PARA O FUTURO.”

Observadores atentos da conjuntura econômica têm notado o saudosismo pelos anos 1970 que, aparentemente, permeia certos círculos. Na visão idealizada, o Brasil era, na época, uma ilha de prosperidade, em marcha forçada rumo a um destino glorioso.

O Estado, onipotente e onisciente, determinava o nível da taxa de câmbio, escolhia setores a desenvolver, bem como as empresas que liderariam esse processo, com farta utilização de crédito subsidiado, não raramente a taxas de juros reais negativas. A economia vivia além de suas possibilidades, como atestavam a ampliação do deficit em conta-corrente e a aceleração da inflação - aliás, controlar a inflação era algo que o Estado não prometia, nem, a rigor, tentava com muita convicção.

Tal estratégia, como sabemos, deu errado. Os anos 1970 do Brasil potência foram seguidos pelos anos 1980 da bancarrota nacional, pelo calote na dívida externa, pela explosão hiperinflacionária, pela desorganização da vida econômica e, não surpreendentemente, pelo colapso do investimento.

A despeito da herança ruim, um aspecto do arcabouço de política econômica "setentista" parece exercer atração permanente sobre certos economistas, especificamente o seu caráter discricionário.

A política econômica discricionária é cambiante, ora mira um objetivo, por exemplo a taxa de câmbio, ora outro, por exemplo, a inflação, seguindo a prioridade do momento determinada pelo governo. Ou então atira para todos os lados ao mesmo tempo, em uma cacofonia de metas e instrumentos.

Evidentemente, nesse ambiente discricionário a incerteza é maior, afinal de contas a sociedade não sabe com certeza o que se passa com as autoridades, logo os agentes econômicos demandam prêmios de risco mais elevados, o que leva à elevação das taxas de juros de mercado e ao encurtamento dos horizontes de planejamento e dos prazos.

A lição dos anos 1970, em termos de política econômica, é do valor da humildade. Em vez de ter autoridades onipotentes interferindo nos mais diversos aspectos da vida econômica, é melhor adotar regras que disciplinem a política econômica, aumentem a previsibilidade e, consequentemente, reduzam os prêmios de risco.

O fracasso do modelo discricionário nos anos 1970 levou a regimes de discricionariedade limitada, dos quais o melhor exemplo talvez seja o regime de metas para a inflação.

Nesse regime, o governo estabelece a meta para a política monetária, no caso um objetivo quantitativo para a inflação, e o BC tem autonomia para calibrar seus instrumentos de política, basicamente a taxa de juros, de forma a atingir esse objetivo.

Atribuir à autoridade monetária um outro objetivo, seja ele preservar um piso mínimo para a taxa de crescimento ou controlar as flutuações da taxa de câmbio, representa, na prática, um enfraquecimento do regime de metas para a inflação e uma guinada em direção de um regime mais discricionário.

Pode-se argumentar, contudo, que a crise de 2008 teria demonstrado a falência dos regimes puristas de política monetária e que nas atuais circunstâncias seria mais adequado reverter a uma política mais discricionária e ativista.

Tais argumentos seriam mais convincentes se a gênese da crise não estivesse, ao menos em parte, na política monetária americana, justamente uma das poucas, entre as praticadas nas economias maduras, que continuaram sendo pautadas, no ponto de vista institucional e legal, por seu caráter discricionário.

Uma narrativa plausível das origens da crise é que a política monetária nos EUA, visando combinar a estabilidade monetária com metas para crescimento e emprego, acabou tolerando um perigoso boom de preços de ativos, que, em um ambiente regulatório permissivo, gerou fragilidades sistêmicas severas.

Caso o Fed tivesse uma meta explícita para a inflação, de preferência definida em termos da inflação efetiva, e não de medidas "ad hoc" de núcleo inflacionário, então a atitude de política monetária provavelmente teria sido mais restritiva, e a acumulação de riscos no sistema financeiro, mais moderada.

Copiar os aspectos mais controversos da política monetária americana, como amparo para uma volta ao voluntarismo dos anos 70, parece, portanto, uma estratégia de alto risco, baseada em uma leitura tendenciosa das origens da crise.

Incertezas com Delfim Netto.

ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre “Incertezas”.

Uma boa parte das divergências de diagnóstico entre os economistas brasileiros refere-se às incertezas sobre como distinguir, inequivocamente, se estamos diante de um excesso de demanda sobre a oferta global, corrigível pelo corte da demanda (aumento da taxa de juros real), ou se estamos diante, por exemplo, de desajustes setoriais que podem ser produzidos:

1º) Pelo excesso do uso de regulação;

2º) Por excesso de proteção;

3º) Por modificações na estrutura do mercado de trabalho superáveis apenas com o tempo e através de alterações nos preços relativos.

