MARIO MESQUITA, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve hoje na FOLHA DE S. PAULO sobre “A sucessão no FMI”.
Episódios recentes têm reforçado a ideia de que, em que pese o valor das instituições, personalidades ainda contam.
O caso do ex-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional) é, nesse sentido, emblemático. Antes da sua implosão, Dominique Strauss-Kahn vinha tendo um desempenho efetivo na chefia do FMI e, mais recentemente, na criação de um consenso entre os governos europeus sobre o apoio aos países em crise. A queda de Strauss-Kahn complica a gestão da crise europeia e abre um vácuo de poder no FMI que deve ser preenchido rapidamente.
A sucessão acidental no FMI ocorre em um momento de transição da economia mundial, quando as economias emergentes -em especial o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China, agora acompanhados da África do Sul)- buscam, com amplas razões, aumentar sua influência na determinação dos destinos da economia global, ao passo que as potências tradicionais, e seus satélites, relutam em perder poder.
Até o momento há duas candidaturas à sucessão de Strauss-Kahn: o presidente do BC do México, Augustin Carstens, e a ministra das Finanças da França, Christine Lagarde. A segunda permanece sendo favorita, no mínimo pelo fato de a Europa estar atuando unida em torno do seu nome, mas tem fragilidades. Estas podem abrir espaço para Carstens, ou um terceiro candidato ainda a ser definido.
Lideranças europeias têm argumentado, como principal elemento a favor da candidatura Lagarde, que, como a grande maioria dos empréstimos do Fundo atualmente são para aquele continente (cerca de 80% do total, podendo aumentar), a instituição deve ser administrada por alguém com legitimidade, experiência e contatos na região -em especial, alguém que tenha o passaporte comunitário.
Esse argumento é lamentável e deve ser rechaçado pelas lideranças das economias emergentes. Do ponto de vista da equidade, imagine o leitor se, nos anos 1980, nossa região, encalacrada em dívidas, tivesse postulado a direção do FMI? Ou se, em circunstâncias semelhantes, os asiáticos tivessem feito o mesmo ao final dos anos 1990?
Do ponto de vista gerencial, o argumento também é fraco, pois, mesmo que, no que se refere ao montante total dos programas de ajuda, a contribuição intraeuropeia seja dominante, é difícil aceitar o argumento de que a posição de diretor-gerente do FMI deve ser decidida caso a caso, de acordo com as necessidades de formação de consenso do momento.
Por sua vez, a candidatura Carstens também apresenta fragilidades. Embora o postulante tenha impecáveis qualidades técnicas (tem doutorado pela Universidade de Chicago, provavelmente a melhor escola de economia do mundo) e ampla experiência (ex-representante do México no FMI, ex-ministro da Fazenda de seu país e, desde 2010, banqueiro central), há aparentemente resistências por parte de certos emergentes, que, talvez injustamente, vêm a candidatura como talvez excessivamente próxima aos Estados Unidos.
A posição dos Brics, apesar do ataque frontal e público às pretensões europeias, permanece ambígua. Não apoiam Lagarde, mas também, pelo menos até o momento, não exprimem entusiasmo por Carstens. Parece que fazem um jogo de médio prazo, marcando posição agora em troca de algum comprometimento formal quanto a cargos no FMI e, possivelmente, em outras instituições, no futuro.
O provável, portanto, é que o FMI, instituição central na arquitetura financeira internacional, siga sob gestão europeia, com Lagarde ou outro representante do continente (até Jean Claude Trichet, o presidente do BCE, tem aparentemente sido cogitado) obtendo apoio, que será decisivo, dos Estados Unidos, mas ao custo de perda adicional de legitimidade perante as economias emergentes.
Estas, nesse contexto, teriam ainda mais incentivos para seguir suas políticas de autoproteção, por meio da aquisição de reservas internacionais, em vez de contar mais com o "seguro" coletivo proporcionado pelo FMI. Não é uma saída auspiciosa para a crise gerada pela incontinência do senhor Strauss-Kahn.