Estes não podem ser corrigidos apenas pela manobra da taxa de juros. Precisam de forte apoio de medidas que deem aos agentes econômicos os incentivos adequados para ajustarem-se.

Os primeiros devem ser corrigidos pela redução da interferência do poder público que, frequentemente, aumenta os riscos dos investimentos privados. Os segundos devem ser tratados com reduções tarifárias. Os terceiros, com rápido e substancial esforço de qualificação da mão de obra.

Desequilíbrios setoriais podem ocorrer sem que sejam "prova" irrefutável da existência de profunda divergência entre a oferta e a procura globais ou de um nível de desemprego incompatível com a estabilidade monetária.

São condições em que se exigiriam cortes da demanda pública (despesas) e da demanda privada (aumento da taxa de juros real).

Tentar corrigi-los apenas com o uso desses instrumentos resultará em enorme e desnecessário custo social.

Por exemplo: o tumulto que tem acompanhado o problema dos aeroportos é sinal inequívoco de excesso de demanda global? Ou é apenas o efeito da falta de investimento privado no setor, consequência de um perverso mecanismo de intervenção estatal?

Tal intervenção foi surpreendida pela modificação da estrutura da demanda gerada por um aumento de renda não compensado por uma modificação de preços relativos entre o transporte rodoviário e o aéreo, ambos sujeitos a "subsídios". Deve ser corrigido por uma redução do bem-estar geral com aumento da taxa de juros real? Ou com medidas que o liberem do excesso de regulação e deem confiança ao investidor privado para estimular a oferta?

Em princípio, o Banco Central só tem um instrumento, a taxa de juros de curto prazo, com que ele espera manobrar a de longo prazo e controlar o consumo e o investimento.

O mundo é mais complicado do que parece. Há sérias dúvidas de que o BC possa fazê-lo sem o suporte da política fiscal e de medidas monetárias não convencionais.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Um mundo sem o dólar.

Barry Eichengreen, do The Washington Post - O Estado de S.Paulo, É PROFESSOR DE ECONOMIA NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA.

O dólar não tem muita influência hoje em dia. A moeda perdeu 12% do valor ante divisas estrangeiras desde o período caótico após a quebra do Lehman Brothers em 2008, e quase 5% desde o fim de 2010.

Economistas estão debatendo o fim da era do dólar, enquanto organizações noticiosas o pintam como um "fracote de 44 quilos" (em referência a uma velha campanha publicitária de um método de musculação). Nossa chamada moeda "plana", respaldada somente pela fé extrema e o crédito do governo, já não provoca respeito. Então, seria melhor sem ela?

Imagine que você acorda amanhã e o dólar desapareceu. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estava fora do negócio de fornecer dinheiro. Como você cuidaria dos seus assuntos?

A resposta óbvia é que a vida se tornaria um grande mercado de trocas. Seria como o mercado de agricultores local, exceto que em vez de uma fornecedora vendendo cenouras por dólares, ela teria de negociá-las em troca de cebolas na banca vizinha ou pela faca da cozinheira sem nenhum legume. O problema é o que os economistas chamam de "não coincidência de carências" - a vendedora de cenoura pode não querer cebolas, que poderão apodrecer antes de encontrar alguém que as queira.

Isso salienta a conveniência de uma moeda como um meio de troca e uma reserva de valor. Daí decorre que num mundo onde os Estados Unidos não tivessem mais uma moeda, haveria um incentivo para usar uma outra moeda.

Reparem em nossa história. As 13 colônias americanas da Grã-Bretanha foram proibidas de operar uma casa de moedas. Os colonos recorreram então à moeda de prata espanhola, que obtinham exportando peixe seco e óleo de baleia para as Índias Ocidentais. Se o dólar magicamente desaparecesse, os americanos novamente recorreriam ao uso de outras moedas. Quando Ron Paul diz "acabem com o Fed", ele presumivelmente não percebe que estaria dando uma franquia valiosa ao Bank of Canadá.

Realisticamente, nossas necessidades de moeda poderiam ser atendidas por outra grande economia, e o Canadá poderia ser um emissor de moeda demasiado pequeno. Mas os únicos outros candidatos potenciais - Europa e China - têm desvantagens. A Europa está atolada numa crise de dívida, enquanto a China limita o uso externo de sua moeda em parte para impedir que sua taxa de câmbio aumente.

Imagine em vez disso que não comecemos a usar dinheiro de um outro país. Imaginar quantas cenouras oferecer por uma cebola, quantas cebolas oferecer por uma batata e quantas batatas oferecer por uma faca seria complicado sem uma vara de medir comum. Na Virgínia colonial, o tabaco serviu inicialmente para esse fim. O passo seguinte foi acertar transações usando não tabaco de verdade, mas recibos de armazém por tabaco armazenado. Isso era mais conveniente, mas também mais arriscado. Os operadores do armazém tinham um incentivo para emitir mais recibos - para si mesmos, é claro - do que a quantidade armazenada de tabaco.

Decorre daí que num mundo sem dólares o direito de emitir notas teria de ser limitado a um conjunto de entidades reguladoras - chamem-nas bancos. Foi assim que a moeda entrou em circulação antes da Guerra Civil. Bancos imprimiam e emprestavam notas de banco estampadas. Legislativos estaduais requeriam que eles retivessem ouro ou papéis suficientes em valor para resgatar suas notas.

O problema foi que nem todos os Estados aplicaram seus regulamentos. Alguns permitiram que bancos lançassem bônus de governo e ferrovias em seus livros como valores plenos quando variam somente centavos de dólar. Assim, nem todas as notas bancárias são criadas iguais. Era de extrema importância quem as havia emitido. Sentindo a necessidade, coletores especializados em inteligência financeira entravam em cena, publicando boletins conhecidos como "relatórios de notas" que listavam os preços com que diferentes notas bancárias eram negociados, refletindo a boa ou a má reputação do emissor.

Um analogia do século 21 seria nossa agricultora local escaneando cada nota bancária com um smartphone para ver exatamente quantas cenouras ela via antes de aceitá-la como pagamento. Factível, quem sabe, mas isso certamente retardaria o processo de pagamento.

Em geral, é tentador imaginar a tecnologia preenchendo esse vazio. Num mundo sem dólares, cada companhia de internet construiria uma plataforma para transações, com uma moeda eletrônica em que os preços seriam expressos, pagamentos feitos e recibos acumulados. Não é demais imaginar os créditos do Facebook hoje usados para comprar itens em jogos evoluindo para uma moeda eletrônica de uso mais amplo. Embora já tenham havido tentativas de criar uma verdadeira moeda eletrônica, como a Bitcoin, essas tiveram dificuldade de decolar. Não é difícil perceber por quê. Se é possível imaginar uma moeda eletrônica privada, então é possível imagina várias, e não haveria nenhuma garantia de que outras pessoas aceitariam o particular dinheiro eletrônico que você usa.

Ademais, esses sistemas de pagamentos seriam tão confiáveis como os servidores e software das companhias individuais, o que seria impossível de o usuário final julgar. Além disso, nada garantiria que o dinheiro eletrônico que você acumula conservaria o valor, e nada impediria os operadores da plataforma de emitirem mais, em primeira instância para si mesmos. Se as pessoas temessem que o dinheiro eletrônico estava perdendo valor, elas correriam para convertê-lo em mercadorias.

É por isso que temos o Fed. Ele regula o suprimento de dinheiro e sustenta o sistema de pagamento, proporcionando a liquidez necessária em tempos turbulentos como os que se seguiram à quebra do Lehman Brothers. Ele inspeciona bancos e obras com a Federal Deposit Insurance Corporation que oferece seguro de depósitos para aumentar a confiança e impedir corridas aos bancos. Os críticos do dólar estão tendo um dia cheio. Mas quando pensarem nos acordos monetários correntes, estou inclinado a parafrasear o que Winston Churchill disse sobre democracia: "O nosso é o pior sistema possível, exceto por todos os outros".

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Quando uma meta não é uma meta.

Paul Krugman, em seu blog republicado pelo ESTADÃO em 28/04/2011:

Mais um pensamento sobre a entrevista coletiva de Bernanke, não muito diferente do que Yglesias tem a dizer, com a diferença de que prefiro me expressar em economês em lugar da linguagem comum.

Vamos lá: estamos descobrindo que a meta de 2% estipulada pelo Fed para o núcleo da inflação não é de fato uma meta, e sim um limite superior.

Não é assim que as coisas deveriam funcionar. Se realmente achamos que uma inflação de 2% seria ideal (eu preferiria algo mais próximo dos 4%, mas isso já é outra questão), devemos encarar uma inflação de 1% como sendo tão negativa quanto uma inflação de 3%; numa situação em que a inflação se encontra abaixo da meta, devemos encarar um aumento da inflação como algo positivo. Da mesma maneira, na situação em que nos encontramos, com o núcleo da inflação abaixo da meta e um alto desemprego, todos os sinais deveriam indicar um momento propício para a expansão.

Mas, em vez disso, já está claro que uma inflação abaixo da média não é considerada um problema significativo, e também que o Fed se mostra simultaneamente muito relutante em aceitar uma inflação acima da meta, mesmo que temporariamente.

Isso é muito ruim, especialmente quando somam-se a este fato as contundentes provas de que uma inflação levemente positiva pode coexistir com uma economia persistentemente deprimida.

Meu veredicto é que o Fed se deixou intimidar até se tornar uma instituição débil.

Osama bin Laden - The end!

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...